A árvore e a floresta

por Arsenio Reis

Os tempos de incerteza são assim. Viver a vertigem da História no presente pode dificultar a clarividência. A crise em Hong Kong trouxe o holofote para a pérola financeira vizinha como não acontecia há duas décadas.

Não admira. A cidade aproxima-se do abismo. Perigosamente. Sem freios, nem racionalidade. A espiral de violência em que se encontra mergulhada coloca-a entre o precipício e um beco sem saída. Em Macau, como sempre, a História é diferente.
Existe um genuíno sentimento de pertença à China e um grau assinalável de prosperidade e estabilidade, não obstante as entropias burocrática e as contradições geradas pelo capitalismo de casino que explodiu nos últimos 15 anos. Todavia, a estabilidade de que as autoridades tanto se orgulham nem deve ser estática, nem deve ser alcançada a qualquer preço. Ela conforta as elites e uma parte da sociedade, mas é fundamental manter vivas as válvulas de expressão de descontentamento que o sistema possa compreender de modo a que o modelo seja corrigido.

O Chefe do Executivo eleito, Ho Iat Seng, tem a missão de construir um horizonte para as novas gerações que confira esperança e dê espaço para que a energia dos jovens seja criadora e não destruidora. O recém-eleito líder do Governo – com uma esmagadora maioria no colégio eleitoral só comparável à que Edmund Ho obteve em 2004 – terá um início de mandato marcado pelas nuvens que pairam sobre a região em resultado da “guerra comercial” lançada por Trump contra Pequim e pelo impacto, ainda por dimensionar, da crise de Hong Kong. Tudo isto torna ainda mais exigente a equação de Ho Iat Seng, que, ao longo das últimas duas semanas deixou sinais globalmente positivos, embora tenham rareado compromissos face a medias concretas.

Nota-se na sociedade local a noção da importância de evitar que sejam cometidos erros que fizeram transbordar o copo em Hong Kong. É notória também a ansiedade em evitar o “contágio” oriundo do outro lado do Delta do Rio das Pérolas. O que é perfeitamente compreensível e faz todo o sentido. Essa preocupação não deve, contudo, levar a excessos de zelo nem a atitudes que se arrisquem a fazer minguar direitos fundamentais como sucedeu com o caso da vigília que não chegou a acontecer no Largo do Leal Senado. Há que ter bom senso e evitar confundir a árvore com a floresta.

O último par de anos carregou pacotes legislativos, incidentes e um discurso que levantam fundadas preocupações. Além da letra da lei, há que cultivar o espírito e o primado da lei. O princípio Um País Dois Sistemas, a autonomia e a Lei Básica devem ser regados e valorizados permanentemente. Sem deturpações, nem alarmismos desproporcionais.

José Carlos Matias 30.08.2019

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