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“Não temos planos de recrutar mais profissionais”

A nova presidente do Instituto Cultural diz que a prioridade é racionalizar. Mok Ian Ian confessa que vai ser um desafio, tendo em conta as muitas áreas que o organismo tem em mãos. O património é uma delas. Nos últimos anos, o Governo gastou em média perto 50 milhões de patacas anuais para o conservar. 

Mok Ian Ian agarra a liderança do Instituto Cultural (IC) depois de tempos conturbados. Os relatórios distruidores do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) e do Comissariado de Auditoria (CA) assim como as demissões sucessivas de antigos presidentes deixaram a credibilidade do organismo debilitada. Em entrevista ao PLATAFORMA, Mok Ian Ian assume como prioridade a racionalização dos recursos  – um dos pontos críticos – e avança que pediu uma investigação interna na sequência do relatório do CA. Património e a relação com a China e países de Língua Portuguesa também vão ter primazia.

– Quais são as prioridades enquanto presidente do IC?

Mok Ian Ian – Uma das minhas prioridades é integrar os recursos do instituto, ou seja, gerir e organizar os recursos, incluindo os humanos sem aumentar o número de funcionários. Racionalizar melhor. Outro dos pontos-chave para este ano é a criação do Centro de Intercâmbio Cultural Sino-Lusófono. Vamos lançar o primeiro Festival de Artes e Cultura da China e dos Países de Língua Portuguesa.

  O que deve ser feito para recuperar a imagem do IC depois do relatório do CCAC que concluiu que, nos últimos anos, o organismo “tem recorrido ilegalmente ao modelo da aquisição de serviços no recrutamento de um grande número de trabalhadores”?

M.I.I. – Vamos seguir as indicações que foram mencionadas no relatório. Também faz parte das minhas prioridades garantir a estabilidade da equipa e dos trabalhos.

– Quantas pessoas trabalham no IC neste momento e de quantas precisaria para funcionar em pleno?

M.I.I. – Neste momento, temos cerca de 900 funcionários. Não é um número pequeno. Apesar de não sermos poucos, temos muitas atividades. Como referi, estamos a tentar encontrar maneiras de racionalizar os nossos recursos humanos de forma razoável e apropriada.  Vamos tentar levar a cabo os trabalhos que temos em mãos com os recursos existentes.

– Não sente portanto que precisa de mais gente?

 M.I.I. – Nesta fase, não temos planos de recrutar mais profissionais de forma significativa. Os desafios não são, no entanto, fáceis porque temos várias atividades em mãos como a preservação e conservação do património, projetos culturais e criativos, artes performativas, bibliotecas, museus e arquivos históricos.

– Como olha para as conclusões do Comissariado de Auditoria que detetou situações generalizadas e antigas de desleixo na catalogação e conservação do acervo bibliográfico, bem como “milhões gastos na aquisição de novos livros sem critério nas bibliotecas públicas de Macau”?

M.I.I. – Aceitamos as críticas porque o relatório aponta algumas falhas na gestão do instituto. Confesso que sinto uma grande tristeza enquanto responsável pelo instituto. Obviamente que se trata de um problema de gestão antigo. Por isso, nesta fase, dei indicações aos departamentos relevantes que me enviassem relatórios para investigação interna. Há uma investigação interna a decorrer. Se forem identificadas más-condutas ou negligência, o instituto vai tomar as devidas medidas.

– Sente que a população ficou com má imagem do instituto depois dos relatórios do CCAC e do Comissariado de Auditoria? O que deve ser alterado face aos seus antecessores?

M.I.I. – Não concordo com essa ideia de que a população tem uma má imagem do instituto. Relativamente aos meus antecessores, não sinto que seja particularmente melhor. Têm muita experiência e tenho o máximo respeito pelo trabalho que desempenharam. O contributo que deram ao setor cultural não pode ser ignorado. Quero aprender a partir da experiência dos meus colegas. Apesar de não gostar de me comparar com os antigos responsáveis, sei que é inevitável. Trabalhei muitos anos como funcionária pública em diferentes funções e por isso tenho alguma experiência. Estou bastante familiarizada com a forma de trabalhar da administração. Ao mesmo tempo, durante estes anos, sempre estive atenta ao trabalho do instituto cultural.

– Vai ser lançado, em julho, o Centro de Intercâmbio Cultural Sino-Lusófono que inclui um Fórum de Cultura, um Festival de Arte e Cultura da China e dos Países de Língua Portuguesa e um Programa de Apoio Financeiro para Atividades de Artes e Cultura da China e dos Países de Língua Portuguesa. Vai ter lugar ainda a Conferência Ministerial de Cultura. Pode adiantar-nos detalhes?

M.I.I. – Vamos organizar uma conferência de imprensa no dia 19 com mais pormenores sobre o evento. O festival já tem nome: Encontro em Macau – Festival de Artes e Cultura entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Será a primeira edição. Uma das medidas anunciadas pelo primeiro-ministro, Li Keqiang, quando esteve em Macau em 2016 para participar no Fórum Macau, foi de que o território devia aprofundar o papel de intermediário entre a China e os países de Língua Portuguesa, e um dos objetivos seria esse de criar um centro de intercâmbio cultural sino-lusófono. Este encontro vai servir como lançamento do centro. O Ministro da Cultura chinês vai estar presente. Vamos organizar cinco eventos: o Festival de Cinema entre a China e os Países de Língua Portuguesa, a Exposição “Chapas Sínicas – Histórias na Torre do Tombo”, o Serão de Espetáculos, o Fórum Cultural e a Exposição Anual entre a China e os Países de Língua Portuguesa.

– Pode adiantar nomes, por exemplo, de artistas que estarão nos eventos?

M.I.I. – O festival de cinema, por exemplo, vai incluir os trabalhos de um jovem realizador chinês, que tem tido bastante êxito, e do famoso realizador português, Manoel de Oliveira.

– Qual é o orçamento previsto para o Encontro?

M.I.I. – Adiantaremos esses detalhes na conferência de imprensa.

– A quem será entregue a curadoria das atividades culturais, por exemplo do festival e das exposições? Foi atribuída por concurso público? Quem foram os concorrentes?

M.I.I. – A maioria dos eventos vai estar sob a organização do Instituto Cultural e será levada a cabo pelos nossos colegas.

– E as restantes que não estão a vosso encargo?

M.I.I. – No futuro, o Encontro vai tornar-se uma marca do Instituto Cultural, exatamente como o Festival Internacional de Música e o Festival de Artes. Significa isto que se tornará um evento anual e regular.

– Além desta iniciativa, há mais novidades que possa anunciar?

M.I.I. – Em setembro, vamos ter uma grande exposição de pintura de Wu Li – que foi um pintor de excelência nos primeiros anos da Dinastia Qing, organizada em conjunto pelo Museu do Palácio de Pequim, o Museu de Xangai e o Museu de Arte de Macau. O que faz deste artista especial é a ligação que tem a Macau, onde estudou durante anos no Instituto de São Paulo. Tem excelentes trabalhos de poesia, pintura e caligrafia. E depois teremos todos os outros eventos normais, como o Festival Internacional de Música, em outubro, e a Parada Internacional, em dezembro. Também já estamos a organizar os eventos que vão assinalar os 20 anos da Região Administrativa Especial de Macau. 

  Como pretende conseguir um equilíbrio entre o conflito que diz haver “entre a conservação e o desenvolvimento”?

M.I.I. – É um problema comum que qualquer cidade em desenvolvimento enfrenta. A preservação do património é fulcral para o IC. Nos últimos anos, gastámos em média cerca de 50 milhões de patacas por ano na preservação do património – reparação, promoção, educação e investigação. A lei de preservação do património cultural, que entrou em vigor em 2014,  funciona como uma garantia. De acordo com a lei, o instituto tem o direito de exigir aos proprietários a manutenção dos espaços. No ano passado, também lançámos um mecanismo através do qual os residentes podem reportar ameaças ou problemas que identifiquem no património. Este mecanismo é uma forma de reunir informação, permite que a sociedade civil trabalhe em conjunto. Parece-me que hoje há uma maior consciência da necessidade de conservar o património. Num mundo cada vez mais globalizado, é especialmente importante proteger e preservar o património local. Em Macau, temos vários exemplos bem-sucedidos, como a revitalização do edifício que agora é a Biblioteca do Patane, a Biblioteca Sir Robert Ho Tung e a Casa de Penhores Tak Seng On. Estes exemplos mostram como a sociedade e o Governo podem trabalhar em conjunto no sentido de recuperar e reutilizar os espaços para uso da população. 

  Na programação dos festivais locais, por exemplo no de artes, parece haver uma aposta maior em espetáculos do Continente em detrimento dos internacionais. 

M.I.I. – Com base nos números deste ano do Festival Internacional de Artes, não é verdade. A maioria não eram do Continente, mas sim asiáticos. Basicamente, o nosso rácio em termos de espetáculos do Continente, locais e internacionais é praticamente igual ao que existiu até hoje. Por isso, o que aponta não é preciso. É verdade, no entanto, que metade dos espetáculos foram asiáticos.

– A que se deveu essa aposta?

M.I.I.   Verificámos que, nos últimos anos, a Ásia tem alcançado novos patamares no panorama das artes performativas. Tem quebrado tradições e adquirido uma dimensão internacional. 

– Como interpreta a polémica em redor do Festival Literário Rota das Letras deste ano, depois de três escritores terem deixado de vir porque, segundo a organização, a sua presença era “inoportuna” para o Gabinete de Ligação do Governo Central? O Governo vai deixar de apoiar o festival?

M.I.I. – O Festival Literário de Macau submeteu uma candidatura para financiamento ao Instituto Cultural, no ano passado. O princípio do instituto é apoiar as associações culturais locais que organizam eventos ou têm iniciativas que beneficiam Macau.

– Mas, o Governo vai continuar a apoiar o festival?

M.I.I. – Tendo em conta que a organização submete uma candidatura a cada ano, é difícil dizer se o Governo apoiará porque não sei sequer se vão fazer o pedido. 

– Também é artista. Como é estar do lado da decisão?

M.I.I. – Não é muito correto dizer que sou artista porque trabalho no Governo há muitos anos. Tenho as coisas bem definidas. Claro que, quando me consideram artista ou escritora, sinto-me lisonjeada porque é o reconhecimento do meu trabalho. É provável que esta nova função me obrigue, por algum tempo, a pôr de lado o trabalho criativo. Preciso de mais tempo e energia para levar a cabo as minhas funções. Todos temos diferentes fases na vida que implicam outras prioridades. Decidi aceitar esta posição e isso significa abdicar de alguma coisa.

– Como avalia a relação entre a arte e o poder político? Acha que há liberdade e que os artistas sentem que se podem expressar livremente em Macau?

M.I.I. – De uma maneira geral, sinto que Macau é uma cidade bastante livre e aberta, o que de facto dá aos nossos artistas um enorme espaço para criarem. Creio que não têm de se preocupar com muita coisa. Uma das prioridades do Executivo tem sido garantir mais recursos, incluindo económicos, para que os artistas locais possam criar. Desde que assumi a liderança do IC, que procuro reunir-me com as associações e artistas sempre que pedem para ouvir as opiniões e conhecer as necessidades reais, para a partir daí criarmos políticas.  

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Perfil

Mok Ian Ian licenciou-se em Direito (especialização em jornalismo internacional), na Faculdade de Jornalismo da Universidade de Jinan, Cantão. É mestre e doutorada em Ciências do Teatro pela Faculdade de Chinês da Universidade de Nanjing. Ingressou na Função Pública em 1994, como técnica superior no Gabinete de Comunicação Social. Em 2000, passou para o Instituto Cultural para exercer o cargo de Chefe da Divisão de Projetos Especiais. De 2001 a 2011, esteve na Delegação da RAEM em Pequim. Foi membro do Conselho de Administração do Fundo das Indústrias Culturais e, em 2017, voltou ao Gabinete de Comunicação Social. Em fevereiro de 2018, assumiu o cargo de presidente do Instituto Cultural.

Catarina Brites Soares  08.06.2018

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