Falso alarme?

por Arsenio Reis

Demóstenes foi um orador e político de exceção na Grécia Antiga. Ateniense de gema, viveu intensamente o período de tensão e rivalidade com Esparta. Os dois modelos digladiavam-se.  Num dos seus inúmeros momentos de lucidez, observou que a principal diferença entre as duas cidades-estado era que, em Atenas, um cidadão podia elogiar a constituição de Esparta e criticar a de Atenas, ao passo que um espartano estava proibido de tecer elogios  a qualquer outro sistema político-social. Algumas décadas antes, outro nome maior da Grécia Clássica, Platão, expressava o que ficou conhecido como “paradoxo da liberdade”, segundo o qual a liberdade sem quaisquer limites conduz ao seu oposto, uma vez que sem restrições e sem a proteção através da lei, essa mesma liberdade transforma-se na tirania dos mais fortes sobre os mais fracos. Em pleno século XX, o filósofo austro-britânico Karl Popper desenvolvia a tese do paradoxo da tolerância, com base na mesma lógica argumentativa de Platão. 

Na era da pós-verdade, da epidemia das “notícias falsas” e de um crescente anti-intelectualismo, caminhamos num terreno pantanoso. Neste contexto, a tentação regulatória impõe-se. Ela está aí, por toda a parte, por vezes com as melhores intenções, outras nem por isso. Certo é que este é um terreno fértil para a criminalização das “notícias falsas” ou “rumores maliciosos” que se presume poderem provocar a desordem e o caos. Nestes processos, sabendo-se como se começa; o problema está até onde se vai e como a lei é interpretada e aplicada. Um forte sistema de pesos e contrapesos alicerçado num estado de direito sólido é condição sine qua non para evitar um descarrilamento das liberdades individuais.

Em Macau, a proposta de criar o crime de “falso alarme social” no contexto da futura nova lei da proteção civil – legislação que noutros aspectos deverá introduzir instrumentos importantes em cenário de catástrofe natural –comporta riscos inegáveis. As objeções levantadas por várias vozes na sociedade espelham um fundado receio do potencial cariz vago do articulado e da discricionariedade com que as leis são aplicadas, num cenário adensado pela lógica securitária que emerge, literalmente, em cada esquina.  Falso alarme?

José Carlos Matias 27.07.2018

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