Medicina Tradicional Chinesa mergulha no Atlântico

por Arsenio Reis

As relações entre Cabo Verde e a China e Macau gozam de boa saúde. Quem o diz é o ministro Arlindo do Rosário que tutela a Saúde e a Segurança Social deste arquipélago ancorado no meio do Atlântico. A história de Macau, diz, é um ganho que deve ser aproveitado para o relacionamento entre o ocidente e o oriente.

– Cabo Verde tem trabalhado com o Parque Cientifico e Industrial de Medicina Tradicional Chinesa (MTC) Macau-Guangdong. Qual a importância que pode ter para a população de Cabo Verde?

Arlindo do Rosário – Temos trabalhado com Parque há algum tempo. Estamos a dar passos significativos para implementação da MTC em Cabo Verde. Como médico e como ministro da Saúde, a preocupação fundamental é que a abordagem do doente seja feita, como é defendida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) através de uma abordagem holística. Primeiro o doente, antes da doença. Estamos por isso abertos não só desenvolver medicina convencional, onde a China também está incluída, como a explorar as oportunidades da MTC pode trazer a Cabo Verde.

– África, e Cabo Verde não é exceção, tem tradição nas medicinas alternativas. Onde é que as duas práticas podem “casar”?

A. R. – A MTC tem-se desenvolvido ao longo de séculos, estruturando-se e com resultados que são reconhecidos pela própria OMS. A introdução da MTC em Cabo Verde não irá trazer, de forma alguma, o desaparecimento das práticas locais existentes. Poderá, inclusivamente permitir que essas sejam também melhor trabalhadas e reconhecidas e, onde for possível, aproveitá-las. O objetivo é explorar e aproveitar o melhor possível aquilo que as medicinas podem trazer. Da convencional à tradicional.

– Quadros do Parque já estiveram em Cabo Verde, designadamente para ações de formação. Que balanço faz o Ministério dessa colaboração?

A.R. – Essa área tem vivido um grande dinamismo. Já houve, na sequência do memorando de entendimento assinado em Maio passado em Lisboa, ações de formação em MTC em Cabo Verde, destinadas a técnicos de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos). 

– A regulamentação da prática das medicinas alternativas é uma área em que os Estados são intransigentes. Qual é neste momento a situação em Cabo Verde?

A. R. – Cabo Verde é reconhecido como um país que está muito avançado na área da regulamentação. Nas áreas da saúde, da farmacêutica, tem uma regulamentação muito consolidada. A entidade reguladora tem essa responsabilidade. A MTC abre-nos desafios importantes e queremos ter, tal como na medicina convencional, um quadro equivalente para a medicina tradicional. A Europa está a dar passos nesse sentido. Queremos apanhar esse comboio e aprofundar e beber experiências para caminhar com passos firmes nesta matéria. O próprio Ministério da Saúde já criámos um Gabinete para a Medicina Tradicional, focado nos aspetos da legislação e regulamentação, pressupostos que consideramos essenciais.

– Quantos técnicos de saúde cabo-verdianos já beneficiaram de formação em MTC? 

A. R. – Até ao presente, cerca de 50 técnicos, entre médicos, enfermeiros e fisioterapeutas. O memorando prevê continuar a formação e alargá-la, e isso é fundamental.

– Abriu recentemente uma escola de medicina no território. Mais uma área para futura cooperação?

A. R. – Já há muitos alunos cabo-verdianos a estudar na China, em diversas áreas, designadamente medicina. Aqui em Macau também há alunos a estudar em outras áreas. E sei que já temos um estudante de Cabo Verde nessa nova escola. Portanto está dado o pontapé de saída.

– Pelo que diz, a relação com a China e Macau está de boa saúde…

A. R. – A relação do Governo de Cabo Verde com a China e Macau é muito forte, com parcerias fortes. Não estamos a cooperar com a China apenas na medicina tradicional. Presentemente está em Cabo Verde uma equipa chinesa que vai construir o bloco de maternidade e obstetrícia de uma unidade de saúde de referência do país, o Hospital Batista de Sousa, orçada em 15 milhões de dólares. Temos uma equipa médica chinesa em permanência no país desde há 30 anos (que se reveza de dois em dois anos) no Hospital Agostinho Neto. Portanto, a China tem apoiado Cabo Verde não só em termos de equipamentos e infraestruturas, mas também de formação e assistência técnica. Não vamos perder isso. 

– A propósito da visita. O que pode oferecer Cabo Verde desta ronda de contactos?

A. R. – Um país com uma localização geoestratégica importante, estável, seguro, bom para investimentos. Assim como já se fez com Portugal – Lisboa é a sede de um centro europeu de MTC – porque não pensar também que Cabo Verde possa ter um centro de MTC virado, não apenas para dentro, mas também para o nosso continente? Ganhamos em termos de escala, daquilo que queremos oferecer aos cabo-verdianos – uma melhor saúde –, contribuindo também para a região.

– Criar no futuro um centro africano de MTC em Cabo Verde?

A. R. – Exatamente. Tratam-se de questões que são colocadas e discutidas com as autoridades, mas é também uma forma de mostrar a nossa visão e ambição, a qual ultrapassa os limites do território.

– Que papel observa para Macau nas relações da República Popular da China e os Países de Língua Portuguesa?

A. R. – A história de Macau é um ganho importante que deve ser aproveitado. Macau, enquanto região que também tem o português como língua, pode ajudar muito na comunicação, além de a própria vocação que decorre do princípio “um país, dois sistemas”, lançado pela China, ser a ponta de lança para esse relacionamento que se pretende entre o ocidente e o oriente.

– Que futuro para esta relação?

A. R. – Existem vários passos a ser dados… os alicerces dessa parceria estão lançados. Vamos continuar a trabalhar e no futuro saberemos como realmente construir o edifico. 

Arlindo do Rosário 

Especializado em Pediatria Geral, pela escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo, Brasil, Curso de Internato Geral dos Hospitais Civis de Lisboa, Licenciatura em Medicina, pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, antigo deputado na Assembleia de Nacional, atual ministro da Saúde e Segurança Social de Cabo Verde. Foi membro da equipa de supervisores da Direção Geral de Saúde, Pediatra no Hospital Regional de Santo Antão, Médico de Clínica Geral na Delegacia de Saúde da Ribeira Grande, membro do conselho de disciplina da Ordem dos Médicos e membro da Comissão Nacional de Medicamentos.

António Bilrero 27.09.2019

Fotografia: Gonçalo Lobo Pinheiro

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