“Apetece-me continuar esta segunda vida”

por Arsenio Reis

Texto: Hélder Beja | Fotografia: Eduardo Martins 

É assim que o realizador Ivo M. Ferreira se sente depois da estreia do mais recente filme, “Hotel Império”, no Festival de Cinema de Pingyao, na China continental. Filmar deste e do outro lado do mundo continua a ser “um sonho” que o cineasta português quer perseguir.

E se fosse possível viver uma segunda vida dentro desta a que temos direito? Não exatamente como se pudéssemos ser outra pessoa, mas como se tivéssemos a possibilidade de duas realidades, duas casas, duas cidades, dois contextos sociais? Podia ser o arranque de um argumento para cinema, mas é na verdade o modo como o realizador Ivo M. Ferreira olha para a sua existência neste lado do globo, existência essa que gerou “Hotel Império”, longa-metragem completamente rodada em Macau que acaba de fazer a sua estreia mundial na secção competitiva “Crouching Tigers” do Festival de Cinema de Pingyao. “Era esse o projeto de Macau, de poder filmar de um lado e do outro do mundo. Era esse sonho que tinha e voltei a acreditar nele nestes últimos dias. Não é que haja dois Ivos, não é uma vida dupla mas é uma espécie de segunda vida que pode ser vivida nesta. É assim que eu também vejo o próprio filme e que vi este projeto de filmar deste lado do mundo. Portanto, para mim faz todo o sentido estrear o filme aqui [em Pingyao] e depois fará todo o sentido mostrá-lo em Macau”, diz o cineasta ao PLATAFORMA, ao telefone desde a província de Shanxi.

“Hotel Império” é um filme com co-produção chinesa e deverá vir a ter distribuição no circuito de cinema independente da China continental. Conta com a atriz portuguesa Margarida Vila Nova e com Rhydian Vaughan, um ator taiwanês de ascendência britânica, nos principais papéis, e narra a história de um pequeno hotel familiar na zona do Porto Interior em risco de desaparecer, ameaçado pela especulação imobiliária e pelo crescimento desenfreado da cidade. Marco Müller, diretor artístico do festival lançado no ano passado por si e pelo realizador chinês Jia Zangke, considera o filme “um neo-noir subtropical absorvente e envolvente, no qual a política, o crime e o sexo caminham de mãos dadas pelo caminho da tragédia, como nos velhos tempos do film-noir”. Com uma trama em que há amor, violência, corrupção e submundo, “Hotel Império” consegue ser, para Müller, “um daqueles raros filmes que reforçam os seus temas com um tom insinuante e sustentado”.

“Fechar de um ciclo”

Se Marco Müller aprecia o filme de Ivo M. Ferreira, a escolha do Festival de Cinema de Pingyao para a estreia mundial do filme esteve também ela muito ligada ao antigo diretor artístico do Festival Internacional de Cinema, que abandonou em ruptura com a organização. “O Marco é dos programadores que mais respeito, é exigente e tem uma loucura própria de programador. Tenho por ele uma admiração imensa. O Jia Zangke também é dos realizadores que mais gosto no mundo, por isso, claro que foi decisivo ser um festival criado pelo Jia Zangke e estar muito associado à direção artística do Marco”, aponta o realizador.

Ferreira não esconde a satisfação por finalmente partilhar o filme com o público. “A estreia correu bem. Nestas coisas da estreia, normalmente quem não gosta não diz”, brinca. “O que para mim foi importante foi o fechar de um ciclo. O público em geral pareceu-me bastante satisfeito, há muita gente que faz grandes identificações com Macau, dizendo que era mesmo assim que a imaginava, ao que eu costumo dizer que esta é uma Macau meio inventada. É um filme de género, muito específico e muito local, e não faço ideia de como irá funcionar com as outras pessoas.”

Já com a devida distância, o realizador olha “Hotel Império” como “um filme particularmente duro de fazer”. “Parece um bocado ridículo dizer isto depois de vir do ‘Cartas da Guerra’ e de África, mas foi duro no sentido que foi custoso arrancá-lo, filmar, o próprio tempo de rodagem…”, recorda. “Foi muito bom vê-lo aqui [em Pingyao], finalmente, com o público. Apesar de tudo, a relação que se tem com um filme vai mudando – com todos os filmes, mas com os meus talvez de forma mais evidente porque acabo por vê-los várias vezes. Com o que fiquei muito contente foi com ter este objecto, gostei de ver uma projeção fantástica, com um som fantástico. Este filme foi um risco, a ideia de trabalhar um bocado a ideia do cliché de Macau, daquilo que à partida se pensa de Macau e ver o que é que saía daí. Agora vamos ver como é que vai crescendo, dentro de mim e dentro dos outros.”

Em Portugal, Ivo M. Ferreira acabou recentemente a rodagem da série “Sul”, e prepara-se para começar a escrever a sua próxima longa-metragem, “Projeto Global”, sobre uma célula das Forças Populares 25 de Abril (FP 25). “Estou há dois anos a investigar para o filme que vou agora começar a escrever, com um historiador e entrevistas. Estes projetos demoram sempre bastante tempo”, diz. 

Deste lado do mundo, o realizador mantém a ideia de continuar a filmar. “É bom vir aqui e estar com os meus amigos da indústria. Apetece-me continuar esta segunda vida. Não sei quando, não sei como. Depois de amanhã vou a uma cidade da China falar com uma produtora que disse que gostaria de trabalhar comigo, mas são ainda coisas muito vagas. Há que pôr algumas ideias a andar e ver o que é que fazemos para acontecerem. Depende da nossa vontade, da nossa energia e de algumas coincidências a que não vou chamar sorte.”

“Hotel Império” segue da China continental para a 42.ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que acontece ainda este mês. Outros destinos do circuito internacional do filme serão conhecidos em breve. 

Hélder Beja 26.10.2017

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