Fazer de São Tomé e Príncipe um Laboratório da Medicina Tradicional Chinesa

por Arsenio Reis

O ministro da Saúde de São Tomé e Príncipe, Edgar Agostinho das Neves, tem um sonho: Fazer de São Tomé e Príncipe, pela sua riqueza e diversidade no reino vegetal, um laboratório para o desenvolvimento da Medicina Tradicional Chinesa (MTC). Mas, para já, a prioridade é preparar o país para beneficiar de uma futura ligação ao Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa para a Cooperação entre Guangdong-Macau. O responsável esteve em Macau para participar no “Fórum de Cooperação Internacional de Medicina Tradicional 2019 da China”.

– São Tomé e Príncipe é o membro mais recente do Fórum. O regresso às relações com Pequim é uma nova realidade. Na área da saúde, em particular na componente da medicina alternativa e da MTC, o que é que o país espera encontrar e o que pode dar?

Edgar Agostinho das Neves – Somos um pequeno país insular, mas estrategicamente bem colocado na geografia do mundo. O convite para vir a Macau para participar no “Fórum de Cooperação Internacional de Medicina Tradicional 2019 da China” foi recebido com todo o cuidado e tratado ao mais alto nível, o que revela a importância que damos à MTC. Em matéria do que vamos receber, apostamos no desenvolvimento e no crescimento do setor da medicina tradicional, designadamente com o apoio do Parque Científico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa para a Cooperação entre Guangdong-Macau.

– E o que pode oferecer?

E.A.N. – São Tomé pode funcionar como uma plataforma de divulgação. A formação e a investigação no âmbito da MTC não deve servir só o país,mas virar-se para todo o mercado que está à nossa volta na região do Golfo da Guiné, servindo uma população de 200 milhões de pessoas.

– Mas como?

E.A.N. – Repare, o desenvolvimento que a MTC tem tido ao longo dos anos obriga-nos, necessariamente, a incorporá-la como um complemento importante – uma nova valência – para fortalecer, enriquecer e estruturar melhor o Sistema Nacional de Saúde. Além disso, o país tem um clima tropical húmido, uma vegetação equatorial e, naturalmente, uma riqueza vegetal e animal muito importante. Reservas, entre aspas, que podem e devem ser devidamente exploradas e estudadas como contribuição com todos os parceiros e para a investigação científica.

– Estamos a juntar aqui dois conceitos?

E.A.N. – Sim, sim. Hoje somos obrigados a ter uma visão muito mais holística, mais transversal de tudo isto. Não vemos a MTC só sob aspeto da cura em si, mas através de uma série de elementos que giram à volta da medicina, da saúde. E como é que a saúde pode contribuir para o desenvolvimento.

– Quer concretizar melhor a ideia?

E.A.N. – Queremos “casar” a medicina convencional em geral, e a MTC em particular, com o desenvolvimento. O desenvolvimento aqui tem um eixo que é muito importante para São Tomé e Príncipe, que é o turismo. Estando mais fortalecidos na área da medicina tradicional, com esta devidamente implantada isso dá-nos mais tranquilidade, mais segurança e torna o país mais atrativo para todos aqueles que queiram girar à sua volta. São Tomé é um país com grande potencial turístico, há cada vez mais procura do país como destino. Tudo isto torna-se numa alavanca muito importante para o desenvolvimento do país e da região onde está inserido.

– Está a dizer-nos que a introdução e aprofundamento das práticas associadas à MTC podem criar uma espécie de “nicho”, uma vez associadas ao turismo?

E.A.N. – Quando dizia mais atrativo e seguro queria que se olhasse para o mundo e se visse a dimensão que a MTC tem e, em paralelo, pensar em São Tomé e Príncipe do futuro, virado para um turismo estruturado. Tudo isto vem, tem de vir, necessariamente colado à publicidade que se fizer do próprio país. Além dos aspetos curativos, temos de incluir também as componentes de formação e de investigação. Há aqui o sonho de ver um dia São Tomé como um laboratório, entre aspas, para o desenvolvimento da MTC.

– Vamos falar da relação com o Parque Tecnológico. Existem já decisões em matéria de cooperação entre as duas partes?

E.A.N. – Ainda não estamos preparados para concluir, neste momento, qualquer acordo. Mas já temos ideias e intenções, que manifestámos e que foram bem acolhidas pelos responsáveis do Parque. Saímos daqui muito mais entusiasmados e encorajados em avançar com o projeto de desenvolvimento da MTC em São Tomé.

– Há alguma medida concreta?

E.A.N. – Nada se faz num dia. Vamos aproveitar as experiências do que vem acontecendo em outros países africanos de língua portuguesa e pensamos, com isso, conseguir ganhar algum tempo. Saímos de Macau com uma visão muito mais ampla e um sentido de responsabilidade acrescido. E sabemos o que temos de fazer e como o fazer. Não há como voltar para trás. Agora esta ligação à MTC tem de ser feita de uma forma estruturada, com sustentabilidade, para não haver recuos. Seguramente se tivermos de cá voltar nos próximos tempos, traremos na bagagem mais coisas para mostrar aos parceiros.

– Uma das áreas em que outros países têm avançado é na regulamentação das práticas, clinica e farmacêutica, das medicinas alternativas. É a isso que se refere?

E.A.N. – Com certeza. Ir buscar, designadamente o quadro legislativo comparado para ser aplicado em São Tomé. Esses são desafios que já constam das atividades do Ministério da Saúde. A regulamentação e legislação, de uma forma geral, o enquadramento, como se vai encaixar com a medicina convencional. E há ainda um outro aspeto, no mundo de hoje, incontornável: a mediatização. A comunicação social vai ter de jogar um papel importante na divulgação, informação e comunicação. No fundo, participar para uma mudança de mentalidades, sabendo-se que só mudam com mais e melhor conhecimento, educação e formação.

– Além ministro, também é médico. De que forma a medicina tradicional de São Tomé e Príncipe se encaixa, na atualidade, na medicina convencional?

E.A.N. – Começa a haver esse encaixe. Já devíamos estar mais avançados, mas como disse, vamos regressar com uma visão mais alargada que vai obrigar-nos a acelerar este enquadramento da medicina tradicional local e mais acabada daquilo que são os verdadeiros conceitos da medicina tradicional. Tudo este trabalho tem de ser realizado também junto das própria classe médica, de enfermagem e técnica. Temos de trabalhar, informar, sensibilizar para esta realidade. E é um trabalho que não se faz de um dia para o outro. Vai-se fazendo. Há essa complementaridade. As medicinas, convencional e tradicionais, não se sobrepõem, complementam-se.

– Volto a insistir. E decisões concretas? Quando é que São Tomé estará em condições de, a exemplo de outros membros do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, assinar um memorando de cooperação com o Parque Tecnológico?

E.A.N. – Não posso definir uma data. Mas queremos que seja o mais rápido possível. Estou convencido que nos próximos meses estamos em condições de o fazer.

– Durante a próxima reunião ministerial em Macau, em junho de 2020?

E.A.N. – Podemos apontar essa data como meta. Sabemos que não se faz de um dia para o outro, mas não se pode adiar mais e deixar de fazer.

– Como analisa as relações bilaterais entre São Tomé e Príncipe e a China, quando se caminha para os primeiros três anos desse reencontro entre Pequim e São Tomé?

E.A.N. – Esse relacionamento é excelente. Tem diferentes domínios de cooperação e tem-se cumprido o que foi rubricado, designadamente o apoio direto da China ao Orçamento de Estado de São Tomé, nas infraestruturas, no projeto de combate ao paludismo.

– Hoje em dia têm surgido teorias que criticam Pequim por ter uma política para África assente na criação de divida e, consequentemente, numa excessiva dependência de estados africanos à China. Como avalia essa questão?

E.A.N. – A nossa relação, como disse, é muito positiva. Não concordamos com essa visão. Cooperação é dar e receber. As nossas relações estão muito bem definidas. Está muito claro o que podemos dar e aquilo que contamos receber. Repito, a relação é boa e abarca áreas que vão da proteção e reforma de infraestrutura, formação de quadros, luta contra paludismo. A China tem tido uma intervenção ao nível da cooperação bastante vasta.

Edgar Agostinho das Neves ministro da Saúde de São Tomé e Príncipe

Especializado em Pediatria Geral, pela escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo, Brasil, Curso de Internato Geral dos Hospitais Civis de Lisboa, Licenciatura em Medicina, pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, antigo deputado na Assembleia de Nacional, atual ministro da Saúde e Segurança Social de Cabo Verde. Foi membro da equipa de supervisores da Direção Geral de Saúde, Pediatra no Hospital Regional de Santo Antão, Médico de Clínica Geral na Delegacia de Saúde da Ribeira Grande, membro do conselho de disciplina da Ordem dos Médicos e membro da Comissão Nacional de Medicamentos.

António Bilrero 04.10.2019

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