“Pequim será bem sucedida na eliminação da Igreja clandestina”

por Arsenio Reis

É o rosto mais visível da contestação ao acordo entre a Santa Sé e Pequim anunciado no sábado. Crítico do Governo Central, Joseph Zen, cardeal e bispo emérito de Hong Kong, teme pela fé e pelo futuro de milhares de católicos “clandestinos” no Continente.

– Como é que este acordo foi recebido pelos católicos chineses, sobretudo pelos clandestinos?
– Pelos testemunhos que nos chegam do Continente sabemos que há muita preocupação e muita tristeza no seio da Igreja clandestina. Eles têm medo de que este acordo possa ser para eles uma traição. Temo que quando o acordo entre em vigor ou se torne conhecido o seu conteúdo, os católicos clandestinos possam ser aconselhados a sair da clandestinidade e eles talvez obedeçam. Não ficaria surpreendido, tamanho é o respeito que a figura do Papa lhes inspira.
– A Santa Sé sustenta que o acordo permite unificar a Igreja Católica na China. Com que preço?
– Os que estão a favor do acordo reconhecem que a Igreja se vai manter numa gaiola quando o acordo entrar em vigor. O problema é que os católicos clandestinos vão ser empurrados para dentro da gaiola, até porque neste momento estão fora dela. Essa é a grande tragédia deste acordo. Há 30 bispos clandestinos e não foi dita uma única palavra sobre estes bispos. O que me parece é que, na lógica do acordo, eles serão forçados a escolher: ou juntam-se à Associação Patriótica ou reformam-se. Isso é terrível. O Governo será bem sucedido na eliminação da Igreja clandestina com a ajuda do Vaticano.
– O Papa Francisco já reconheceu que os católicos clandestinos vão sofrer. Como entende este pedido? É um convite ao sacrifício?
– Os católicos clandestinos sempre sofreram privações, mas sofriam de boa vontade. Agora, o sofrimento de que o Papa fala é diferente: é um sofrimento que lhes é imposto pela fé. Eles temem que a Santa Sé os esteja a trair e a trair a sua fé. Trata-se de sofrimento espiritual e é causado pelo Vaticano. Espero que os católicos clandestinos possam aceitar este novo sofrimento, mas desejo também que o Santo Padre possa perceber que este novo sofrimento não é causado pelo Partido Comunista. É causado pelo acordo.
– Que significado poderá ter o acordo para Taiwan?
– Toda a gente sabe que a Santa Sé, que o Vaticano está preparado para abandonar Taiwan. Que razões evoca a Santa Sé? Como é que justifica a mudança? O Vaticano diz que tem de zelar pelos seus fiéis e se não tiver relações com o Governo chinês não terá forma de zelar por tantos fiéis. A Santa Sé alega ainda que mesmo que não tenha relações diplomáticas com Taiwan, não haverá problema porque Taiwan não vai perseguir a Igreja. Mais tarde ou mais cedo, vamos assistir a mudanças, parece-me.
– E para os católicos de Hong Kong e de Macau? Que significado pode ter este acordo?
– Estou certo que este acordo entre o Vaticano e a China teoricamente não nos vai afectar, mas se a Lei Básica pode ser negligenciada, o Governo Central pode fazer tudo, até mudar a Lei. Eles referem-se a isso como uma reinterpretação, mas estão factualmente a mudar a Lei.

Marco Carvalho 28.09.2018
Em Hong Kong

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