Essencial

por Arsenio Reis

Acrise em Hong Kong afigura-se como um abalo sísmico de proporções ainda por medir na sua plenitude. Em Macau, gera uma angústia e uma enorme preocupação não apenas relativamente ao impacto político e económico, mas também face à possibilidade de “contágio”. Essa visão é certamente partilhada pelas autoridades e pela maioria da sociedade. As imagens de caos e violência endémica protagonizadas por grupos radicais de manifestantes e polícia confirmam os piores receios de uma atração pelo abismo patente desde os primeiros sinais de violência há três meses, mas que ganhou contornos inimagináveis nas últimas semanas. É notório que as autoridades de Macau estão focadas em garantir a tranquilidade pública e estabilidade social neste período face ao “monstro” que cresce do outro lado do Delta do Rio das Pérolas. Esse desiderato faz sentido e é perfeitamente compreensível, contudo não pode ser levado a cabo como se fosse uma obsessão a ser cumprida de forma desproporcional e a qualquer preço, ainda mais num contexto de paz social como o de Macau. O exercício de direitos fundamentais, previstos na Lei Básica e balizados pelos vários bens a serem tidos em consideração, como o direito de reunião e manifestação não devem assim sair beliscados. Esse risco é agora mais real no contexto em que vivemos. A decisão da Polícia de Segurança Pública (PSP) de não permitir reuniões e manifestações de crítica à ação policial em Hong Kong, com base em argumentos que parecem ser mais de natureza política do que legal, não pode deixar indiferente quem valoriza a cultura cívica e jurídica que faz parte do enquadramento constitucional da Região Administrativa Especial de Macau e que, de resto, tem sido em grande medida respeitada ao longo das últimas duas décadas. A decisão do Tribunal de Última Instância (TUI) de validar os argumentos da PSP – com o voto contra de um dos três juízes – coloca a questão noutro patamar, mais preocupante. A crise em Hong Kong vai moldar o caminho futuro em vários aspectos e de formas que não conseguimos ainda antecipar com clareza. Está patente o risco de se revelar como um “acelerador” da história, que se poderá traduzir numa guinada que afaste as regiões administrativas do espírito e matéria que as tornam verdadeiramente especiais. Nesta encruzilhada, é importante que as instituições locais não incorram no erro da erosão de direitos fundamentais. É essencial.

José Carlos Matias 04.10.2019

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