Negociações com Senegal para partilha de petróleo e gás quase em segredo

por Arsenio Reis

A Guiné-Bissau e o Senegal estão em negociações sobre a partilha do petróleo e do gás que existe numa zona marítima comum aos dois países. Mas, até agora, o segredo é a alma do negócio.

Os dois países assinaram em 1993 um Acordo de Gestão e Cooperação para exploração conjunta de uma área de 25 mil quilómetros quadrados da plataforma continental.A Zona de Exploração Conjunta (ZEC) é rica em recursos piscatórios, cuja exploração determina 50 por cento para cada um dos Estados, e ainda em hidrocarbonetos (petróleo e gás), tendo ficado definida uma partilha de 85 por cento para os senegaleses e de 15 por cento para os guineenses.

Inconformado com esta partilha, já que a Guiné-Bissau dispensou 46 por cento do seu território marítimo para a ZEC e o Senegal 54 por cento, sete meses depois de ter sido eleito em 2014, o Presidente guineense, José Mário Vaz, denunciou o acordo e recomeçaram as negociações.
Até agora, muito pouco se sabe sobre a forma como estão a decorrer as conversas e José Mário Vaz também não gosta de falar muito.
“É um assunto um pouco delicado”, disse, recentemente, na primeira entrevista que deu em quatro anos e sem querer avançar mais detalhes.

De três rondas negociais, apenas uma foi do conhecimento público

Desde que o acordo foi denunciado pela Guiné-Bissau já foram realizadas três rondas negociais, mas apenas uma foi tornada pública. Decorreu no início de agosto, em Dacar.
Apolinário de Carvalho, embaixador da Guiné-Bissau em Bruxelas, liderou a delegação guineense, composta por elementos de várias instituições.
Após o seu regresso de Dacar, o embaixador disse que as negociações “correram bem” e que a parte guineense fez ver à parte senegalesa que é preciso corrigir um “erro histórico”, na partilha dos hidrocarbonetos.
“Queremos um novo acordo que reflita os interesses dos dois países”, disse Apolinário de Carvalho, salientando que a Guiné-Bissau “está hoje mais bem preparada” para defender o seu ponto de vista de que no passado.
A questão da partilha dos recursos da ZEC já foi debatida nos anos 80 e 90 do século passado num tribunal ‘ad hoc’ e no Tribunal Internacional de Haia.
Quanto às propostas apresentadas, as autoridades guineenses permanecem vagas, sem explicar em concreto o que estão a defender, apenas salientando que o novo acordo não pode ficar igual ao atual.
Uma quarta ronda ficou marcada para os dias 27,28 e 29 de agosto em Bissau, mas não se realizou e uma vez mais as autoridades optaram pela discrição. Naquele encontro deveria ter sido concluído o projeto de revisão do acordo. Fontes do governo guineenses explicaram que o Senegal pediu uma nova data, que ainda não foi anunciada.

Sociedade civil atenta exige ser ouvida

São ambientalistas, académicos, ativistas sociais, militares e fazem parte de um grupo que quer ver a Guiné-Bissau a ter uma abordagem “mais convincente” nas negociações com o Senegal.
Para eles, o petróleo que está a ser negociado é da Guiné-Bissau, tendo em conta dados novos sobre o traçado da fronteira.
“Os dados dizem-nos que o petróleo é nosso”, disse “Huco” Monteiro, antigo chefe da diplomacia guineense, mas sem querer que a questão levante sentimentos de nacionalismos extremos nos dois lados.
O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros pretende ver os guineenses “todos unidos”, para se constituírem “numa força de pressão para que as autoridades possam ter uma posição mais robusta” nas negociações com o Senegal sobre a nova partilha.
Mas há quem vá mais longe: O almirante Zamora Induta, antigo chefe das Forças Armadas da Guiné-Bissau, defende que antes de se falar em partilha dos lucros do petróleo, a Guiné-Bissau devia obrigar o Senegal a redefinir o traçado da fronteira marítima entre os dois países.
Só assim, segundo o almirante, se vai provar que a zona em questão pertence por “inteiro à Guiné-Bissau”.
Para o militar, a “questão prévia reside nos azimutes errados” que têm sido apresentados para evocar a fronteira marítima entre os dois países.
Segundo Zamora Induta, a Guiné-Bissau “pode hoje, perfeitamente”, provar que a linha da fronteira marítima com o Senegal “foi mal traçada”. Isso, prosseguiu, motivou que se chegasse aos azimutes 268 a 220, onde se constituiu, “erradamente, a zona de exploração conjunta”.
“Primeiro é preciso ver onde é que começa o espaço de cada um, a fronteira, e só depois ver se vale a pena ou não entrar numa sociedade”, declarou o militar.
Se se começar pela questão de revisão do azimute 240, cai por terra a questão dos azimutes 220-268, logo não haverá necessidade de se ter uma zona conjunta de exploração com o Senegal, precisou Zamora Induta.
Mais radical, o Movimento dos Cidadãos Inconformados da Guiné-Bissau, constituído por jovens, exigiu já a retirada imediata do Senegal da zona.
Para aquele movimento, recentemente impedido pelo Ministério do Interior de se manifestar contra as negociações, perante os dados apresentados por vários setores guineenses, as autoridades “deviam, simplesmente, exigir a retirada do Senegal daquela zona”.
Para “Huco” Monteiro, a sociedade civil deve organizar-se, sem radicalismos, e apresentar uma estratégia de apoio para influenciar o curso das negociações.
Aliás, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, salienta que o Governo e o Presidente José Mário Vaz teriam “muito a ganhar” se liderassem o debate nacional sobre a questão do petróleo e do gás com o Senegal.
Mas as autoridades guineenses têm-se “fechado em copas”.
Há várias empresas petrolíferas, nomeadamente chinesas, suíças, norte-americanas, canadianas e romenas, a aguardar pelo fim das negociações para avançarem para a abertura de furos.

O processo

Dos 14 furos de prospeção de petróleo já realizados na zona, 13 em águas rasas e um em águas profundas, concluiu-se pela existência de “boas perspetivas”, precisou uma fonte que acompanha a parte técnica do processo negocial.
O antigo primeiro-ministro guineense Artur Silva é desde maio o novo secretário-geral da Agência de Gestão e Cooperação entre o Senegal e a Guiné-Bissau.
Este organismo é o responsável pela gestão da Zona Conjunta de Exploração.

Isabel Marisa Serafim / Mussá Baldé 21.09.2018

Exclusivo Lusa/Plataforma Macau

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