Minimizar o papel russo e fazer da China bode expiatório

por Arsenio Reis

Embora Mike Pence, vice-presidente dos Estados Unidos, tenha lançado ataques à China na semana passada em Washington, a imprensa americana está cética em relação às suas críticas. A 5 de outubro, dia a seguir ao discurso de Pence, o Jornal “Washington Post” publicou um artigo de comentário onde o autor salientava que as acusações do vice-presidente americano em relação à interferência chinesa nas eleições intercalares americanas são infundadas, sendo estas apenas uma forma de minimizar e desviar a atenção da interferência russa nas eleições de 2016. Além disso, o recente discurso precipitado de Trump na Assembleia das Nações Unidas, onde o presidente acusou a China de interferência nas eleições, deixou Pence mal preparado, tendo todo o conteúdo do discurso referido apenas informações já públicas. Trump tem ao longo dos últimos dois anos tentado ativamente trivializar o envolvimento da Rússia nas eleições americanas de 2016, tendo, porém, muitas vezes resultados opostos. Para sorte, aqueles que trabalham a seu lado são um pouco mais espertos, medindo cuidadosamente as palavras e mencionando apenas parte dos factos para influenciar a opinião pública, fazendo-os acreditar que o que se passou “não foi nada de grave”. Pence foi um dos vários membros do governo que participaram nesta tentativa de minimizar a influência russa.

Durante o discurso sobre a China referiu que Pequim queria mudar o presidente americano, e chegou mesmo a afirmar: “Segundo o que um membro sénior dos serviços de inteligência me disse recentemente, a influência russa não se compara à atual intervenção chinesa por todo o país e o povo americano merece sabê-lo”. O problema é que o governo de Trump ainda não mostrou provas de que, de facto, a China está a interferir nas eleições, nem sequer citando acusações de entidades de inteligência ou governamentais credíveis. Quando questionado por um jornalista sobre provas destas acusações, Trump respondeu: “Temos provas e iremos revelá-las, mas não posso dizer mais agora”, adotando a mesma resposta que John R. Bolton. Além da falta de provas, as acusações de Pence parecem também ter sido influenciadas pela falta de preparação do mesmo, não tendo havido durante meses acusações de interferência chinesa nas eleições americanas por parte de oficiais de segurança nacional. Abruptamente, no final do mês passado, Trump decidiu fazer tais afirmações sobre a China na Assembleia das Nações Unidas, e por isso a Casa Branca teve de, apressadamente, preparar o discurso de Pence para apoiar as alegações de Trump, tendo esta falta de preparação sido refletida no próprio discurso. 

Neste discurso, cujo objetivo era corroborar as acusações contra a China, Pence citou fontes públicas chinesas, como por exemplo o facto de o “China Daily” ter publicado um anúncio num jornal no Iowa, e todas as tarifas que têm sido impostas à China, recentemente. Todavia, Pence não chegou a apontar diretamente de que forma a China estará a influenciar as eleições intercalares americanas. Esta posição vem no seguimento da atitude adotada por Trump, que no passado tentou colocar a culpa da interferência nas eleições sobre a China. Pence faz agora lembrar alguns membros superiores da equipa de Trump quando tentavam minimizar o papel da Rússia. Se o governo americano tiver de facto provas de interferência chinesa nas eleições americanas, deve divulgá-las. Caso tal não aconteça, está a provar que Trump e Pence apenas procuram criar tensões e fazer da China um “bode expiatório” para desviar atenção da questão russa.   

David Chan 12.10.2018

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