Contexto e pretexto

por Arsenio Reis

Os governos um pouco por todo o mundo tendem a não resistir a uma certa “embriaguez” legislativa. Legisla-se para resolver questões, prevenir problemas potenciais – e imaginários – ou simplesmente porque sim. Alteram-se leis, emitem-se regulamentos, criam-se novos tipos legais de crime, novos órgãos e estruturas, com admirável celeridade mas, por vezes, sem a necessária ponderação. Subjacente está uma determinada ideia: as recentes mudanças sociais e de contexto exigem alterações legislativas e regulatórias constantes. Todavia, se não houver freios, esta conclusão pode levar a uma instabilidade no edifício das leis e a uma distorção do espírito do sistema. No caso de Macau falamos do inestimável sistema jurídico que, não sendo imutável, precisa de manter os seus pilares bem estáveis, sólidos e capazes de proteger direitos e deveres fundamentais, estabilidade e bem estar social, ao mesmo tempo que assegura uma saudável relação com o centro (Pequim), no âmbito do Princípio Um Pais Dois Sistemas.
A este respeito, os últimos meses deram sinais daquilo que na Grécia antiga se designava por húbris – excesso de confiança traduzida em descomedimento, desproporcionalidade e alguma falta de sensatez. A avalanche de pacotes legislativos e regulatórios – em vários casos de índole securitária – surge num contexto em que os pesos e contrapesos não estão oleados. Isto resulta, em certos casos, em precipitação, falta de debate e de escrutínio sobre narrativas em que problemas potenciais – ou até imaginários – são apresentados como reais e iminentes.
O que assistimos nos últimos dias com a criação da Comissão de Defesa da Segurança do Estado e respetivo gabinete é um reflexo deste fenómeno.
O contexto emerge à vista desarmada: os ventos do Norte e a situação em Hong Kong. No entanto trata-se de um contexto que também é usado como pretexto para abrir caminho a uma agenda e medidas cuja justificação é difícil de compreender numa cidade em que está em vigor uma Lei relativa à Defesa da Segurança do Estado desde 2009 e que tem sido um baluarte de paz social, patriotismo, estabilidade e respeito exemplar – e valorização – pela soberania e segurança nacionais.

José Carlos Matias 07.09.2018

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