Néon-realismo

por Arsenio Reis

A notícia teve honras de destaque, embora seja ainda uma estimativa/projeção: Macau terá o Produto Interno (PIB) per capita mais elevado do mundo em 2020, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). A previsão, confirmando-se, não será propriamente motivo para fogos de artifício. Sendo usado como o principal indicador da riqueza produzida num determinado país ou região, o PIB per capita é na verdade um medidor com claras limitações para aferir o real grau de desenvolvimento humano e bem-estar de uma população.

Desde logo, o valor agregado do PIB divido pela população não reflete  as assimetrias na distribuição do rendimento. Por outro lado, inflaciona a posição de “paraísos fiscais” e de territórios com população relativamente reduzida que beneficiam de indústrias imensamente rentáveis que se materializam na exportação de produtos (petróleo) ou  de serviços (jogo e turismo). Na lista do FMI relativa a 2016 os cinco primeiros ilustram isso mesmo: Qatar, Luxemburgo, Macau, Singapura e Brunei. Já quando olhamos para o ranking do Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (que não inclui Macau), o top 5 indica: Noruega, Austrália, Suíça, Alemanha e Dinamarca, aparecendo Singapura em sexto lugar. Não é por acaso que cada vez mais economistas de renome alertam para a necessidade de abandonar o PIB como medidor principal da saúde de uma economia (e sociedade). 

No caso de Macau, um outro paradoxo surge aos olhos de todos: a sofrível qualidade das infraestruturas em geral.  A capital mundial do jogo, que está prestes a subir ao primeiro lugar do pódio do PIB per capita, bem pode ter números do “Primeiro Mundo”, mas as infraestruturas, por vezes, assemelham-se ao “Terceiro Mundo”, passe a hipérbole. Essa fragilidade surgiu escancarada há um ano aquando da devastadora e trágica passagem do tufão Hato. 

Além disso, aos atrasos infindáveis e derrapagens orçamentais de projetos chave como o metro ligeiro de superfície ou o hospital da ilhas – a par do novo terminal marítimo da Taipa (esse já em funcionamento) – juntam-se edifícios de habitação pública de qualidade  duvidosa e infraestruturas sociais necessárias ainda por lançar. Tudo difícil de compreender e aceitar num contexto de transbordante e contínua abundância. 

Nos meus tempos de estudante, uma frase grafitada nas paredes da Universidade de Coimbra fixava-me  o olhar: “Isto já não é o que nunca foi”. Talvez aqui também seja assim. Mas o mais preocupante é perceber, fugindo ao encandeamento néon-realista, que “isto nunca será o que podia ser”.

José Carlos Matias 17.08.2018

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