Há obras que custam

por Arsenio Reis

As derrapagens nos orçamentos e nos prazos têm marcado as obras públicas. Agora que o metro ligeiro – uma das obras mais ambiciosas da RAEM – volta a ser tema, o PLATAFORMA faz o balanço do projeto e de mais quatro determinantes para a cidade. 

O metro ligeiro voltou à ordem do dia. Desta feita, pelas posições controversas do secretário para os Transportes e Obras Públicas, e do Chefe do Executivo. Chui Sai On decidiu que o Governo não vai acatar a decisão da Justiça, que ordenou que se repetisse o concurso referente à infraestrutura que assegura o funcionamento do transporte. Já o secretário Raimundo do Rosário negou haver derrapagem orçamental. Entretanto, a Comissão de Acompanhamento para os Assuntos de Terras e Concessões Públicas também terminou um relatório sobre o o novo Hospital das Ilhas. A conclusão é de “que o actual andamento da execução das obras não é satisfatório”. Os deputados exigem ao Governo mais detalhes sobre o calendário e os custos da infraestrutura. Ella Lei, que lidera a comissão, fez questão de vincar que o Hospital das Ilhas e o Metro Ligeiro são dois exemplos de derrapagens orçamenais e de incumprimento dos prazos nas obras públicas. A população, frisou, quer mais “transparência do Governo”. O PLATAFORMA recupera os valores do metro e de mais três obras públicas, que têm levado o Governo a ser acusado de despesismo.

Metro Ligeiro

Em 2011, o Governo celebra o contrato com a Mitshubishi Heavy Industries para a prestação de serviços de fornecimento dos comboios e do sistema do metro. A obra é adjudicada por 4,6 mil milhões de patacas. Em 2013, decide comprar mais 48 carruagens além das iniciais e paga cerca de 800 milhões de patacas. 

O contrato com a empresa é renegociado em 2015, e há um novo ajuste ao orçamento, no valor de 700 milhões de patacas. Em 2017, as alterações ao contrato com a Mitsubishi Heavy Industries repetem-se. O fornecimento do sistema para a primeira fase fica 30 milhões de patacas mais caro. No mesmo ano, é é autorizada a celebração de um contrato com a Mitsubishi Heavy Industries no valor de cerca de sete milhões de patacas para o “Sistema e Material Circulante para a 1ª Fase do Sistema de Metro Ligeiro de Macau – Serviços Complementares do Melhoramento do Projeto e Instalação do Sistema SCADA”. 

Em 2018, o Governo assina o acordo de resolução do contrato com a Mitshubishi Heavy Industries, no valor de cerca de 360 milhões. Os materiais e as peças dos comboios são transportados para Macau para “reduzir o custo de manutenção dos comboios”. 

O parque de materiais e oficinas é a parte mais importante da infraestrutura, tendo em conta que assegura o funcionamento do metro. A primeira fase fica a encargo da China Road and Bridge Corporation, no valor de 386 milhões de patacas. Depois, é o consórcio Top Builders/Mei Cheong que toma conta do projeto com o qual o Governo termina o contrato porque o parque não é concluído no prazo previsto, em 2016. Além das mais de 555 milhões de patacas do valor da adjudicação da obra, o Executivo é obrigado a pagar 85 milhões de patacas de indemnização ao consórcio por suspender o contrato antes do tempo. Volta a haver concurso e é escolhida a Companhia de Engenharia e de Construção da China para a empreitada da superestrutura do parque – 1,07 mil milhões de patacas foi quanto o Executivo gastou. 

No início de março, o Tribunal de Segunda Instância anulou a adjudicação da empreitada, argumentando que a comissão de avaliação violou os critérios do concurso. A ação foi apresentada pela China Road and Bridge Corporation, que tinha ficado em segundo lugar no concurso de 2016 e à qual já tinha sido adjudicada outra parte da obra, em 2011. O Governo recorre, o Tribunal de Última Instância mantém a sentença mas o Executivo decidiu que não vai acatar a decisão. Recusa-se a anular o concurso e a repetir a avaliação das propostas como foi sentenciado, uma vez que 90 por cento da obra está concluída e que cumprir o que a Justiça ordenou teria implicações no interesse público. 

Hospital das Ilhas

Os últimos dados do Governo, de 2017, referem que o projeto já vai nos dois mil milhões de patacas. Uma estimativa divulgada em 2012 referia que os custos totais do novo hospital público seriam dez mil milhões de patacas.

A obra do segundo hospital público está ao encargo do ateliê de arquitetura de Eddie Wong. O concurso foi por convite. O arquiteto já teve em mãos outras obras públicas na área da saúde, como o alargamento do hospital público Conde de São Januário e do Centro de Recuperação de Doenças Infecciosas em Coloane. O Estádio de Macau na Taipa, o gabinete do Chefe do Executivo no Palácio do Governo e o prédio do jornal Ou Mun foram outras das obras públicas entregues ao arquiteto. Eddie Wong é membro do Conselho Executivo desde 2009 e ocupa o lugar de delegado de Macau na Conferência Consultiva Política do Povo Chinês.

O Governo anunciou o projeto em 2010. O objetivo era iniciar a construção em 2011 e concluir o hospital em 2014. Em 2012, o diretor dos Serviços de Saúde corrige as previsões. Lei Chin Ion desculpa-se com “erros de cálculo” e diz que o projeto só avançaria em 2014, prevendo que parte do complexo seria inaugurada em 2017 e estaria a funcionar em pleno em 2019. A última previsão do Executivo confirma a expectativa e reitera que a obra deve terminar no próximo ano, ainda no mandato de Chui Sai On. Em 2015, a planta da infraestrutura foi alterada quatro vezes. O Instituto de Enfermagem é a única obra a decorrer nos seis edifícios previstos para a primeira fase do Complexo de Cuidados de Saúde das Ilhas.

Terminal Marítimo da Taipa

A obra começou em 2005 mas só foi inaugurada em junho de 2017, depois de 12 anos em construção. A PAL Asiaconsult foi a empresa responsável pelo projeto. 

Nas Linhas de Acção Governativa para 2013, o Chefe do Executivo previa a inauguração para o primeiro semestre de 2014. Em 2011, a previsão do Gabinete de Desenvolvimento de Infraestruturas (GDI) era de que as obras estivessem concluídas no terceiro trimestre de 2013. “Até à presente data não se estima que vá haver qualquer alteração”, afirmava o então coordenador do GDI. Chan Hon Kit garantia que, se houvesse atrasos e “por razões imputadas ao empreiteiro, haveria multas”.

As derrapagens também se sentiram no orçamento, que chegou aos 3,8 mil milhões de patacas. 

Ponte Hong Kong – Zhuhai – Macau

Começou a ser construída em 2009. A ponte do Delta tinha um custo inicial estimado de 110 mil milhões de yuan. A abertura esteve prevista para 2016, depois para finais de 2017. No início do ano, o jornal China Daily adiantava que deveria ser inaugurada no segundo trimestre de 2018. A obra terminou em janeiro. 

A China Communications Construction Company foi a empreiteira do projeto. Macau participou com 12,59 por cento dos custos de construção, inicialmente orçados em 1,98 mil milhões de yuan. Só no ano passado, os custos do projeto subiram perto de 4,7 mil milhões de yuan – repartidos pelos governos de Macau, Hong Kong e Zhuhai.  Entre 2010 e 2015, Macau já tinha gastado cerca de 2,2 mil milhões de patacas. Em novembro do ano passado, o Gabinete de Desenvolvimento de Infraestruturas avançava que os custos podiam aumentar em 11 mil milhões de yuan. 

À China Road and Bridge Corporation, o Governo pagou 135 milhões de patacas para a conceção e construção da ponte de ligação entre a ilha artificial e a zona A dos novos aterros. O custo total do projeto, com a ilha artificial, atingiu os 120 mil milhões de yuan – 153,8 mil milhões de patacas. Macau já pagou perto de 2,6 mil milhões de yuan da parte que lhe corresponde do orçamento da estrutura principal da ponte.

Mais críticas 

Os atrasos nos prazos e as derrapagens orçamentais são um “um escândalo” para Au Kam San, deputado e membro da Comissão de Acompanhamento para os Assuntos de Terras e Concessões Públicas. “Em circunstâncias normais, não devia haver qualquer alteração nos orçamentos sem haver fiscalização quando é o dinheiro público que está em jogo”, realça ao PLATAFORMA. 

O deputado acusa o Governo de ser incapaz de gerir as obras públicas. Dá como exemplo o Terminal da Taipa, pensado para ter 50 mil metros quadrados que acabou com 200 mil. “Como é que se tomou essa decisão? Não houve transparência”. 

O caso do metro, defende, é “ainda mais grave”. O deputado sublinha que começou com um orçamento de 4,2 mil milhões de patacas, que passou para 7,5 mil milhões e já está em 11 mil milhões. “Continuamos sem saber qual é o orçamento final”, frisa. “O Governo refere que as alterações não significam derrapagens porque nunca houve um orçamento oficial e que os números anunciados eram apenas estimativas. A questão é: porque é que eram apenas estimativas?”, critica.

E volta aos números. Au Kam San recorda que se esperava gastar entre 700 milhões e 800 milhões de patacas com o parque de materiais e oficinas, mas que os atrasos na obra levaram à suspensão do contrato e, consequentemente, a um segundo concurso. O orçamento com o parque disparou para cerca de 1,5 mil milhões de patacas – o dobro do inicial. “Ilustra bem a falta de profissionalismo do Governo. O projeto do metro, que nem exige alta tecnologia, tornou-se um desastre.”

A deputada Ella Lei, membro da mesma comissão da AL, reitera que sempre houve problemas de derrapagens orçamentais e falta de qualidade de construção em várias obras públicas. Lei atribui as culpas aos critérios de adjudicação das obras e ao mecanismo de supervisão que considera insuficiente. 

“O Governo desmente que prioriza o princípio do preço quando adjudica os contratos das obras, mas na prática os critérios dos concursos assentam fortemente no preço, enquanto a qualidade do plano e a experiência da empresa são secundários. Isto pode induzir os concorrentes a baixar o valor das propostas. Se a construção não cumpre os requisitos, pode levar a atrasos e alterações orçamentais”, argumenta a deputada que acha que o sistema de adjudicação devia ser melhorado.

Ng Kuok Cheong, membro da Comissão de Acompanhamento para os Assuntos de Finanças Públicas, realça: “Desde o estabelecimento da RAEM que os terrenos têm sido concedidos a preço de saldo e as obras públicas excedido os orçamentos, questões que demonstram pouca transparência, prejudicam o interesse público e constituem um berço para a corrupção”.

O deputado frisa que o Executivo devia prestar contas, e invoca o artigo 71º da Lei Básica – que refere que compete à assembleia debater questões do interesse público -, e o artigo 137º do Regimento da Assembleia Legislativa – que afirma que o plenário pode reunir, especificamente, para debater questões de interesse público, a pedido do Governo. ”Mas o Governo nunca cumpre estas disposições nem entrega projetos que envolvam o interesse público para discussão”, censura. 

Soluções

Para Au Kam San é “urgente” limitar o poder do Governo em termos de despesa com obras públicas e garantir que os gastos são monitorizados. “Se são profissionais têm de saber quanto se vai gastar.” 

O democrata entende que o Executivo devia ir ao hemiciclo dar explicações aos deputados sobre os projetos, e insiste que as alterações ao orçamento deviam ser aprovadas pela assembleia. “Obrigaria o Governo a ser mais prudente quando faz alterações. Se precisa de mais cinco mil milhões para uma obra, tem de ter argumentos plausíveis que justifiquem o acréscimo em vez de mudar o orçamento a seu bel-prazer, como é prática corrente.”

Já Ng Kuok Cheong realça que sempre defendeu que devia haver um sistema que obrigasse o Governo a submeter à assembleia os gastos com grandes obras públicas e ajustes. O deputado defende que a Lei de enquadramento orçamental – implementada este ano – foi um avanço mas que ainda não convence. “O nível de transparência e monitorização continua a ser insuficiente.” 

O reforço na supervisão também é fundamental para Ella Lei, que concorda ser “insuficiente”. “O Executivo não respeita rigorosamente as regras de penalização, como a aplicação de multas, quando há atrasos, acabando por fazer com que se repitam.”

O PLATAFORMA questionou outros membros das comissões da AL – como Wong Kit Cheng e Song Pek Kei – que não responderam. O jornal também procurou saber junto do Governo mais detalhes sobre o orçamento final e prazos das obras ainda em curso, mas sem sucesso. O Executivo reiterou os números e datas que já são públicos sem mais novidades. 

17.08.2018 Catarina Brites Soares

*Nota: os números referidos não incluem todos os gastos. O PLATAFORMA selecionou os custos principais de cada projeto.

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