O lugar das mulheres é… nas start-ups

por Arsenio Reis

A terceira edição do Startup Weekend Macao, no fim de semana passado, foi dedicado às empreendedoras. Mas, ao contrário do que pensava a própria organização, as mulheres locais dizem que não sentem nem discriminação nem receio de lançar o seu próprio negócio. O que falta é divulgação às mulheres de sucesso.

“Não há barreiras de género ao sucesso em Macau”, garante Carmen Lei, vice-presidente da Associação de Juventude de Fu Lun de Macau – entidade ligada à Associação das Mulheres de Macau – e membro do júri da terceira edição do Startup Weekend Macao, que juntou no fim de semana passado cerca de 30 empreendedores, a maioria dos quais mulheres. Uma adesão que surpreendeu a própria organização, liderada pela Associação para Desenvolvimento de Mulher Nova de Macau e pelo Macao Startup Club. “As mulheres querem conquistar poder, não têm tanto receio como nós pensávamos que elas teriam”, confessou ao PLATAFORMA Venus Loi, uma das organizadoras.
O mundo mudou, sublinha Leonor Machado, uma das participantes. “As mulheres estão mais dispostas a começar o seu próprio negócio do que há 20 anos atrás, quando tinham de tomar conta dos filhos e da casa”, diz a jovem da equipa The Outsiders (ver caixa). Questionadas sobre se é mais difícil para uma mulher ser empreendedora em Macau do que um homem, as colegas de Leonor apressam-se a afastar preconceitos. “Não nesta geração, porque temos já a mente aberta, podemos aceitar novos desafios”, garantem elas num tom convicto.

Mulheres na liderança

Mas nem tudo são rosas. Outra participante, Judith San Juan não tem dúvidas que é mais difícil para uma mulher “vender” uma nova ideia a investidores. Por um lado, “talvez seja por causa das expectativas da sociedade, de que uma mulher deve ser mais gentil, em vez de confiante e assertiva”, disse a filipina ao PLATAFORMA. “Precisamos que as nossas opiniões sejam ouvidas sem criar o sentimento de sermos demasiado agressivas ou mandonas”, diz Judith. Por outro lado, acrescenta ela, há uma falta de mentoras para ajudar as mulheres de Macau. A profissional de relações públicas diz que “é muito inspirador para mim trabalhar com alguém de relevo na sua área e que lidera a sua própria empresa”. “Precisamos de mais exemplos de mulheres de sucesso”, defende Judith.
Ao início a organização do Startup Weekend Macao teve o mesmo problema. “Tínhamos uma falta de mentoras para as equipas, não conseguíamos pensar em nenhuma mulher que fosse um exemplo a seguir”, admite Venus Loi. Mas, após pedir recomendações a várias associações locais, ela rapidamente descobriu que “há muitas mulheres em posições de liderança em Macau”. Algo que, diz a investigadora da Universidade de Macau, só beneficia a cidade. “As mulheres líderes têm formas diferentes de trabalhar em comparação com os homens”, sublinha Venus. No final de contas, o evento teve oito mentoras, sendo que as mulheres estiveram também em vantagem (3 para 2) no júri final.

Desvantagem tecnológica

As cinco equipas do Startup Weekend Macao – Women apresentaram todas propostas para aplicações de telemóvel, um reflexo do pendor cada vez mais tecnológico da inovação empresarial. Mas também nesse âmbito as mulheres da região partem em desvantagem. Segundo um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, divulgado em Outubro passado, Macau tem a percentagem mais baixa de mulheres a frequentar cursos superiores de ciência, tecnologia, engenharia ou matemática, conhecidos em inglês pela sigla STEM, entre 67 países e territórios – apenas 12,4 por cento.
Carmen Lei lamenta que áreas como a engenharia tenham ainda uma imagem como algo sujo, que exige suor e capacidade física. A diretora da Deloitte em Macau diz que mesmo a multinacional da contabilidade contrata regularmente engenheiros para projetos de consultoria que envolvem, mais do que trabalho de campo ao calor, uma secretária num escritório confortável, com ar condicionado. “As escolas, as universidades e as associações podem fazer mais para divulgar aquilo que cada diferente área tem a oferecer”, sugere a gestora. Por exemplo, a Associação de Juventude de Fu Lun organizou recentemente uma atividade para “cultivar nas mulheres uma perspetiva mais internacional”. “Todas precisamos de dar o primeiro passo para abandonar a nossa zona de conforto”, diz.

Uma proposta “arriscada” para o trânsito de Macau

Uma proposta para uma aplicação de telemóvel que permitiria apanhar boleia de uma das milhares de scooters que todos os dias circulam nas ruas de Macau foi a vencedora do Startup Weekend Macao – Women Edition. Apesar de admitirem que a ideia corre o risco de ter o mesmo destino que a Uber – declarada ilegal pelo Governo – o júri decidiu ainda assim escolher a RUSH! A equipa vai à final da competição, que reúne empreendedores de mais de 10 cidades da região da Ásia-Pacífico em Outubro na ilha de Bali, na Indonésia.

“Nós fomos verificar e a lei apenas regula automóveis, não se aplica a scooters,” disse Walter Ho ao PLATAFORMA. “Há aqui uma grande oportunidade e já temos exemplos vindos de outros sítios com o a Tailândia e o Camboja”, sublinhou o residente. Apesar do otimismo, Judith San Juan admite que, “ao começar algo novo em Macau, é muito importante envolver o Governo”. A profissional de relações públicas considera que é mesmo “um dos principais obstáculos”.
Ainda assim, a equipa RUSH! acredita que é possível concretizar esta ideia: “é absolutamente exequível, só precisamos de mais recursos, tantos financeiros como humanos, porque é muito difícil encontrar programadores em Macau”. Walter Ho confessa que “na verdade eu tive esta ideia há alguns anos”. “Os transportes em Macau são muito maus e todos os dias eu imaginava formas de melhorar a situação”, explicou o residente. Segundo dados oficiais, havia no final de Julho mais de 123 mil scooters registadas na cidade. “As scooters são o transporte mais rápido em Macau porque não são afetadas pelos engarrafamentos”, sublinha ele.
A RUSH! não foi a única das cinco equipas cuja ideia reflete a insatisfação de quem vive em Macau com o estado dos transportes. Os The Outsiders propuseram uma frota de autocarros panorâmicos para ajudar os turistas a ir além das Ruínas de São Paulo e dos casinos e explorar o património cultural e ofertas criativas da cidade. “Macau precisa de algo assim e se já existe em outras paragens, também nós o podemos fazer”, disse o grupo ao PLATAFORMA.

Vítor Quintã 14.09.2018

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