Abundância e contradições

por Arsenio Reis

No célebre romance Il Gattopardo (Leopardo) de Tomasi di Lapedusa, Tancredi, príncipe de Falconeri, ao procurar convencer o tio, Don Fabrizio, príncipe de Salina, a mudar de lealdade dos Bourbons para a Casa de Saboia disse: “Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”. O cenário era a Itália do século XIX em processo de unificação. A frase generalizou-se, ganhou vida própria e tem sido aplicada às mais variadas situações de transição, mudança e reequilíbrios na balança dos poderes. 

Os sinais deste tempo em Macau apontam para uma encruzilhada. 2019 emerge como uma marca d’água na cidade com o fim do ciclo do Chefe do Executivo Chui Sai On. Tem sido uma década marcada pela abundância, estabilidade, dores de crescimento, obra inacabada e oportunidades perdidas. Na década anterior, o ímpeto tendencialmente reformista imprimido por Edmund Ho foi estancado no final de 2006 pelo escândalo resultante do caso de corrupção do então Secretário para os Transportes e Obras Públicas Ao Man Long. No seu primeiro mandato, Chui Sai herdou praticamente toda a equipa do antecessor, o que resultou em desgaste e escassez de ideias novas. 

O primeiro ponto de viragem surge em maio de 2014 com a manifestação contra o regime de garantias dos titulares dos principais cargos que levou à rua 15 a 20 mil pessoas. O outro momento que define esta década acontece em agosto de 2017 com o tufão Hato. Ambas as “crises” trouxeram à tona um abalo na perceção da legitimidade e capacidade governativa. Os pilares do sistema aguentaram-se, mas as fragilidades internas aliadas ao novo contexto que se impôs em 2012/2013 com a ascensão do novo líder em Pequim e a situação tensa em Hong Kong resultaram em erosão da autonomia. 

Estando em marcha um reenquadramento da prática do princípio Um País Dois Sistemas – afinada pelo diapasão da integração regional – no próximo ciclo é importante não embarcar em desnecessários e contraproducentes “aceleradores da História”. Por outro lado, convém ter o interesse público e não os jogos de bastidores privados como critério chave para o que terá que mudar e o que deverá permanecer essencialmente inalterado. Caso contrário não há abundância que atenue as contradições.   

José Carlos Matias 23.11.2018

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