Gastos são secundários

por Arsenio Reis

O Governo não revela quanto gastou com o recrutamento de funcionários públicos desde que o processo passou a ser centralizado. Diz que não deve ser esse o critério para avaliar o sistema que vai voltar a ser alterado por não ser eficaz. 

As críticas à demora e aos custos do sistema de recrutamento para a Administração Pública levaram o Governo a decidir fazer novas alterações. Em resposta ao PLATAFORMA, o Executivo recusa-se a divulgar quanto gastou com o recrutamento de funcionários públicos desde que passou a estar centralizado para grande parte das carreiras nos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP). 

“O recrutamento centralizado de pessoal não deve ser avaliado apenas pelos custos uma vez que os resultados que se pretendem com a sua implementação são intangíveis”, argumentam os serviços.

Os SAFP acrescentam que “não se trata de um projeto com custos individualizados”, e que as despesas com os concursos – centralizados ou não – dependem do número de candidatos. “Pelo que não é apropriado calcular exatamente os montantes solicitados.”

O PLATAFORMA insistiu. E os serviços reiteraram “não ser apropriado” comparar os gastos com o recrutamento dos funcionários públicos antes e depois de entrar em vigor o sistema centralizado para o recrutamento da maioria das carreiras, em 2011. 

“Também não nos parece apropriado comparar as duas situações no que respeita a custos. Só a partir de 2011, o concurso passou a ser utilizado também para os contratos. Até aí apenas era utilizado para o ingresso no quadro e o número de concursos que se abriam era muitíssimo menor, sendo também muito menor o número de candidatos que concorriam”, justificam.

O organismo realça que, até 2011, a lei não obrigava a procedimentos “tão rigorosos” para contratação. Apesar de haver regras, os serviços não eram obrigados a publicar as vagas e podiam recrutar, recorrendo às candidaturas da Bolsa de Emprego ou espontâneas, e escolher o candidato só com a entrevista. 

Em 2016, o Governo faz novas alterações. Em vez de o processo estar todo centralizado nos Serviços de Administração e Função Pública, passa a haver duas fases de seleção e mais regularidade nas provas de acesso. Os candidatos à função pública passam a ser avaliados, na primeira fase, pelos SAFP através de um exame de competências gerais – que se devia realizar duas vezes por ano –, e depois, se aprovados, ficam aptos a participar na segunda fase nos consursos abertos pelos serviços que querem recrutar.

Há dois anos, o Executivo decidiu rever o sistema, sobretudo, para encurtar o tempo de espera. Agora, vai voltar a fazer alterações pelo mesmo motivo. “Não está em causa diminuir os custos de recrutamento, mas sim recrutar candidatos de qualidade e também com justiça”, garantem os SAFP. 

O organismo explica que a obrigatoriedade de concurso para se recrutar funcionários públicos levou a “um enorme acréscimo” do número de candidatos – uma vez que todas as vagas na administração são públicas -, tornando-os “muito morosos”. Os ajustamentos ao processo, sublinha o departamento, pretendem tornar o processo “mais célere.”

Fiona Choi candidatou-se em outubro de 2016, quando abriu um concurso geral. Só em março de 2017 fez o primeiro exame – de avaliação de competências integradas, realizado pelos SAFP. Em julho, saem os resultados e, em setembro, são anunciadas as vagas disponíveis nos diferentes organismos da administração. Candidata-se às posições em que cumpria os requisitos. Apenas entre março e julho deste ano, começou a segunda fase – a cargo dos respetivos organismos públicos. 

“O novo sistema de recrutamento é um desperdício de recursos. Ainda estou à espera de resultados de alguns exames, enquanto para outros serviços já estou na fase da entrevista. O resultado do exame geral só é válido por três anos. É pouco tempo. Com isto tudo, já passou um ano”, critica Fiona Choi.

Para o Governo o problema está sobretudo na entrevista, a última etapa. “Verificou-se que a prática de entrevistar todos os candidatos que passaram as restantes provas é uma das situações que torna os concursos mais morosos, pelo que efetuar as entrevistas por tranches sucessivas, à medida das necessidades, pode reduzir, substancialmente, a duração dos concursos, sem retirar a igualdade de oportunidades, pois os candidatos serão chamados faseadamente, respeitando a ordem de classificação obtida nas restantes provas”, adiantam os SAFP. 

Por cumprir

O analista político Larry So apresenta outra solução e defende que o sistema pode funcionar se for dividido em duas linhas: a das carreiras gerais e a dos recursos especializados.

Para o sociólogo é um erro aplicar-se o mesmo processo de recrutamento para todos os funcionários públicos. “Há carreiras que exigem um conhecimento base e de línguas. E nestes casos, o exame e a entrevista cumprem o propósito. Para os quadros mais especializados o recrutamento também podia ser feito através de um exame e entrevista, mas com questões e entrevistadores do departamento específico e referentes à área.”

O académico recorda que o sistema de recrutamento centralizado em vigor foi implementado com o objetivo de corrigir situações de “nepotismo”, respondendo às críticas da população. Isto porque, continua o académico, o recrutamento estava ao critério dos departamentos que podiam escolher quem quisessem. “Cada serviço, mesmo com exame e entrevista, podia fazer o concurso à medida de uma pessoa.”

O sistema centralizado procurou evitar situações de privilégio já que na fase inicial os responsáveis dos departamentos não intervêm. A intenção é garantir mais transparência, mas a fórmula tem falhado. Larry So encontra problemas nas duas fases: na do exame inicial por ser demasiado geral – “já que é impossível reunir perguntas que abranjam matérias de todos os departamentos” – e que acaba por excluir bons técnicos porque chumbam logo aqui; e quando se avaliam as competências específicas, da responsabilidade dos serviços que ficam limitados aos candidatos selecionados. “Têm o conhecimento geral, mas quando se trata de competências que o serviço exige podem não as ter. Já muitos candidatos qualificados foram excluídos porque não passam no exame geral por não dominarem línguas ou matemática”, exemplifica.

O académico reconhece que o recrutamento é um desafio exigente para o Governo, mas subscreve as críticas. “A demora é outra das grandes desvantagens. Há candidatos que ficam à espera um a dois anos até serem recrutados. Muitos acabam por se cansar, ficam frustrados e aceitam outros empregos. O processo centralizado pretendia combater o nepotismo com transparência, mas parece que só se tem gastado mais dinheiro e recursos, e os objetivos continuam por cumprir.” 

Recrutamento centralizado

O recrutamento centralizado foi implementado na administração em 1989. O modelo foi estendido e passou a ser obrigatório para todas as carreiras de regime geral em 2011. Os SAFP referem que o objetivo era “aumentar a transparência do funcionamento da administração, evitando situações de nepotismo, e a igualdade de oportunidades”. Até aí, o concurso centralizado só era usado para ingresso no quadro. A partir de 2011, passa a ser obrigatório para outras contratações. Em 2016, são introduzidas novas alterações. Atualmente, o sistema é regulado pela Lei 4/2017, que já confere autonomia aos serviços públicos. Agora, só é centralizado primeiro o exame destinado à avaliação das aptidões e competências gerais para o exercício de funções. Só depois do exame – aberto e realizado pelos SAFP –, os candidatos podem candidatar-se aos concursos dos diferentes organismos públicos e fazer as restantes provas para entrar na Função Pública. O recrutamento dos trabalhadores dos serviços públicos é obrigatório para 14 carreiras gerais e 19 especializadas.

Objetivos

O Governo prevê realizar ainda este ano mais dois concursos de avaliação de competências integradas para candidatos com bacharelato e licenciatura. Em reposta ao PLATAFORMA sobre concursos futuros, os Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) afirmam: “Relativamente aos anos seguintes, os SAFP realizarão todos os anos, periodicamente, concursos de avaliação de competências integradas”. Sobre os recursos humanos necessários para a administração funcionar em pleno, o Executivo é vago. “Os serviços públicos apenas enviam aos SAFP, anualmente, as necessidades estimadas de pessoal relativas às 33 carreiras abrangidas pela lei n.º 14/2009, o que não reflete todas as necessidades estimadas de pessoal dos serviços públicos.”

Recrutamento em Hong Kong

O recrutamento para a Administração Pública em Hong Kong inclui o Common Recruitment Examination – para avaliar o domínio das línguas oficiais do território (chinês e inglês) e de competências gerais -, e um teste sobre a Lei Básica de Hong Kong. Ambos são válidos para sempre, de escolha múltipla, realizados pelo Civil Service Bureau e obrigatórios para todos os candidatos. Podem ser realizados em Hong Kong e em mais sete cidades: Pequim, Londres, São Francisco, Nova Iorque, Toronto, Vancouver e Sidney. Depois, os candidatos aprovados têm de realizar os exames levados a cabo pelos departamentos a que se querem candidatar. Em resposta ao PLATAFORMA, o Civil Service Bureau diz que o processo de recrutamento pode levar em média entre meses a um ano. O organismo realça que por norma as vagas na administração são preenchidas por concurso aberto ou interno. Sempre que há concurso aberto e há muitos candidatos que reúnem os requisitos, o departamento que pretende recrutar pode elaborar uma nova lista de critérios mais exigentes de forma a selecionar os participantes mais qualificados. A entrevista, acrescentam os serviços, é normalmente a última fase do processo. Os diretores e chefes de serviços são nomeados, como em Macau. 

‭ ‬Catarina Brites Soares 10.08.2018

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