OBOR e a Rota Marítima da Seda: Rumo a uma Economia Azul?

por Arsenio Reis

conceito de Economia Azul foi concebido por Gunter Pauli (2010) como uma integração do desenvolvimento da economia oceânica com os princípios de inclusão social, sustentabilidade ambiental e modelos de negócio dinâmicos e inovadores. Atualmente, tal conceito é baseado numa abordagem sistémica, na qual as matérias-primas renováveis e orgânicas são alimentadas em sistemas projetados de forma sustentável para incrementar o “crescimento azul”. Esse “crescimento azul” tem de resolver os problemas de escassez de recursos e da eliminação de resíduos, ao mesmo tempo que cumpre o desenvolvimento sustentável que aumenta o bem-estar humano de uma maneira holística (Sarkar, 2016).

Como refere Gentile (2014, §1): “For years, sustainability has been ‘green’, but following the 2012 Rio+20 United Nations Conference on Sustainable Development, international forums have begun to recognize that sustainable growth is impossible without taking into consideration the marine ecosystems: oceans in fact cover 71% of the Earth’s surface.”

Na verdade, mais de dois terços do nosso planeta estão cobertos por oceanos a que corresponde 97% da água existente no planeta (Rustomjee, 2016) e os mares possibilitam um enorme desenvolvimento económico, sob a forma de corredores de transporte, fontes de petróleo e gás natural e de grandes quantidades de pescado. Os oceanos fornecem igualmente benefícios menos tangíveis que são frequentemente difíceis de quantificar, como a regulação do clima do planeta, absorvendo cerca de 90% do calor contido na espessa camada atmosférica de poluição por carbono e produzem mais da metade do oxigénio que respiramos. 

Nas regiões costeiras, os recifes de corais saudáveis e outros ecossistemas das zonas húmidas protegem as comunidades de tempestades e cheias, absorvem grandes quantidades de carbono e filtram outros tipos de poluição produzida em terra.

A Economia Azul representa uma forma relativamente nova de descrever o desenvolvimento económico oceânico que começou a emergir, primeiro entre muitas nações insulares, incluindo pequenos países em desenvolvimento como a República das Seychelles, bem como o gigante arquipélago da Indonésia, o quarto país mais populoso do mundo. 

Algumas das maiores e mais poderosas nações, incluindo a China e os Estados Unidos, começaram a recorrer cada vez mais ao conceito da Economia Azul para promover o desenvolvimento dos seus amplos recursos oceânicos e costeiros. Orientar o foco para Economia Azul poderá, em última análise, trazer dividendos para todos os países, designadamente em matéria de segurança ambiental e prevenção de catástrofes naturais, ao permitir que o crescimento económico floresça em paralelo com a sustentabilidade ambiental.

A Economia Azul na China 

A China tem cerca de 18 mil quilómetros de costa, dos quais a quase totalidade vai da fronteira norte-coreana a norte até à fronteira vietnamita no sul. Também inclui o litoral de várias ilhas. O interesse do governo chinês no conceito de Economia Azul data do 11º Plano Quinquenal, o plano estratégico de desenvolvimento económico de Pequim, que abrangeu os anos de 2006 a 2010 e que incluiu um conjunto de dados específicos que cobriam a economia marinha.

No entanto, convém esclarecer que o termo “Economia Azul” não significou necessariamente a mesma coisa na conceção chinesa e na conceção ocidental até 2017. Em vez de se referir a um novo modelo de uso de recursos marinhos que enfatizasse a sustentabilidade ambiental, o conceito chinês significava o desenvolvimento integrado de recursos costeiros e marinhos como parte de um plano estratégico de desenvolvimento económico nacional. Este papel estava articulado no Plano Nacional de Desenvolvimento Industrial Marítimo de 2008, que proclama que “a indústria naval deve ocupar uma posição estratégica muito importante” na “modernização socialista” da China (Conathan & Moore, 2015: 5). Nesta definição ampla, a Economia Azul da China estaria voltada para uma expansão significativa e pronta para desempenhar um papel importante no crescimento económico do país nos próximos anos.

Com a China e outros países a investir fortemente na sustentabilidade das indústrias oceânicas e de pesquisa científica marítima, há amplas oportunidades para essas nações compartilharem as suas descobertas e as suas boas práticas com a comunidade internacional. A China, tal como os Estados Unidos e outros países, começam a aproveitar as economias de escala e a acelerar o crescimento da sustentabilidade e a compreensão do valor dos recursos naturais marítimos. Uma área em que a cooperação bilateral existe e tem sido altamente eficaz é a parceria entre a Guarda Costeira dos EUA e suas contrapartes chinesas de fiscalização da pesca. Através desse programa, membros do Comando de Execução da Lei de Pesca da China estão presentes em navios da Guarda Costeira dos EUA que operam no Oceano Pacífico para ajudar na luta contra atividades de pesca ilegais, não declaradas e não regulamentadas em águas internacionais.

Os SIDS (Small Island Developing States), ou seja, o grupo de países insulares que compartilha desafios similares de desenvolvimento sustentável, incluindo populações pequenas 水 recursos limitados são um caso paradigmático de economia azul que colocam o ambiente no centro das suas economias. Por tal facto, os SIDS estão na vanguarda da economia verde/azul porque são economias de recursos naturais. Estes pequenos estados insulares estão na linha da frente da mudança climática, com a sua segurança ameaçada pelos impactos do clima na segurança alimentar, na pesca, nas inundações e nas secas, nos desastres climáticos, na acidificação dos oceanos e na migração populacional. 

Em 25 de Setembro de 2015, a Assembleia Geral das Nações adoptou a Agenda 2030 para um Desenvolvimento Sustentável (UN, 2015), em que fixa 17 Objetivos para o desenvolvimento sustentável, que considera “an ambitious and universal agenda to transform our world” (UN, 2015: 6). Os 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (Sustainable Development Goals – SDGs) baseiam-se numa economia verde também aplicável aos SIDS e às comunidades litorais, dos quais fazem parte países de língua oficial portuguesa como Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

Estes 17 objetivos apresentam uma abordagem integrada, enfatizando as questões da Educação Ambiental (Objetivo 4), Energia (Objetivo 7), Alterações Climáticas (Objectivo 13), Oceanos (Objetivo14). Encara-se assim o ambiente marinho como fonte de alimento e meio de subsistência, turismo, energia renovável, hidrocarbonetos e recursos minerais, meio de comércio através da navegação e traçam-se recomendações em matéria de financiamento, integração de políticas, melhoria dos mecanismos de governação no alto mar, avaliação da investigação e partilha de dados e cooperação, incluindo a sociedade civil numa abordagem ecossistémica integrada, com uma permanente avaliação do capital azul.

Em Maio de 2017, pela primeira vez depois do anúncio público em 2013 da iniciativa Uma Faixa Uma Rota (OBOR), a China’s National Development and Reform Commission e a State Oceanic Administration publicitaram um documento denominado “Vision for Maritime Cooperation under the Belt and Road Initiative”, defendendo o Espírito da Rota da Seda -”paz e cooperação, abertura e inclusão, aprendizagem mútua e benefício 

mútuo” e prometendo exercer esforços para implementar a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável no plano das costas marítimas e dos oceanos. 

A China, segundo o documento, estará disposta a trabalhar de perto com os países com quem vai interagir na Rota Marítima da Seda, a envolver-se na cooperação marítima multidimensional e a construir plataformas de cooperação abertas e inclusivas, estabelecendo uma Parceria Azul construtiva e pragmática para forjar um “motor azul” para o desenvolvimento sustentável.

Esta declaração de princípios pode significar afinal uma mudança de paradigma de desenvolvimento económico da China que, como enunciado antes, até 2017 possuía uma perspetiva de desenvolvimento terrestre, na qual o oceano era visto como uma extensão da terra e em que o espírito de conservação era a última prioridade (Merighi, 2017). Esta mentalidade milenar da China tinha sido já rejeitada em 2015 no “Defence White Paper on ‘China’s Military Strategy’” que afirmava: “The traditional mentality that land outweighs sea must be abandoned, and great importance has to be attached to managing the seas and oceans and protecting maritime rights and interests”.

A Iniciativa OBOR e concretamente a Nova Rota Marítima da Seda do Século XXI (RMS) poderá ser, porventura, uma janela de oportunidade para o desenvolvimento sustentável de uma parte significativa do planeta e com os países que irão interagir no âmbito da RMS. Mas também parece legítimo o alerta da analista política da OCDE, Dulika Rathnayake (2017), no seu sugestivo artigo “Making Sure the Blue Economy is Green” pois, como a história do ser humano demonstra, não há nações nem povos inocentes e nem sempre a economia é uma “ciência moral” (parafraseando a expressão de Amartya Sen), nem uma equilibrada gestão dos recursos escassos do planeta ao serviços de todos os cidadãos, “livre de ideas abstratas e horrores concretos” (Sen, 2003: 44), independentemente do país, da região, da ideologia política, da etnia ou da confissão religiosa.

Rui Rocha* 30.11.2018

Plataforma Macau

 

* Investigador

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