A fragilização do sistema partidário

por Arsenio Reis

Com pouco mais de 36 mil quilómetros quadrados e 1,6 milhões de habitantes, a Guiné-Bissau tem 48 partidos políticos legalizados. Uma proliferação que ocorreu ao longo dos 24 anos de multipartidarismo e com o único objetivo de utilizar a política como trampolim de acesso ao poder. 

São grupos que se juntam, sem qualquer ideologia, com a esperança de uma aliança para obter um cargo de ministro ou de conselheiro. A instrumentalização do sistema, por interesses pessoais, ocorreu perante a apatia da sociedade num país sem educação, saúde e infraestruturas.

No quadro político do país, há dois partidos que se destacam. O Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo-Verde (PAIGC), o maior do país, e o Partido da Renovação Social (PRS). 

O PAIGC, vencedor de todas as eleições do país, com exceção das presidenciais de 1999, nunca terminou a sua legislatura. O único presidente eleito, por si apoiado, que deverá chegar ao final de mandato é o atual chefe de Estado, José Mário Vaz.

Na sombra, está o PRS, o partido que apareceu com uma “capa étnica”, e que juntou a segunda maior etnia da Guiné-Bissau, os balantas. Nunca conseguiu vencer eleições, apenas elegeu o antigo líder Kumba Ialá como presidente do país em 1999, mas que não cumpriu a totalidade do mandato, porque foi deposto num golpe de Estado.

Entre golpes de Estado, Governos de consensos, pactos de estabilidade e alianças, ambos têm dominado o poder político e ambos falharam na construção de um país, que é considerado um dos mais pobres do mundo.

A hegemonia do PAIGC é explicada com a luta contra o domínio português e pela independência. “Até hoje o guineense não consegue desatar do processo de independência e muitos acham que ainda devem muito ao PAIGC, por ser o partido que trouxe a independência, sobretudo, as pessoas mais idosas”, explicou o politólogo guineense Rui Jorge Semedo.

Apesar das crises internas, de dissidências, o PAIGC continuou, até às últimas eleições legislativas e presidenciais, realizadas em 2014, a ser o partido dominante.

Mas a democracia “não é um elemento político da existência de eleições, e um dos seus pressupostos é a criação de condições básicas para a construção do bem-estar social”, salientou o politólogo.

E nisso ambos falharam, a pobreza tornou-se cada vez maior na Guiné-Bissau e levou à proliferação de partidos políticos. “Portanto, cada um passou a criar o seu partido, não com a pretensão de chegar ao poder ou conquistar assentos no parlamento, mas com o objetivo de criar alianças com partidos mais bem posicionados para conseguirem algum cargo como assessor, conselheiro, diretor-geral ou ministro”, explicou Rui Jorge Semedo.

A pobreza e a luta pelo poder acabaram por contribuir para a fragilização do sistema partidário do país, que está em formação. Para Semedo “não se vê nenhum princípio ideológico muito claro e definido”.

“Por outro lado, faltou algo à sociedade que puxa mais por questões pessoais, identitárias, sobretudo religiosas ou culturais, do que na verdade por aquilo que é o objetivo nacional, que é a construção do bem-estar, promoção de uma boa educação, saúde de qualidade, investir nas infraestruturas e segurança”, acrescentou.

O falhanço na construção democrática, salientou, levou a que todos “achem que podem ser diretores-gerais, ministros, presidentes de um partido, criar uma organização não-governamental, ser chefe de Estado-Maior”. “Estamos a viver um período de ‘eu posso’. É uma banalização total da política e da responsabilidade pública que estamos neste momento a vivenciar”, lamentou.

Para Rui Jorge Semedo, não existe um sistema partidário na Guiné-Bissau, porque todos são movidos por questões financeiras.

Interesses pessoais

“É uma corrida à posse de bens materiais ou financeiros. Quando se vê os líderes a ter esses comportamentos, os outros também são levados e isso hoje atinge todas as esferas da vida pública nacional e até da esfera privada. A corrupção é uma coisa alarmante”, alertou o politólogo.

A política não está a conseguir fazer o seu papel e na opinião de Rui Jorge Semedo o problema não são as leis do país, mas as pessoas que “conseguiram sequestrar o Estado e o utilizam para defender os seus interesses pessoais e não o bem comum”.

“Essa banalização da política, das instituições públicas, levou-nos a afundar ainda mais a nossa condição humana, porque o nível de acesso ao bem-estar na Guiné-Bissau é uma coisa terrível”, afirmou.

Mas a situação pode piorar. “A Guiné-Bissau está a sofrer uma colonização económica”, principalmente por libaneses, senegaleses e guineenses de Conacri. “É uma coisa muito perigosa para a consolidação do próprio sistema partidário porque aquelas pessoas dominam a economia nacional, e obviamente têm condições de influenciar a política e colocar no poder alguém que acham que vai atender aos seus propósitos financeiros.”

Para Rui Jorge Semedo é urgente investir na educação e formar “pessoas com sentido crítico, que vão pensar o país e renunciar, sobretudo, a comportamentos como a corrupção”.

“Dizem que estão a governar, porque sabem que colocaram a sociedade num nível de ignorância e a sociedade não sabe o que é viver bem”, afirmou. 

A Guiné-Bissau, um dos países mais pobres do mundo, tem eleições legislativas previstas para 18 de novembro, mas atrasos no processo eleitoral, principalmente no recenseamento eleitoral, têm provocado polémica entre os partidos sem assento parlamentar e a sociedade civil e um ambiente de desconfiança entre os vários atores envolvidos na organização das eleições.

Com a possibilidade de virem a ser adiadas, as próximas legislativas vão determinar a hegemonia do PAIGC no país ou mostrar que os guineenses conseguiram “desatar o processo da independência” e dar o seu voto a outros partidos, independentemente da ideologia política e da estratégia de desenvolvimento para o país. 

‭ ‬Isabel Marisa Serafim 19.10.2018

Exclusivo Lusa/Plataforma Macau

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