Alta pressão

por Arsenio Reis

Atuais e antigos membros da Novo Macau falam de aumento da pressão política. A suspensão prematura da sondagem sobre o sufrágio universal organizada pela associação, assumiu o grupo, deveu-se ameaças. Sulu Sou promete não desistir.

No dia em que Ho Iat Seng foi confirmado Chefe do Executivo, a 25 de agosto, era suposto saber-se o resultado de uma votação sobre o sufrágio universal para a eleição do líder do Governo, realizada pela Associação Novo Macau (ANM). A sondagem começou no dia 11 de agosto e foi interrompida a 23, dois dias antes do prazo definido. Na altura, a associação pró-democracia não quis dar explicações e limitou-se a publicar um comunicado no Facebook que justificava a decisão com “anomalias” no site. Os líderes do grupo, entre os quais o deputado Sulu Sou, rejeitaram repetidamente prestar declarações à comunicação social nos dias seguintes. Só na segunda-feira publicaram os resultados da votação e deram explicações (Ver caixas). “A 22 de agosto, recebemos um novo aviso: se não parássemos a votação, a segurança da Novo Macau estaria em risco. Além disso, a mensagem política também nos avisava de que os resultados da sondagem não deviam ser publicados antes de ou no domingo (dia das eleições para o Chefe do Executivo)”, conta ao PLATAFORMA o vice- -presidente da associação, Sulu Sou. “Em prol da segurança de todos, só nos restava terminar a votação mais cedo”.

Em resposta à pergunta de quem lhes tinha feito o aviso, o deputado responde: “Um dos principais membros da Novo Macau”. E frisa: “Não vamos divulgar a identidade desta pessoa”. Ao jornal, Sulu conta que, especialmente na semana passada, o pessoal da linha da frente da associação e os voluntários que participaram na iniciativa foram alvos de muita pressão. “Entendo que quando recebemos ameaças técnicas e políticas, é difícil tomar uma decisão. Mas não podemos permitir que a nossa equipa e voluntários corram perigo. Acredito que os nossos apoiantes vão entender”, afirma.

O deputado eleito pela via direta recorda que desde 14 de agosto – após quatro dias de votação – começou a haver ataques informáticos ao site, “sobretudo do Continente”, e, mais tarde, “ameaças políticas”. “Pessoas desconhecidas rodeavam-nos nas ruas, insultaram-nos e atacaram as estações onde promovíamos a sondagem”, descreve. Questionado sobre como pode estar seguro de que os ataques tinham origem no Continente, Sulu sublinha: “Só podemos assegurar que os ataques cibernéticos, e não os outros ataques ou ameaças, eram maioritariamente do Continente por causa do IP”.

Sobre o seu silêncio e da Novo Macau desde sexta-feira, dia 23 de agosto, quando anunciaram a suspensão prematura da sondagem, Sulu explica que não teve outra hipótese. “A organização é composta por dezenas de pessoas e não apenas por mim. Tenho de respeitar as discussões internas e as decisões do grupo. Não poderia falar sem haver uma decisão conjunta. Espero que entenda”, clarifica.

Em 2014, teve lugar um referendo civil sobre o sufrágio universal. Na altura, Jason Chao, Scott Chiang e outros três voluntários que o promoviam foram detidos em duas ações distintas levadas a cabo pela Polícia de Segurança Pública e pela Polícia Judiciária, suspeitos do crime de desobediência qualificada. As queixas tinham sido apresentadas pelo Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais, que dizia ter avisado os grupos organizadores de “que não podiam tratar os dados pessoais para a finalidade de ‘referendo civil’, caso contrário, poderiam estar a violar a Lei da Protecção de Dados Pessoais”. Ainda assim, o referendo foi realizado. Confrontado com a decisão da Novo Macau na altura e hoje, Sulu Sou limita-se a dizer: “Nos últimos cinco anos, o ambiente político tornou-se mais tenso e a pressão política ainda maior”.

Em choque

Jason Chao, responsável pela tecnologia por detrás do site da votação, acredita que a decisão da Novo Macau pode estar relacionada com o clima de tensão que se vive em Hong Kong. “Não posso rejeitar essa possibilidade”, responde ao PLATAFORMA.

E garante que não foi informado sobre as alegadas “anomalias” antes da Novo Macau decidir suspender a sondagem. “Foi por isso que fiquei chocado”, assume. “Não consigo pensar num problema técnico que impossibilitasse a associação de comunicar comigo, a pessoa que impediu que o site fosse alvo de ataques nos últimos dias”, salienta o antigo membro da Novo Macau, que em 2014 foi um dos protagonistas do referendo civil sobre a reforma eleitoral. Jason Chao – então líder de duas das três associações organizadoras do referendo (Sociedade Aberta de Macau e Consciência de Macau) esteve na dianteira da iniciativa considerada ilegal pelo Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais, então dirigido pela atual secretária Sónia Chan. Acabou detido sob acusação de desobediência por se ter recusado a dar os dados pessoais dos votantes às autoridades.

À pergunta sobre se acha que houve alguma ameaça, o antigo presidente da associação (2010-2014) diz que os líderes da Novo Macau se esquivaram quando os questionou sobre os motivos da decisão. “Na chamada por telefone, senti que estavam ansiosos”, lança. Em resposta ao PLATAFORMA sobre porque não entrou em contacto com Jason Chao por causa das “anomalias” que a Novo Macau alegou inicialmente estarem na origem da suspensão da sondagem, Sulu Sou afirma: “Estivemos em contacto com o Jason e o que disse sobre as questões técnicas são factos. Até à noite de 24, não encontrámos qualquer anomalia que impedisse o site de funcionar”.

Jason Chao, em Londres desde 2017, garante ao PLATAFORMA que “tecnicamente falando”, o encerramento prematuro da votação não impediria que os resultados fossem divulgados logo. “Há bons motivos para especular que se quis evitar a colisão com o dia das eleições para o Chefe do Executivo por alguma razão política. Mas não tenho provas”, frisa.

Minutos antes da “suspensão abrupta”, Chao assegura ter acedido ao site 2019.newmacau.org – no qual era pedido o número de telefone de Macau para se votar – e garante não ter encontrado nada de “anormal”. “Este episódio vai minar inevitavelmente a confiança pública nas iniciativas de votação civis. As consequências dos danos causados à sociedade civil vão sentir-se por muito tempo”, antecipa ao PLATAFORMA, depois de já ter referido o mesmo numa publicação do Facebook no domingo.

Osso duro de roer

Scott Chiang, antigo líder da Novo Macau, diz que, com base no comunicado, parece que o organismo decidiu que “não entrar em detalhes”. “Só resta às pessoas acreditar na sua palavra”, refere em declarações ao PLATAFORMA. Ainda assim, acrescenta: “Os participantes e apoiantes querem saber o que aconteceu, especialmente no que concerne à segurança”.

Antes do comunicado da Novo Macau ser enviado às redações, e em entrevista ao jornal, o ativista salientava que “era óbvio que alguma coisa tinha corrido mal”. Mas ressalvava: “Não há motivos para pensar que a Novo Macau está a ceder a ameaças ou com medo”. “Isso seria inimaginável”, afirma Scott Chiang, que entretanto se retirou da associação depois de mais de uma década como membro. “Prefiro acreditar que tomou uma decisão informada. Como o Jason [Chao] referiu, a decisão tem impacto na credibilidade de iniciativas similares. Portanto, tem de haver um motivo forte para não cumprir o que estava estipulado.” Chiang, que foi presidente do grupo de 2015 a 2017, realça que a “pressão” é algo que a Novo Macau conhece “desde o primeiro dia”. “Não é a primeira vez que este tipo de coisas acontece. Não posso adivinhar o que foi diferente desta vez, mas de certeza que se passou alguma coisa relevante”, analisa o ativista que, em 2014, foi um dos mentores do referendo civil sobre o sufrágio universal para as eleições do Chefe do Executivo para 2019, organizado pela Consciência de Macau, Juventude Dinâmica e Sociedade Aberta. Na altura era membro da Consciência de Macau e vice-presidente da Associação Novo Macau.

Sem estabelecer uma ligação, Scott Chiang refere que a situação em Hong Kong – em protesto há três meses e meio – tem tido impacto em Macau. “Tem sido muito tenso em Hong Kong. Imagino que acabe por ter consequências também aqui. Provavelmente naqueles que podem conter a oposição”, realça. Mas isso, acredita, não seria suficiente para deter os democratas. “Pelo menos, os democratas que eu conheço. O número de votantes nesta sondagem foi semelhante ao de outras. Não vejo as pessoas assustadas pelo ambiente dos últimos tempos”, salienta.

Chiang recorda que a sondagem não pedia aos participantes que votassem contra ou a favor de um candidato, e que só questionava a população se queria que o líder do Governo fosse eleito por sufrágio universal. “O que deveria tornar as eleições para o Chefe do Executivo deste ano mais aceitável, não menos”, defende. Sobre os tempos que se vivem em Macau, o ativista aponta que algumas pessoas tendem a confundir segurança pública com abuso de poder, e que há uma tendência para exagerar ameaças ou fabricá-las quando não existem. “É triste que pareça que a maioria não vê ou não se preocupa com a erosão de direitos”, lamenta. O PLATAFORMA procurou falar com a presidente da Novo Macau, Kam Sut Leng, que não respondeu, e com o deputado e antigo membro Ng Kuok Cheong, que disse não ter informação “credível” para comentar o assunto por agora.

Maioria a favor

Quase 94 por cento respondeu “sim” à pergunta “Concorda que o Chefe do Executivo de Macau deve ser eleito através de sufrágio universal?”, na sondagem levada a cabo pela Associação Novo Macau. De acordo com o comunicado do organismo, dos 5,698 participantes 5,351 votaram a favor (93,9 por cento), 236 contra (4,1 por cento), 111 abstiveram-se (dois por cento). Ao PLATAFORMA, o vice-presidente da Novo Macau diz que neste momento é difícil prever se a associação organizará outra sondagem semelhante. “Mas vamos continuar a sensibilizar a população para a importância da democracia e do sufrágio universal, sendo que a mais importante é a relação com as suas vidas, ao mesmo tempo que iremos insistir com o novo Governo para junto do Governo central pedir o reinício de uma reforma política”, promete. Ainda em declarações ao jornal, assegura que o principal grupo pró-democracia não vai desistir da causa democrática. “Em Macau e Hong Kong, o sufrágio universal vai tirar privilégios a algumas pessoas. Põe em causa muitos interesses. Estamos conscientes de que é um objetivo muito difícil”, reconhece. Mas reforça: “Temos de insistir porque todas as questões sociais que não são resolvidas há muito tempo estão relacionadas com o sistema político e a governação”.

Catarina Brites Soares 30.08.2019

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