Greenpeace acusa pecuária e Bolsonaro de destruírem Amazónia

por Arsenio Reis

A atividade pecuária assim como a retórica antiambiental do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, são dois dos responsáveis pelo aumento da desflorestação na Amazónia brasileira. As acusações são da ONG Greenpeace.

“Acredito que as atitudes de Bolsonaro potencializam a desflorestação. A retórica que assumiu foi de desmantelamento da política ambiental do país. Tem feito algumas declarações, como a de não querer criar nenhuma reserva indígena, a de que já existem muitas unidades de conservação, a de que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) é uma indústria de multas”, disse à Lusa Rômulo Batista, biólogo e especialista na Amazónia, da Greenpeace Brasil.

“Todas estas declarações causam um embaraço internacional e encorajam as pessoas que estão dispostas a praticar crimes ambientais na Amazónia. Ouvem o presidente como se fosse uma licença para praticar a desflorestação, assim como as queimadas que estão a ocorrer”, declarou a organização não- -governamental (ONG).

De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais brasileiro (Inpe), órgão público que mede a desflorestação no país, nos seis primeiros meses do ano houve um crescimento de 212 por cento nas áreas desflorestadas da Amazónia face ao mesmo período de 2018. Só em junho, a desflorestação teria crescido 88 por cento de acordo com o Inpe, na mesma base de comparação. Porém, os valores registados em julho vieram mostrar um aumento muito superior, com a desflorestação da Amazónia a aumentar 278 por cento nesse mês, em relação ao período homólogo do ano passado.

Os culpados

Questionado sobre os possíveis culpados do aumento, a Greenpeace não hesita em apontar responsabilidades ao atual chefe de Estado brasileiro, assim como à atividade pecuária.

“Bolsonaro tem um papel fundamental nos problemas que a Amazónia vem atravessando nos últimos tempos. Já faz quase oito meses que está no poder e até agora não vimos nenhuma medida tomada por este Governo para combater a desflorestação, os focos de incêndio ou para proteger a Amazónia como um todo”, criticou.

“Trata-se de uma área muito grande e é muito difícil identificar nomes ou empresas por detrás destes problemas. No entanto, temos números que mostram que da área que já foi desmatada na Amazónia, mais de 65 por cento é hoje ocupada por pastos, para criação de gado bovino. Então, a pecuária é a atividade que mais promove a desflorestação da Amazónia brasileira”, frisou a ONG. Quando confrontado com os dados do Inpe, Bolsonaro negou-os, considerando- -os “fruto de atos de má-fé praticados por funcionários públicos interessados em prejudicar o seu Governo”, tendo acabado por exonerar o diretor do órgão, Ricardo Galvão.

Após os dados que refletem o aumento da desflorestação no país sul-americano terem sido difundidos, a Noruega, principal doador do Fundo Amazónia, anunciou o bloqueio de 30 milhões de euros (cerca de 269 milhões de patacas) destinados à proteção daquela que é a maior floresta tropical do mundo.

O país escandinavo acusa Brasília de “já não querer parar a desflorestação” e de ter “rompido o acordo” com os doadores do Fundo para a Preservação da Floresta Amazónica, para o qual Oslo já transferiu 828 milhões de euros (perto de sete mil milhões de patacas) desde a criação, em 2008.

O Fundo Amazónia é mantido, maioritariamente, com doações da Noruega e Alemanha, e é gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social do Brasil (BNDES).

Dias antes do anúncio da Noruega, também a ministra alemã do Ambiente, Svenja Schulze, anunciou a suspensão do financiamento de projetos para a proteção da floresta e da biodiversidade na Amazónia, no valor de 35 milhões de euros (quase 313 milhões de patacas), devido ao aumento da desflorestação na região. Bolsonaro reagiu dizendo que o país não “precisa” de subsídios alemães.

Com os cortes provenientes dos principiais doadores, o ministro do Ambiente brasileiro, Ricardo Salles, anunciou mesmo a suspensão do Fundo.

Ainda há esperança

A Greenpeace, ONG que atua internacionalmente em questões relacionadas com a preservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável, mostrou- -se preocupada com a diminuição de verbas destinadas à Amazónia.

“Há muitos anos que o Fundo Amazónia é também usado para financiar ações de fiscalização, operações de combate ao fogo. Dessas verbas usadas no ano passado, 42 por cento tinha objetivos de monitorização, fiscalização e de combate a incêndios. O corte nesse fundo é um grande problema porque fica-se sem meios para agir na Amazónia”, argumentou Rômulo.

Tendo em conta o aumento da desflorestação, que registou o maior índice nos estados brasileiros do Pará, Amazonas, Mato Grosso e Rondônia, a Agência Lusa perguntou ao biólogo, e especialista, como é que, na prática, esse abate de árvores se concretiza.

“A desflorestação na Amazónia geralmente ocorre por etapas. A primeira fase é chamada de ‘exploração ilegal de madeira’, que é geralmente uma exploração seletiva, através da abertura de estradas dentro da floresta, onde são abatidas as árvores com maior valor de mercado”, explicou.

“Com essas estradas, os indivíduos atuam através de dois processos: o corte raso das árvores, através do uso de motosserra, ou de correntes muito grandes, puxadas por dois tratores, derrubando vários quilómetros de floresta todos os dias. E depois há a queimada, ou simplesmente como vemos nos últimos dias, atear fogo na floresta até que ela morra”, descreveu o especialista.

Para se ter uma noção do impacto que a desflorestação desta floresta pode ter no Planeta, é necessário saber o que representa. A Amazónia é a maior floresta tropical do mundo e possui a maior biodiversidade registada numa área do planeta. Tem cerca de 5,5 milhões de quilómetros quadrados e inclui territórios do Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa (que pertence a França).

Apesar da Amazónia ser uma floresta muito rica, e um elo de ligações de diversos organismos, já se perdeu 20 por cento de toda essa área, segundo a Greenpeace.

“Dessa percentagem, muito provavelmente já se perderam milhares de espécies que nem chegámos a conhecer, a ciência não chegou sequer a catalogar, porque a destruição foi muito mais rápida do que o investimento em educação e ciência”, lamentou a ONG.

Quanto às consequências desta perda, a primeira pode ser aquilo a que os cientistas chamam de “atingir o ponto de não retorno”, que é quando a floresta não consegue regenerar-se, começando a secar, e a transformar-se numa savana, ou cerrado, como se denomina esse tipo de Bioma no Brasil. Ou seja, uma floresta “muito mais seca e muito menos diversa”, esclareceu.

Outro grande efeito que o Brasil pode sentir é uma mudança no regime de chuvas.

“A Amazónia é chamada de pulmão do mundo, mas prefiro ver a Amazónia como um grande “ar condicionado”, já que manda para a atmosfera, diariamente, milhões e milhões de litros de água em forma de humidade, que ajuda a regular o clima no mundo todo”, indicou Rômulo.

“Também produz massas de água que se movimentam da Amazónia em direção ao centro e ao sudeste do Brasil e que muitas vezes se precipitam em forma de chuva. E é essa chuva que alimenta grande parte da produção agrícola brasileira, o que é uma grande contradição, porque vemos ruralistas a derrubar a Amazónia para aumentar a quantidade de pasto”, sublinhou o especialista.

Em relação a possíveis soluções para esta problemática, o ambientalista brasileiro declarou não existirem respostas fáceis para um problema tão complexo como a desflorestação. Contudo, Rômulo garante é possível repetir o método utilizado entre 2004 e 2012, período em que, de acordo com a Greenpeace, a desflorestação no Brasil foi reduzida de 27 mil quilómetros quadrados para menos de cinco mil quilómetros quadrados. “Primeiro, empoderar a agência de proteção e vigilância, que é o Ibama. Contratar e especializar mais gente. Além disso, é muito importante investir em ciência e tecnologia, como foi feito no Inpe. Foi nessa época que se criou o sistema de alerta de desflorestação, que serve justamente para avisar o Ibama do que é que está a acontecer, para que consigam parar a desflorestação, antes que aconteça como um todo”, sugeriu. “Depois, criar unidades de conservação e de reservas indígenas, que é, de longe, o mecanismo mais eficiente para preservar a floresta e conter a desflorestação. Por último, não fazer o que o atual Governo recentemente fez, que foi tentar mexer num instrumento que estava a funcionar, como o Fundo Amazónia, que vinha financiando muitas ações de combate aos problemas ambientais na Amazónia”, reforçou Rômulo Batista em entrevista à agência Lusa.

Marta Sofia Moreira 30.08.2019

Exclusivo Lusa/Plataforma Macau

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