A ameaça da dívida pública

por Arsenio Reis

A dívida da China quase duplicou, desde 2008, devido a um modelo económico assente na construção e investimento. O modelo, que ilustra a obsessão de Pequim em assegurar altas taxas de crescimento, tornou-se numa ameaça à estabilidade financeira do país.

Segundo a agência de informação financeira Bloomberg, entre 2008 e o final do ano passado, o valor somado das dívidas privada e pública do país aumentou de 162 por cento para 266 por cento do Produto Interno Bruto (PIB), para 34 biliões de dólares norte-americanos.

“Desde a crise financeira global [2008], a China criou 63 por cento do novo dinheiro no mundo” ou “mais do que os Estados Unidos, Europa e Japão juntos”, descreve Dinny McMahon, autor do livro “China Great Wall of Debt” (“A Grande Muralha de Dívida da China”).

Durante grande parte desse período, o dinheiro foi criado através da abertura de linhas de crédito por bancos comerciais, detalha McMahon, numa conferência organizada pela Câmara do Comércio da União Europeia em Pequim.

“Para os pessimistas, a dívida chinesa é uma bomba prestes a abalar a economia mundial”, escreve a revista The Economist. “Otimistas consideram tratar-se de um número controlável e parte do ‘boom’ económico que converteu a China na segunda maior economia do mundo – a quota do país no PIB global passou de seis por cento para quase 16 por cento, na última década”, acrescenta. A publicação refere ainda que, à medida que a economia cresce e cria inflação, a pressão do reembolso das dívidas poderá diminuir, enquanto as altas taxas de poupança das famílias chinesas e o superavit do país mantêm robustez financeira.

Nos últimos dez anos, quando as economias desenvolvidas estagnaram, o país asiático construiu a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo, mais de oitenta aeroportos e dezenas de cidades de raiz, alargando a classe média chinesa em centenas de milhões de pessoas.

A dívida direta do Governo central continua a ser modesta: cerca de 40 por cento do PIB. O problema recai sobretudo sobre os governos locais e firmas estatais, com a injeção de crédito barato na economia a gerar desperdício e um declínio na produtividade.

Várias indústrias chinesas, desde painéis solares ao aço e cimento, debatem-se hoje com excesso de capacidade de produção, enquanto dezenas de cidades “fantasma” espalhadas pelo país – condomínios, torres de escritórios, centros administrativos, edifícios governamentais, teatros ou complexos desportivos totalmente abandonados – compõem um dos efeitos mais visíveis do desperdício gerado por anos de crescimento assente no investimento.

O próprio primeiro-ministro, Li Keqiang, compara a injeção de crédito barato à “irrigação por inundação”, numa referência à prática agrícola que consiste em encharcar todo o terreno, em vez de regar só as sementes.

Segundo a Bloomberg, cerca de um terço da dívida foi contraída através do sistema financeiro informal, nomeadamente empréstimos fiduciários, produtos de gestão de riqueza ou plataformas P2P (‘peer to peer’), o que permite aos bancos manter aqueles ativos fora do balanço patrimonial, evitando restrições impostas pelos reguladores.

O Fundo Monetário Internacional tem advertido repetidas vezes que a prática constitui um dos maiores riscos para a economia chinesa. 

“A grande dimensão e opacas interligações do sistema financeiro chinês continuam a constituir riscos à estabilidade”, lê-se num relatório recente da organização.

A dependência da China por crédito deve-se sobretudo à obsessão de Pequim em assegurar altas taxas de crescimento económico, consideradas essenciais para assegurar a estabilidade social – preocupação constante do Partido Comunista -, e a ascensão internacional país, defende McMahon.

Alavanca para o crescimento

O crescimento económico é, há várias décadas, de resto, uma das principais fontes de legitimidade do partido único. “No núcleo da questão do endividamento reside a necessidade política de garantir um determinado ritmo de crescimento”, afirma Dinny McMahon, que foi também correspondente em Pequim do Wall Street Journal, entre 2009 e 2015.

“Trata-se da necessidade de assegurar a criação de postos de trabalho (…) mas também de uma questão de rejuvenescimento nacional: a China quer reclamar o papel no mundo a que tem direito e a sua posição natural na ordem global”, descreve.

O problema ganha dimensões maiores entre as autoridades locais, porque a promoção dos quadros depende sobretudo do ritmo de crescimento do PIB das respetivas províncias ou cidades.

“Visto que um presidente da câmara tem um mandato de cinco anos, mas por norma fica apenas três ou quatro, a forma mais fácil de estimular o crescimento económico é contrair dívida para construir”, afirma McMahon.

“Quanto mais dívida contrai, mais constrói, e maior crescimento alcança, mas quando chega a altura de pagar as dívidas contraídas, o responsável já foi promovido”, explica. O autor defende que o que “tem realmente de acontecer” para evitar os riscos “acumulados no sistema financeiro chinês” é mudar “a forma como a economia cresce”, e enaltece a política industrial Made in China 2025, que visa transformar o país numa potência tecnológica, capaz de competir em setores como inteligência artificial, energia renovável, robótica e carros elétricos.

“É uma visão muito clara das autoridades sobre como a economia chinesa se deve parecer: menos dependente da construção, e mais sobre subir na cadeia de valor para indústrias de maior valor agregado”, realça. 

China's National People's Congress - Premier Li Keqiang's Press Conference

Li Keqiang, compara a injeção de crédito barato à “irrigação por inundação”, numa referência à prática agrícola que consiste em encharcar todo o terreno, em vez de regar só as sementes

João Pimenta 30.11.2018

Exclusivo Lusa/Plataforma Macau 

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