Piratas da Amazónia, o crime no rio mais extenso do mundo

por Arsenio Reis

Centenas de quilómetros de rios e afluentes dentro da maior floresta do mundo, a Amazónia, são a principal via de transporte no norte do Brasil onde estradas de terra são raras dadas as características geográficas da região. Nos últimos anos, porém, tripulantes e passageiros que antes viajavam tranquilos nos barcos tornaram-se vítimas de grupos criminosos que ficam à espreita em busca de uma oportunidade para atacar.

Conhecidos como piratas da Amazónia, grupos fortemente armados saqueiam embarcações e são responsáveis por um prejuízo anual de milhões de dólares. Os seus alvos preferenciais são barcos que transportam combustível e produtos eletrónicos fabricados no polo industrial da cidade brasileira de Manaus, embora também existam registos de assaltos a embarcações de passageiros.

“O que denominamos de pirataria da Amazónia são saques realizados nos rios da região por quadrilhas que estão-se a especializar-se neste tipo de delito” e “os crimes acontecem, principalmente, na linha Belém-Manaus [cidades que são, respetivamente, as capitais dos estados do Pará e do Amazonas] na qual se transportam muitas cargas de combustíveis e produtos eletrónicos”, explicou Claudomiro Carvalho Filho, vice-presidente do Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial no Estado do Amazonas (Sindarma).

“No transporte de combustíveis dentro do Amazonas contabilizámos desde 2015 uma perda anual de 100 milhões de reais” [cerca de 25 milhões de dólares]. O combustível é o grande produto que se perde na Amazónia porque é fácil de vender: Todos aqui o utilizam nas pequenas embarcações que são a principal forma de locomoção da população. O combustível é fácil de ser desviado e difícil de ser identificado como um produto de roubo”, acrescentou.

Em novembro do ano passado, um grupo de piratas realizou o maior roubo já registado no norte do país, desviando, de uma vez só vez, 640 mil litros de gasolina de uma embarcação que estava no porto de Manaus. Causaram um prejuízo de dois milhões de reais (cerca de 500 mil dólares).

O delegado Adriano Felix, titular da Delegacia Especializada em Roubos Furtos e Defraudações (Derfd) de Manaus contou à Lusa que este tipo de ataque acontece, geralmente, de madrugada e que os criminosos utilizam barcos pequenos e velozes para se aproximar de embarcações cargueiras mais lentas, em pontos isolados.

“Os crimes são praticados por grupos formados por cerca de cinco a seis pessoas que têm funções distintas. Uns sabem encostar barcos pequenos nas embarcações maiores, outros rendem os tripulantes, aos quais se juntam aqueles que trabalham nas empresas assaltadas e passam as informações para o planeamento do ataque. [Os piratas] atacam como uma associação com vários braços”, explicou.

Os principais cursos de água da região norte do Brasil onde estes criminosos atuam são no Rio Solimões, nas proximidades da cidade de Coari, o Rio Negro, na orla de Manaus, o Estreito de Breves no Pará e num trecho do Rio Madeira, entre a cidade amazonense de Itacoatiara e a cidade de Porto Velho, capital do Estado de Rondónia.

Rios são principal meio de transporte na Amazónia brasileira

Segundo um relatório divulgado em fevereiro sobre a Caracterização da Oferta e da Demanda do Transporte Fluvial de Passageiros e Cargas na Região Amazônica pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antac) do Brasil, pelos rios da Amazónia foram conduzidos, em 2017, cerca de 9,8 milhões de passageiros e 3,4 milhões de toneladas de cargas.

Em relação às cargas que passaram pelas linhas interestaduais da Região Amazónica o mesmo relatório estimou que em 2017 foram transportadas 822,4 mil toneladas de produtos. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários do Amazonas (Sintraqua), Rucimar Souza, confirmou que a pirataria se tornou um problema alarmante com registo de alguns casos de morte de trabalhadores.

“Em 2015 tivemos, pelo menos, quinze assaltos que terminaram com a morte de algum tripulante. Depois disso não há mais registos de mortes, mas as agressões sofridas pelas tripulações dos barcos atacados por piratas são pesadas. Eles são ameaçados e apanham muito”, relatou.

Lembrou também alguns roubos a barcos de passageiros que aconteceram no Rio Negro e no Rio Solimões. “Nestes dois rios há muitos assaltos a barcos de passageiros. Os piratas levam, geralmente apenas os pertences dos passageiros. Não levam a carga. Ficam com os trlefonesd celulares, dinheiro e as bolsas. Este tipo de pirataria é mais leve, sem agressão física”, disse.

Embora muitos assaltos não sejam comunicados, o presidente do Sintraqua estimou que aconteceram entre 80 e 100 assaltos à mão armada apenas no Estado do Amazonas nos últimos três anos.

Claudomiro Carvalho Filho, do Sindarma, lembrou que a falta de policiamento incentiva a ação dos criminosos nos rios da região da Amazónia. “Existem poucos polícias a atuar na vastidão da Amazónia (…) As quadrilhas estão a especializar-se e aumenta o volume dos delitos. Precisamos de mais polícias nos rios e, principalmente, de polícias que usem a inteligência. É preciso mapear quais são as quadrilhas, onde atuam, quem são os comerciantes que vendem os produtos roubados. Se não fizermos isto não vamos vencer essas quadrilhas”, avaliou.

O delegado Adriano Felix explicou que todos os municípios do Estado do Amazonas possuem delegacias de polícia civis, corporação responsável pela investigação dos crimes de roubo, mas a falta de efetivos atrapalha no apurar da investigação dos casos.

“Temos delegacias em todas as cidades do Estado do Amazonas, mas o número de polícias que está a atuar é pequeno”, reconheceu, lembrando, contudo, que além de contratar mais polícias é preciso que o resto do Brasil tenha um olhar mais dedicado para o Amazonas, porque é uma região que faz fronteira com vários países.

“O nosso estado é muito grande, o efetivo policial é muito pequeno. Nas nossas fronteiras percebemos a entrada de armas e de drogas. O Amazonas requer um planeamento e uma atenção maior porque é uma porta de entrada para o resto do país. Somos vizinhos de grandes produtores de drogas como o Peru e a Colômbia, e de vendedores de armamentos como a Venezuela. Isto ajuda e fortalece a ação da criminalidade na região, que acaba por conseguir os meios para praticar roubos das cargas de navios”, concluiu.

Carolina de Ré-Exclusivo lusa/Plataforma macau  15.06.2018

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