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Onde nem tudo é o que parece

Há quem diga que em Timor-Leste nem tudo é o que parece. É assim até na religiosidade onde se misturam rituais tradicionais com rituais católicos. E, naturalmente, é assim na política. Talvez uma herança do longo período de ocupação indonésia em que muitos tinham de esconder quem eram para sobreviver ou em que as alianças iam ‘flutuando’ para tentar ganhar mais um passo na luta pela independência.

Num país onde as ligações da família, do bairro, da aldeia, do grupo ou da ‘uma lisan’ (a casa tradicional) se entrelaçam e onde a história ainda está muito presente, com os protagonistas ainda ativos politicamente, estas ‘camadas’ de realidade tornam-se mais importantes. Esta dinâmica muito própria de Timor-Leste nota-se, particularmente em períodos eleitorais, especialmente no atual: eleições legislativas antecipadas, menos de um ano depois das últimas, e após longos meses de tensão política.

A maior alteração – que parecia impensável em meados do ano passado – é, claramente, no relacionamento da troika Xanana Gusmão, Mari Alkatiri e Taur Matan Ruak. Um relacionamento que tem origens no passado da luta, no combate político timorense interno, na relação entre os vários braços da resistência e no que tem sido, desde 1999, o complexo processo de construção do Estado.

Em 2006 – quando Timor-Leste esteve próximo de um sério conflito armado interno – Mari Alkatiri (Fretilin) era primeiro-ministro, Xanana Gusmão (CNRT) presidente e Taur Matan Ruak (agora PLP) era chefe das forças de defesa. O relacionamento que já era complicado rompeu-se, significativamente. Mari Alkatiri demitiu-se, Xanana Gusmão criou o Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT) e uma nova era na governação começou.

O período seguinte foi de convulsão interna: muitos deslocados internos devido ao conflito de 2006, um Governo de aliança de várias forças (a primeira versão da Aliança de Maioria Parlamentar-AMP) de nem sempre fácil convivência e muito para fazer.

E é no período 2012-2017 que um novo capítulo importante no relacionamento dos três líderes se constrói. Taur Matan Ruak é presidente – tinha sido eleito com o apoio claro de Xanana Gusmão – Mari Alkatiri é deputado e a Fretilin começa a votar com o Governo em matérias importantes, incluindo o orçamento.

A aliança CNRT-Fretilin, ou Xanana-Mari, consolida-se depois de 2015. Xanana Gusmão convida militantes da Fretilin para se unirem ao executivo e demite-se do cargo de primeiro-ministro, entregando as funções a um elemento da Fretilin, Rui Araújo, e ficando no Governo como ministro do Planeamento e Investimento Estratégico. O parlamento começa a votar, praticamente em unanimidade aspetos essenciais, incluindo o orçamento do Estado. Na Presidência, Taur Matan Ruak assume um quase papel de oposição, contestando repetidamente a ação do Governo, as prioridades do executivo. 

Duras criticas a grandes projetos, incluindo o da região de Oecusse, cujo comando é entregue a Mari Alkatiri, e ao da costa sul, Tasi Mane, investimento relacionado com o petróleo do Mar de Timor. Veta um orçamento – que o parlamento volta a aprovar por unanimidade e devolve – e chega a comparar Xanana e Alkatiri ao ditador Suharto. Tudo isto enquanto, ainda presidente, Taur Matan Ruak começa um novo partido, o PLP.

Salta-se para as presidenciais de 2017 e Xanana Gusmão faz campanha com a Fretilin para eleger Francisco Guterres Lu-Olo, líder do partido, como Presidente da República. O principal rival é António da Conceição, do PD, que conta com o apoio, entre outros, da mulher de Matan Ruak.

Eleições que dividem mais do que unem

É neste clima que se chega às legislativas de 2017. Xanana Gusmão convicto numa maioria absoluta do CNRT, a Fretilin publicamente a dizer que venceria mas, em privado, a admitir que isso poderia não ocorrer. O PLP com Taur Matan Ruak estreia-se. A Fretilin acaba por vencer por margem mínima, Mari Alkatiri mostra-se aberto a qualquer solução de Governo mas, depois de sobes e desces, acaba por fazer governo com o PD, minoritário, enquanto a oposição, semanas depois da posse, forma em nova AMP, dizendo ao presidente que quer governar.

E aqui começa a dança das alianças. Xanana Gusmão e Taur Matan Ruak – criticaram-se diretamente na campanha de 2017 – aliam-se e parecem ter resolvido todos os problemas. Há quem diga que é uma “aliança de guerrilha”: une-te ao teu adversário para derrotar um inimigo comum, neste caso Alkatiri. O PD, que outrora apoiou o CNRT, faz campanha com o programa do seu Governo com a Fretilin. Ainda que separadamente, os partidos garantem uma aliança pós-eleitoral.

José Ramos-Horta, que até aqui tem sido apartidário, regressa ao partido que fundou, a Fretilin e, literal e politicamente, veste a camisola do partido e faz campanha. As posições políticas polarizam-se e muitos tentam vender a eleição como uma luta entre o braço armado (Xanana e Taur) e o diplomático (Mari e Horta). 

Os líderes e militantes da Aliança de Mudança para o Progresso (AMP), incluindo Xanana Gusmão e Taur Matan Ruak, marcam parte do seu discurso por duras críticas à Fretilin, a Ramos-Horta e a Alkatiri. Muitos dos comentários referem-se ao passado da luta contra a ocupação indonésia e pela independência de Timor-Leste, com tentativas de alguns dirigentes de politizarem os diferentes braços da resistência: armada, clandestina e diplomática.

Matan Ruak diz que é para “abanar consciências” e uma resposta à Fretilin que, acusa, negou o esforço de si e de outros, deturpando a história.

O peso do reposicionamento de todos mede-se, dia 12 de maio, nas urnas. 

António Sampaio-Exclusivo Lusa/Plataforma Macau  27.04.2018

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