‘Hoje Hong Kong, Amanhã Taiwan’

por Arsenio Reis

‘Umbrella Diaries: The First Umbrela’, um documentário que acompanha a ‘Revolta dos Guarda-Chuvas’ em 2014, marcou a edição deste ano do Festival Internacional de Cinema e Direitos Humanos de Taiwan. O programa incluiu ainda ‘Last Exit to Kai Tak’, um outro documentário que segue quatro ativistas pró-democracia de Hong Kong.

O festival teve lugar numa altura em que Hong Kong enfrenta protestos regulares desde junho mas um dos organizadores, Alan Ho, garantiu ao PLATAFORMA que “é apenas uma coincidência”, uma vez que o Museu Nacional dos Direitos Humanos de Taiwan começou a selecionar filmes “em fevereiro e março deste ano”.

‘Hoje Hong Kong, Amanhã Taiwan’ foi escolhido como um dos temas do festival porque “ainda há muitas pessoas em Taiwan relativamente indiferentes aos direitos humanos ou aos grupos mais vulneráveis”, lamentou Alan Ho.

Segundo três estudos de opinião realizados recentemente em Taiwan sobre os protestos em Hong Kong, entre 20 e 30 por cento dos inquiridos preferiram não responder ou disseram desconhecer o assunto. “Há muita gente, sobretudo no meio rural, que não sabe de facto o que se passa”, explicou Chen Fang-Yu, investigador convidado do Global Taiwan Institute.

Por outro lado, mais de 70 por cento dos inquiridos afirmou apoiar os protestos. Na faixa etária até aos 24 anos, a percentagem dos apoiantes sobe aos 94 por cento.

Jovens unidos

Yen Wei-Ting, professora do Franklin and Marshall College, nos Estados Unidos, afirmou ao PLATAFORMA que têm sido sobretudo os jovens universitários a organizar em Taiwan atividades de apoio aos protestos em Hong Kong. Em Taoyuan, por exemplo, foi lançada uma campanha para recolher 250 capacetes, assim como máscaras antigas e equipamento de proteção, para doar aos manifestantes.

Segundo Chen Fang-Yu, os laços entre ativistas das duas regiões já vêm desde 2014, ano em que, pouco depois dos estudantes do ‘Sunflower Movement’ obrigarem o Kuomintang (KMT) a abandonar um acordo de liberalização do comércio de serviços com a China continental, Hong Kong viveu a ‘Revolta dos Guarda-Chuvas’.

Nessa altura, “ativistas em vários países asiáticos estabeleceram redes para partilhar informação e aprender uns com os outros”, referiu o coeditor do blog ‘Quem Governa Taiwan’. “Alguns dos meus amigos, da geração mais antiga, que lutou pela democratização de Taiwan, foram a Hong Kong dar palestras”, revelou Chen Fang-Yu.

Algumas das atividades em Taiwan foram organizadas pelos Hong Kong Outlanders, uma associação de estudantes de Hong Kong. O PLATAFORMA entrou em contacto com o grupo, quee xigiu de imediato ver a carteira de jornalista. Isto semanas após Lo Wing-yin, jornalista do diário estatal chinês Ta Kung Pao, ter sido apanhado a cobrir os protestos de Hong Kong com uma credencial falsa do Jornal Tribuna de Macau.

Depois deste passo, uma estudante da Universidade Nacional de Taiwan pediu ao PLATAFORMA mais informação. Mas assim que soube que o artigo seria também publicado em chinês, a jovem recusou-se a falar.

O fim dos ‘dois sistemas’

O programa do festival incluiu discussões após as sessões de cinema, que incluiu uma com James Leong, o realizador de ‘Umbrella Diaries: The First Umbrela’, e workshops “para explorar os direitos humanos na perspetiva das vítimas políticas”.

Alan Ho garante, no entanto, que o festival não tem uma posição quanto aos protestos. “Não nos cabe a nós dizer qual dos lados tem razão e qual está errado”, sublinhou.

Já a presidente Tsai Ing-Wen tem apoiado abertamente o movimento. Em julho, afirmou desejar que “a Taiwan de hoje seja a Hong Kong de amanhã”. Uma referência ao slogan ‘Hoje Hong Kong, Amanhã Taiwan’, usado pelos manifestantes na Formosa.

No entanto, Alan Ho não acredita que a ilha enfrente o mesmo destino de Hong Kong. “Sendo uma das regiões mais desenvolvidas da Ásia, Taiwan tem uma sociedade democrática relativamente madura e estável”, acredita o responsável do Museu.

O Conselho de Assuntos do Continente da ilha foi mais longe, quando garantiu que “os 23 milhões de taiwaneses nunca aceitarão a política de Pequim de ‘Um País, Dois Sistemas”.

O modelo “nunca foi popular em Taiwan e continua a não a ser atualmente”, frisou ao PLATAFORMA Elizabeth Larus, professora de ciência política na Universidade de Mary Washington, nos Estados Unidos. Um inquérito realizado em maio revelou que 83 por cento das pessoas ouvidas rejeitam a reunificação com a China continental através do princípio.

Ou seja, explicou Elizabeth Larus, “defender o ‘Um País, Dois Sistemas’ para Taiwan seria suicídio político para qualquer Governo taiwanês, fosse ele do DPP [sigla inglesa do Partido Democrático Progressista] ou do KMT”. Mesmo nas primárias do Kuomintang, tradicionalmente mais próximo do Continente, “todos os principais candidatos recusaram o modelo ‘Um País, Dois Sistemas’, pela primeira vez desde há muito tempo,” sublinhou Chen Fang-Yu.

Segundo um estudo de opinião realizado em Taiwan no início dos protestos em Hong Kong, 63 por cento dos inquiridos afirmou que ‘Um País, Dois Sistemas’ foi um fracasso na região. “A resposta autista do Governo de Hong Kong à reivindicação de retirada da lei de extradição e a reação brutal da polícia aos enormes protestos em Hong Kong indicam que foi o último suspiro da fórmula ‘Um País, Dois Sistemas’”, defendeu Elizabeth Larus.

Cautela e incerteza

A crise em Hong Kong já beneficiou Tsai Ing-Wen, refere a académica norte-americana. Apenas quatro dias depois do início dos protestos, a atual presidente, que partia em desvantagem nas primárias do DPP, derrotou confortavelmente o rival William Lai. Além disso, a situação em Hong Kong, acrescenta Larus, obrigou o candidato presidencial do KMT, Kuo Han-Yu, a ser “mais cauteloso ao defender relações mais próximas com a China continental”.

Isto porque, diz Chen Fang-Yu, já no ano passado os eleitores apontavam a segurança nacional como a principal preocupação. O desenvolvimento económico, fator que mais tem justificado a aproximação ao Continente, caiu para segundo lugar. Yen Wei-Ting explica a mudança com o aumento daqueles que se identificam de forma mais forte como taiwaneses, em vez de chineses, “aqueles que acreditam ter mais a perder”.

Entretanto, as Ilhas Salomão tornaram-se o mais recente aliado diplomático de Taiwan a dar sinais de que poderá em breve estabelecer laços com a China continental. Caso Tsai Ing-Wen seja reeleita, “Pequim vai continuar a pressionar, sancionar e limitar a interação com Taiwan,” prevê Yen Wei-Ting. “O corte de laços diplomáticos tem sido o aviso mais forte e simbólico”.

Elizabeth Larus antecipa que o cenário eleitoral em Taiwan poderá alterar-se por completo caso haja uma repressão violenta dos protestos em Hong Kong, por exemplo com o recurso ao Exército de Libertação do Povo Chinês. Algo que poderia “assustar” os taiwaneses e beneficiar o KMT, “o partido da precaução que quer cooperar e não antagonizar a China”, diz a professora.

“Não acredito que Pequim irá esperar até depois das celebrações do Dia Nacional, a 1 de Outubro. Não tenho dúvidas que Xi Jinping vai ordenar a repressão se sentir que a situação em Hong Kong está a ficar fora de controlo”, prevê a académica. 

Vítor Quintã 13.09.2019

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