A coligação opositora em Timor-Leste venceu as eleições com maioria absoluta, derrotando nas urnas o partido no poder, a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin).
Este resultado põe fim a oito meses de tensão política no país, mas não dá o poder político total à Aliança de Mudança para o Progresso (AMP), liderada por Xanana Gusmão e que volta a assumir o cargo de primeiro-ministro três anos depois de o entregar. Tudo porque o Presidente da República, Francisco Guterres Lu-Olo, foi eleito com o apoio da Fretilin. Ou seja, sem uma maioria qualificada (dois terços dos votos dos deputados), a AMP não consegue ultrapassar os eventuais futuros vetos presidenciais de Lu-Olo.
Por isso, três dias depois das eleições, os recados ao Presidente já começaram. “O Presidente Lu-Olo, para vetar, tem de apresentar duas razões: uma legal e outra política. Se a política tender para o partido dele – lamentavelmente não deixou de ser presidente da Fretilin – irei questionar”, assegurou Xanana Gusmão, numa conferência de imprensa conjunta ao lado do “número dois” da AMP, Taur Matan Ruak.
Estas legislativas registaram o maior número de sempre de eleitores, dentro e fora do país, mais centros de votação que nunca e foram um teste de fogo aos órgãos eleitorais, STAE (Secretariado Técnico da Administração Eleitoral) e CNE (Comissão Nacional de Eleições), que enfrentaram rumores, notícias falsas e propaganda que tentaram pôr em causa, sobretudo nas redes sociais, a credibilidade do escrutínio.
Ao longo dos últimos meses intervieram na crise governativa os partidos políticos, o Governo, o Parlamento Nacional, os tribunais distritais e o de Recurso, e o Presidente timorense.
Sábado passado foi o dia de todos os eleitores voltarem às urnas pela segunda vez em menos de um ano, e a quarta em 18 meses: Eleições locais, presidenciais e duas legislativas. Sem precedentes, a crise política dos últimos oito meses representou um teste, pacífico, aos vários contrapesos institucionais e constitucionais. E obrigou os timorenses a irem às urnas, pela primeira vez, fora do calendário regular, que é de cinco em cinco anos.
A um processo politicamente tenso, seguiu-se uma campanha cheia de insultos e críticas, mas na qual, à exceção de pequenos incidentes, não ultrapassou a violência da linguagem.
Para observadores timorenses e internacionais, o ato eleitoral foi justo, livre e transparente, com uma taxa de participação particularmente elevada: 80 por cento dos eleitores recenseados.
Feitas as contas, a AMP pode partir para o Governo sem ter de iniciar conversações com qualquer outra força política o que permite acelerar o necessário processo de formação da equipa executiva e, posteriormente de aprovação do Orçamento Geral do Estado para 2018.
Timor-Leste viveu 2017 já com orçamento mais curto – realizaram-se duas eleições e, tradicionalmente, gasta-se menos em tempos de votação – e acabou o ano sem conseguir aprovar as contas públicas, com a oposição maioritária a travar o programa governativo e o orçamento retificativo.
Tentar formar coligações adicionais poderia condicionar ainda mais o calendário, adiando a aprovação das contas num país cuja economia, tal como a maioria das famílias, continua a depender do Estado.
Uma eventual aliança com as duas forças mais pequenas no Parlamento, o Partido Democrático (PD), que terá cinco lugares, e a estreante Frente de Desenvolvimento Democrático (FDD), com três mandatos, só seria útil se, com ela, a AMP (34 deputados) chegasse aos dois terços dos deputados (43 de 65 lugares).
Os números do escrutínio evidenciam, também, uma grande polarização de votos, com os dois grandes a crescerem significativamente. A AMP obteve mais 45 mil votos que no ano passado, chegando à barreira dos 300 mil e a Fretilin obteve mais 44,6 mil, passando a barreira dos 212 mil. Este fator levou a uma forte penalização dos pequenos partidos e coligações.
Se os votos da AMP fossem divididos, proporcionalmente, entre os três partidos que a integram e tendo em conta a atual representação parlamentar, a Fretilin teria ampliado significativamente a vantagem sobre o Congresso Nacional de Reconstrução Timorense (CNRT).
Essa divisão daria ao CNRT (22 lugares) cerca de 62,86 por cento dos votos, ao PLP (oito lugares) cerca de 22,86 por cento e ao KHUNTO (cinco lugares) cerca de 14,26 por cento. Neste cenário, a vantagem da Fretilin sobre o seu mais direto adversário, o CNRT, liderado por Xanana Gusmão, tinha passado de 1.135 votos, em 2017, para quase 19 mil na eleição deste ano.
A tensão política do último ano parece não ter afastado o eleitorado, dado que a taxa de participação foi superior à registada em 2017, em que votaram cerca de 77 por cento dos eleitores, contra 80,86 por cento no passado sábado.
Essa mobilização notou-se também na diáspora, tanto pelo maior recenseamento, como pela elevada participação. Os resultados mostraram uma grande mobilização de apoiantes da Fretilin. Num país onde as remessas dos imigrantes são a maior fonte de receitas depois das provenientes de petróleo e gás natural, o voto da diáspora começa a contar. Este ano, os quase 4.700 votos expressos já representaram quase metade de um dos 65 lugares.
António Sampaio-Exclusivo Lusa/Plataforma Macau 18.05.2018