O fascinante panorama cultural de Lisboa

por Arsenio Reis

Este é já o quarto ano da minha mulher na apaixonante cidade de Lisboa. É neste caldeirão cultural que ela, juntamente com outros alunos de variadíssimas nacionalidades, estuda português. Há dois anos acompanhei-a na sua vinda a Portugal. Enquanto de amanhã ia às aulas, eu ficava em casa, a ler ou a navegar na internet. De tarde, levava-me a passear, passando por ruas, ruelas, avenidas, praças e museus e, por vezes, chegando até à beira-mar, onde sentíamos o frio da água do Oceano Atlântico, saboreando toda a cultura e costumes de Portugal.

Lisboa e Macau são muito semelhantes em termos paisagísticos. Ambos têm a mesma calçada, os edifícios de estilo português e as ruas cheias de subidas e descidas. São também diferentes em muitos aspetos, mas o impressionante panorama cultural de Lisboa tem algo de muito familiar. 

Vivíamos numa rua muito movimentada, numa casa de uma senhora de Pequim, juntamente com mais de uma dezena de recém-chegados imigrantes chineses. Alguns entram ilegalmente, fazendo alguns trabalhos esporádicos, enquanto esperam que uma empresa intermediária os ajude no processo de regularização. Vários trazem a família inteira, satisfeitos com a confortável situação de emprego e residência neste país. Outros vêm ainda para estudar e aprender português. Passámos várias noites sem dormir. Era como se os carros estivessem a passar mesmo ao lado da nossa cama. A senhoria disse-me, no entanto, que consegue dormir sem dificuldade. Dizia ela que vida é feita de obstáculos. Atravessar o oceano para viver num país estrangeiro, só por si, já é uma grande felicidade. Embora esta senhora viva rodeada pela cultura europeia em Portugal, já possua nacionalidade portuguesa e fale português no seu dia-a-dia, ainda vive muito ao estilo chinês, comendo comida chinesa, trabalhando arduamente e gerindo diariamente a pensão e uma loja. 

Depois de chegar a Lisboa, comecei a aperceber-me de que muitos imigrantes chineses são cristãos. É o caso da nossa senhoria. Originalmente ateia, como forma de criar raízes num país estrangeiro, combater a solidão e encontrar algum conforto espiritual, começou a participar, regularmente, em encontros do coro e a ir à missa ao domingo. 

É como o pequeno deus Sísifo descrito pelo filósofo existencialista Albert Camus, obrigado a empurrar a mesma pedra até ao topo de uma montanha. Para a senhoria, tempo é dinheiro, e dinheiro é vida. Por isso, passar algum do seu tempo na igreja é algo reconfortante. Nem lhe falem do estilo de vida português, passado debaixo do guarda-sol, bebendo um café ou uma cerveja e comendo pastéis de nata ou croissants. Isto fez-me lembrar uma passagem de outra obra muito conhecida, desta vez de Max Webber, chamada “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, onde diz: “A ética protestante, por um lado, dá enfâse ao consumo moderado, e por outro enfatiza a importância do trabalho voluntário, encorajando as pessoas a não desperdiçarem o seu tempo, pois estarão a desperdiçar o tempo precioso dado por Deus a todos nós”. Camus e Webber tinham toda a razão!

Tendo já vivido em Macau mais de meio século, compreendo que o povo português é um povo muito romântico, por isso não existe forma de evitar o seu complicadíssimo sistema administrativo. Para a minha mulher obter um passe mensal de metro teve de preencher um formulário com uma série de informações irrelevantes e esperar um dia até poder voltar à bilheteira e levantar o passe. No metro de Lisboa não existem lugares de cortesia como em Taiwan (de que tanto se orgulham), ou lugares prioritários como em Hong Kong ou Macau. As pessoas são todas iguais, idosos ficam de pé desde a primeira até à última paragem. Se alguém se quiser sentar, terá de pedir e haverá sempre alguém disposto a oferecer o seu lugar. Pode-se dizer que a cultura de precisar de sentar, mas não ter coragem para tal, é inexistente em Lisboa. Dentro das carruagens, pedintes cegos que aparecem de vez em quando são tratados com respeito. Um panorama cultural como este, sem lugares prioritários, mas humano, onde pedintes são tratados com respeito é algo difícil de encontrar. 

Em Lisboa, os portugueses, tal como os chineses, simplesmente atravessam a rua quando não vem nenhum carro. Tanto em transportes públicos, como nas compras ou ao recarregar um passe, podemos muitas vezes deparar-nos com situações de caráter humano. Um turista, como nós, que entra num transporte público sem passe e por isso precisa de pagar com dinheiro, mas naturalmente não conhece bem o euro, ver-se-á naturalmente atrapalhado. Porém, numa situação como esta o motorista irá ajudá-lo, tirando o valor correto da mão do mesmo com total calma, independentemente do tamanho da fila, e sem tão pouco ser ouvida queixa alguma dos restantes passageiros à espera. Afinal parece que uma certa ineficiência se transforma em virtude nas relações humanas. 

Falando em ineficiência, esta não só dá lugar à virtude humana como é o melhor retrato de um modo de vida calmo. Os locais, tal como estrangeiros de várias partes do mundo, adoram Lisboa. Durante todo o Verão o sol só se põe por volta das nove da noite. O seu brilho e a chuva rara ajudam a compensar a falta de luz e calor na Europa durante o Inverno. Andei várias vezes de barco nesta cidade, apreciando a paisagem das margens do rio, e não vi uma única vez um colete salva-vidas. Nenhum funcionário nos avisa para não estarmos perto do corrimão, ou ter cuidado com crianças. Existe um espírito muito livre, como nunca senti antes. 

Em Lisboa, as ruas estão cobertas de graffitis, dando aos edifícios antigos um espírito rebelde. Também existem graffitis nas ruas de Macau, mas são apenas propaganda colorida, carecendo de liberdade, criatividade, tolerância e beleza. A cidade também está repleta de pombos, podendo ser encontradas em praças ou perto da costa. Não têm medo das pessoas, nem as pessoas têm medo de gripe das aves. Passeando pela Rua Augusta, as montras das lojas têm para mim um ar de nostalgia elegante, e os seus caixilhos verdes, além de emoldurarem vários produtos, contêm também em si memórias da minha infância. Quando era pequeno, existiam em Macau muitas lojas portuguesas que vendiam vinho ou queijo portugueses. Foi aí que me apercebi que, embora vivesse uma vida genuinamente chinesa, estava rodeado de cultura portuguesa. Chegar a Lisboa foi por isso como uma viagem ao passado, um regresso à minha infância. Fiquei extremamente comovido. 

Nos últimos anos, a indústria do turismo em Portugal tem-se desenvolvido a uma grande velocidade, e a economia da exportação e do turismo ocupa 7 por cento do PIB nacional. Turistas de todo o mundo, quer seja para visitar museus ou entrar nas tradicionais confeitarias de pastéis de Belém, têm muitas vezes de esperar mais de uma hora em filas. A minha mulher, sendo este já o seu quarto ano em Lisboa, sempre gostou de ir ao mercado comprar carne de porco e costeletas frescas ou fruta e vegetais suculentos para aos longos dias de verão. Porém, devido ao aumento de turistas e à necessidade de uma produção com um foco mais quantitativo, a qualidade dos produtos foi afetada. Mesmo assim, a comida portuguesa e os produtos de luxo continuam a ter em Lisboa os preços mais baratos e competitivos de uma capital europeia. 

Os portugueses, com o seu estilo de vida calmo, ainda dão grande importância à preservação da comida, desenvolvendo até uma economia de partilha. Foi criada assim uma cooperativa chamada “Fruta Feia”. Esta iniciativa procura valorizar boa fruta, e quebrar a ideia de que a qualidade é baseada na aparência, promovendo assim um mercado que mude este padrão de consumo. Aparentemente, 30 por cento da fruta portuguesa, apesar da sua alta qualidade, é desperdiçada apenas por ser inestética. Este projeto, que teve início em novembro de 2013, além de contar com a participação de agricultores, convida também a que membros e voluntários se juntem, semanalmente, para ajudar a salvar uma tonelada de fruta e vegetais de alta qualidade e a baixo preço. Em Macau, o desperdício será, certamente, ainda superior ao português, devido às impressionantes quantidades de comida desperdiçada em áreas de buffet de espaços de jogo. Macau deveria realmente aproveitar este conceito e promovê-lo. 

Os portugueses são conhecidos pela dieta pesada. O consumo de sal da população é bastante elevado, e segundo dados estatísticos mais de metade está acima do peso ideal. A razão é simples, os portugueses adoram comer, desde peixe, carne, doces, café, refrescos e vinho. Cerca de 80 por cento da população idosa sofre de obesidade, e casos de hipertensão arterial e doenças cardiovasculares são extremamente comuns. Os portugueses também não possuem bons hábitos de exercício físico. Apenas 27 por cento da população pratica exercício físico na duração diária recomendada, aproximadamente meia hora. E 41,8 por cento não fazem qualquer atividade física regular. Não podemos negar que os portugueses são um povo romântico que vive no momento. As esplanadas estão permanentemente cheias, e ao final do dia as sirenes das ambulâncias ressoam nos ouvidos. Porém, os portugueses, sentados a apreciar a sua comida, parecem não se preocupar. 

Em Portugal, tal como em Hong Kong e Macau, os serviços de saúde públicos são baratos, mas muitas vezes os serviços privados são melhores e mais rápidos, e por isso naturalmente bastante mais caros. Atualmente vivem mais de 20 mil chineses em Portugal, que em caso de doença estão habituados a medicina chinesa, vinda da China continental ou de Taiwan, tomando medicamentos tradicionais chineses ou outros tratamentos como massagens, acupuntura ou ventosaterapia. Numa altura em que a saúde da população portuguesa está continuamente a piorar, um contexto cultural como este é uma verdadeira preocupação. Há mais de uma década que órgãos governamentais de Macau, através de especialistas em medicina chinesa vindos diretamente de Hong Kong, ensinam a funcionários públicos de Macau formas de tratamento sem o uso de medicamentos, oferecendo assim tratamento apenas através de massagens, e muitas vezes exercício físico como alongamentos. Portugal deveria considerar a implementação de uma medicina como esta, pois poderá muito bem ser a cura para muitos dos problemas de saúde da população portuguesa. 

Todos os anos, muitas pessoas de Macau visitam Lisboa. Não há mal nenhum em tirar umas férias da vida agitada para apreciar o panorama cultural de Portugal, experienciando assim um outro tipo de conforto. 

Francis Choi*-Plataforma Macau 17.08.2018 

*Académico

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