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Porque é que a China continua a apostar em África

Desde os anos 1970 que a China tem vindo a levar a cabo projetos de ajuda externa em África, gerando grandes relações de amizade e parceria com vários países africanos. Desde 2000, com o crescimento do poder chinês e o aumento constante dos seus recursos disponíveis, a China tem vindo a aumentar todos os anos o investimento no continente africano. Durante a edição do Fórum de Cooperação China-África este ano em Pequim, a China anunciou que irá oferecer 60 mil milhões de dólares de apoio financeiro ao continente africano e dar início a cerca de 300 programas de auxílio externo. Na minha opinião, existem três principais razões para este envolvimento chinês no continente africano.
Em primeiro lugar, a sua compreensão da atual situação política internacional. A China acredita que a guerra comercial com os Estados Unidos não irá acalmar num futuro próximo, mas a relação entre os dois países também não irá rapidamente passar da competição para a rivalidade. Esta convicção faz com que o país seja capaz de direcionar cada vez mais recursos para África. Além do mais, para que a sua relevância dentro da comunidade internacional cresça, a China necessita de apoio político por parte do continente africano. Vários países africanos, tal como a China, são países em desenvolvimento, que tendo passado por situações históricas semelhantes partilham uma certa “afinidade”. Sendo assim, em relação ao seu desenvolvimento económico partilham opiniões semelhantes, como por exemplo a não-interferência em assuntos de política interna. Com o lema “A América Primeiro” de Trump em prática, a China necessita cada vez mais do apoio dos seus “irmãos africanos” em assuntos como soberania e comércio. Finalmente, também é economicamente benéfico para a China apoiar o continente africano. Com base no desenvolvimento económico de nações de elevado rendimento como o Reino Unido, os EUA ou o Japão, depois de uma acumulação inicial de capital doméstico, é normal uma expansão além-fronteiras, procurando novos mercados internacionais para bens de base e desta forma acumulando ainda mais capital. Avaliando o país através do seu PIB per capita, a China já é um país de médio rendimento. No entanto, se ficar dependente apenas do seu consumo doméstico, poderá facilmente cair na “ratoeira” do médio rendimento. Após quatro décadas de um rápido crescimento, a escassez de recursos naturais e energéticos tem vindo a tornar-se cada vez mais um obstáculo para o desenvolvimento chinês. A China precisa por isso de matérias-primas e bens industriais africanos para apoiar o seu desenvolvimento económico.
Em segundo lugar, recentemente a China tem propositadamente alterado a sua estratégia de apoio ao continente africano, passando de uma abordagem com base em “empréstimos em troca de petróleo” para uma de “cooperação em capacidade de produção”. Esta evolução indica também indiretamente que a China está a tirar maior partido do potencial de desenvolvimento africano. Segundo algumas opiniões, esta alteração deveu-se à pressão de algumas organizações internacionais e dos media. Eu sou de opinião contrária. Para mim, esta mudança estratégica aconteceu devido ao facto de a primeira fase de desenvolvimento de infraestruturas de grande escala estar quase a chegar ao fim. Por outras palavras, durante quase 20 anos, a China construiu, numa série de países africanos estrategicamente definidos, infraestruturas necessárias para serviços como água, eletricidade, gás, linhas ferroviárias, estradas, aeroportos ou portos, respondendo às necessidades básicas de produção industrial e de transporte de produtos. É preciso também relembrar que se as infraestruturas existentes não servirem o mercado de produção e exportação, dificilmente será criada uma riqueza significativa a curto prazo. Quando os chineses falam sobre a sua experiência de desenvolvimento, costumam dizer: “para enriquecer, primeiro é preciso construir caminho”. Mas então, o que fazer depois deste caminho estar construído? Os chineses compreendem que sem uma ligação industrial, um caminho é apenas isso, não é uma fonte de riqueza. Com base nesta lógica, a estratégia de apoio a África irá também sofrer alterações, o continente africano será incentivado a desenvolver o seu próprio sistema industrial através da expansão da sua importação de produtos fora da categoria de recursos e a modernizar a sua tecnologia industrial através de cooperação de capacidade de produção, desta forma largando o modelo de desenvolvimento dependente de recursos naturais, e fazendo com que o seu lugar na cadeia de valor global suba. Desenvolvimento industrial irá também criar em África novas áreas de crescimento económico, aliviando problemas financeiros a nível nacional causados pelo endividamento.

Em terceiro lugar, algumas particularidades chinesas fazem do país um parceiro indispensável para África. Primeiramente, a principal diferença entre as políticas de ajuda externa chinesas e ocidentais é que as primeiras não exigem qualquer compromisso político. Nações ou organizações ocidentais, antes de oferecerem ajuda a qualquer país, exigem ao país beneficiário que implemente certas reformas políticas e económicas, seguindo uma direção ou padrão de desenvolvimento já predeterminado. A China, pelo contrário, ao não fazer exigências políticas, possibilita que os beneficiários ganhem uma maior autonomia e força de desenvolvimento endógena. Seguidamente, a China tem também capacidade de assistir o continente no seu desenvolvimento, visto que atualmente o país possui capital e capacidade excedentária. O capital poderá ser exportado e alargado, para ser multiplicado, e a capacidade excedentária é necessária para a exportação. A China possui também uma capacidade industrial sofisticada e técnicos experientes. Estes três fatores, capital, capacidade de produção e tecnologia, são indispensáveis para o desenvolvimento do continente africano. Por último, o particular sistema económico chinês dá ao seu governo a capacidade de direcionar capital para África, onde os custos de investimento são altos e o retorno demorado. O capital ocidental muito raramente segue ordens governamentais para impulsionar o desenvolvimento africano. 

Por detrás desta generosidade para com o continente africano, a China não possui motivos políticos de lucro económico a curto prazo através de pequenos projetos de construção. Desde a primeira sessão do Fórum de Cooperação China-África, a China vê no continente africano um importante parceiro estratégico, e por isso contínua a estimular o mercado africano e as suas economias locais. Também por este mesmo motivo, quaisquer que sejam as mudanças que ocorram a nível internacional, a China irá sempre direcionar os seus recursos para o continente africano. 

Tian Xintong* 05.10.2018

Plataforma Macau

* Estudante no Curso de Formação Avançada “A China e os Países de Língua Portuguesa na Economia Mundial: Comércio, Turismo, Cooperação e Desenvolvimento” e aluno do mestrado de Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

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