“Temos de mudar as mentalidades para resolver os problemas”

por Arsenio Reis

Dominic Sio diz estar preocupado com a falta de competitividade dos jovens locais e defende medidas mais ambiciosas para reforçar o papel de Macau como plataforma entre a China e os países lusófonos.

É uma das caras novas na delegação de Macau na sessão plenária da Assembleia Popular Nacional (APN) que tem início na segunda-feira, dia 5 de Março. 

Em entrevista ao Plataforma, o ex-deputado nomeado na Assembleia Legislativa (AL) de Macau salienta que vai dar prioridade ao fortalecimento do papel de Macau nas relações com os países de língua portuguesa, num contexto de valorização da RAEM no processo de integração regional da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau. 

– É a sua primeira reunião plenária como delegado de Macau na Assembleia Popular Nacional. Que expetativas tem para este encontro? 

Dominic Sio: É sem dúvida uma grande responsabilidade. Sinto alguma pressão, mas é algo que me faz ter mais força e confiança.

Eu já fui deputado na Assembleia Legislativa de Macau durante oito anos pelo que já tenho uma equipa comigo a trabalhar sobre assuntos locais. Após ser eleito como delegado de Macau na APN posso elevar estes trabalhos a um nível superior para apresentar sugestões ao Governo Central. 

No futuro vou procurar assumir também a ligação com os cidadãos comuns de Macau. 

A integração de Macau na região da Grande Baía deverá ser um dos assuntos em foco nas duas reuniões (da APN e CCPPC). Como é que Macau se deve posicionar neste processo para que possa ter relevância e vantagem competitiva, mantendo-se uma cidade distinta?

D.S. – O Princípio “Um País, Dois Sistemas” é desde logo a base. Em Macau temos um sistema capitalista e sistemas jurídico próprio e fiscal diferente. Estas são as principais diferenças em comparação com outras cidades da China. 

Em segundo, lugar por razões históricas, Macau está a desenvolver um papel de centro turístico e como plataforma que liga a China aos Países de Língua Portuguesa, em resultado de uma missão atribuída pelo Governo Central. 

E, na verdade, há pessoas que estão a duvidar como Macau utiliza esta plataforma neste projeto da Grande Baía. 

-Porque é que isso acontece?

D.S. – Antes de mais queria salientar que estou muito confiante face à colaboração futura de Macau, porque existe uma vontade de governos e empresas provinciais para colaborar com Macau e os países de língua portuguesa e aproveitar a plataforma de Macau. 

Em primeiro lugar vamos discutir como rever a parte ligada à importação e exportação. É importante que as empresas dos países de língua portuguesa encontrem pessoas de confiança que façam a ligação com os mercados da China continental. E Macau é o local ideal desde logo porque já está a fazer esse papel de ligação, apoiado pelo Acordo de Estreitamento das Relações Económicas e Comerciais entre o Interior da China e Macau (CEPA). Através deste mecanismo, os produtos de Portugal podem entrar no continente através de Macau, beneficiando de várias condições. Politicamente, para o governo de Portugal também há benefícios deste acesso por parte de empresas, havendo várias vantagens em termos de reforço das relações diplomáticas com a China.

– E Macau, como plataforma, é uma estrada de dois sentidos… 

D.S. – Exatamente. A China deve usar Macau como plataforma. Já temos cooperação aprofundada com Portugal, Brasil e Angola em várias áreas. Os principais investimentos são levados a cabo por empresas estatais da China, mas também existem outras empresas privadas. 

Os negócios dessas empresas estatais focalizam-se nos setores chave a nível nacional. Mas para estas empresas privadas, a maior dificuldade diz respeito ao financiamento. E para essas empresas privadas, como podem entrar no mercado dos países de língua portuguesa. Não é, absolutamente necessário passar por Macau, mas há uma miríade de empresas privadas na China hoje em dia que constituem um enorme potencial. 

– E o que pode e deve Macau fazer para apoiar essas empresas? 

D.S. – Temos de ajudar essas empresas a saírem do país para que os seus produtos possam ser exportados numas determinadas condições. Por exemplo, a entrada no mercado europeu seria um resultado, mas como este tipo de mercado já está saturado, estas empresas precisam de encontrar outros mercados. Os países de língua portuguesa são um mercado por explorar e muitas dessas empresas privadas chinesas encontram-se sediadas na província de Guangdong e, por consequência, na zona da Grande Baía.

Portanto devemos encorajar essas empresas privadas a irem lá para fora através de Macau, utilizando os recursos locais. Porque aqui há dinheiro e para essas empresas isso é muito atrativo. E as empresas de Macau também podem usar esta plataforma para saírem, para verem o mundo. 

-Mas há esta ideia de que as empresas de Macau não aproveitam bem esta plataforma. Concorda? O que pode ser feito para alterar a situação?

D.S. – Este tema da plataforma já tem mais de dez anos. O objetivo é que as empresas locais usem os recursos locais para alargarem os horizontes. 

Mas como sabemos este efeito para a grande maioria das empresas é quase zero. Poucas empresas aproveitam esta plataforma, por causa de dois fatores. Primeiro, devido à indústria do jogo, ou seja as empresas não precisam de sair pois aqui temos tudo e podemos aproveitar a riqueza.  

Em segundo lugar, por causa da escala do mercado de Macau. Quase não existem empresas com mais de 100 funcionários; é quase impossível a empresas locais saírem de Macau. Por isso, faz sentido empresas de Guangdong estabelecerem-se aqui em Macau, com uma sede, podendo aproveitar a experiência e redes dos empresários de Macau. Sei que os empresários de Macau são muito inteligentes e que conseguirão encontrar boas oportunidades de negócios através desta intermediação e cooperação com empresas de Guangdong e obter bom retorno. 

Em suma, primeiro Macau vai ser um intermediário nas áreas determinadas e específicas de acordo com as necessidades das empresas, especialmente focalizando-se como plataforma com os PLP.

– Que tipo de mais-valia e serviços podem ser colocados em prática?

D.S. – Desenvolver mercado nas áreas do direito e contabilidade e aproveitar os recursos existentes para prestar serviços a empresas da China continental.

É importante também desenvolver bem o financiamento especifico para apoiar o projeto da Grande Baía. 

Existe uma relação muito próxima entre comércio, financiamento e banca. 

O banco central da China indicou a sucursal de Macau do Banco da China para prestar serviços de compensação (clearing) para negócios em yuan disponibilizados em Macau relacionados com os países de língua portuguesa. 

Posteriormente foi criado o Fundo de Cooperação e Desenvolvimento China – Países de Língua Portuguesa, com um capital e mil milhões de dólares norte americanos. 

Contudo, o efeito é quase zero já que até hoje ninguém obteve financiamento através do fundo, nem um avo. 

Isto acontece porque é difícil. Hoje em dia também temos empresas locais para desenvolverem os seus negócios locais e na China Continental.

Quando o Fundo foi criado, foi estabelecido em Pequim. Mais recentemente a sede foi transferida para Macau. Mas, na verdade, o papel do fundo é como um gabinete de ligação, enviando os pedidos para a mesa em Pequim para aprovação. Espero que no futuro todos os pedidos sejam aprovados aqui para aumentar a eficiência de trabalho do Fundo, dado que o número de pedidos aumentará e é necessário melhorar o processo de aprovação.

-Uma outra questão diz respeito à criação de um seguro de crédito à exportação. O que pensa desta ideia? 

D.S. – Quando queremos vender produtos para países africanos existe um risco elevado na garantia de pagamentos. 

Primeiro, porque tem a ver com a moeda, em segundo, a questão da ligação entre os bancos. E de certeza que depois de vendermos os produtos podemos receber em dinheiro, em numerário, mas não podemos passar as fronteiras com o dinheiro, constituindo isto um risco muito elevado. 

Penso que em Macau podíamos aprender com a Europa, criando um regime de seguro de crédito para as exportações. Futuramente, vamos ter por causa do crescimento do comércio. 

Assim que esse regime for criado, as empresas da China continental estarão mais estimuladas para fazer uso de Macau como plataforma e as empresas locais também poderão ter um papel mais ativo. Isto vai trazer também benefícios para jovens para obterem melhores empregos.

– Voltando ao projeto da Grande Baía, que outros desafios vislumbra? 

D.S. – Este projeto tem um enfoque em relações de negócios. Mas, como delegado de Macau na APN, devo também procurar saber se os cidadãos estão a favor do projeto da Grande Baía. 

Não pode ser apenas para as empresas.  É preciso que as pessoas possam saber o que podem ganhar com isto. 

– De que forma é que isso pode acontecer? 

D.S. – Por exemplo, Macau vive problemas vários ao nível da habitação e transportes. Para os jovens, neste momento, as casas são muito caras e pequenas. 

Como neste momento há problemas muito graves, relativamente aos transportes em Macau precisamos de ter uma perspetiva mais abrangente. Por exemplo, ao fim-de-semana podemos aproveitar para passear por Zhongshan e outras zonas. O que podemos fazer é facilitar este processo de passagem da fronteira. Se no fim-de-semana houver muito congestionamento de trânsito podemos ir passear à China continental. Isto, por si, vai fazer com que os cidadãos tenham uma perceção favorável

De certeza que através deste projeto da Grande Baía vamos trazer novas oportunidades para os jovens para poderem estudar e trabalhar na China continental. 

Além de reforçar a colaboração económica e comercial temos de pensar nos interesses dos cidadãos. 

– Falando dos jovens, em Hong Kong. Uma parte da juventude manifesta receio face à integração na China continental e na zona da Grande Baía. O que deve ser feito para que os cidadãos, nomeadamente os jovens, não tenham receio de perder a identidade?

D.S. – É normal o receio de competir com outras pessoas. Já está manifestado este problema entre os jovens de Hong Kong, mas a situação de Macau deve ser encarada de outra forma. Ao encontrar estes desafios, o que fazer para fortalecer os jovens, como os tornar mais competitivos para abraçarem o desafio. É desta forma que devemos pensar. 

Em Macau devemos focar-nos em tornar os jovens mais competitivos antes do desafio. Por exemplo, através de educação, estágios nos departamentos do governo ou boas empresas para poderem aprender e dialogar com os melhores. Isto vai trazer mais benefícios para o desenvolvimento da sociedade de Macau para ser mais competitiva face a outras cidades da China interior. Se não o fizermos, dentro de cinco a 10 anos Macau será frágil, sem capacidade para competir como outras cidades (da Grande Baía). 

Sinceramente, estou preocupado com os jovens e a sua competitividade. Têm de ser mais fortes para abraçar os desafios relacionados com a Grande Baía. Mas sei que é difícil mudar as mentalidades. 

– A insuficiência de quadros altamente qualificados tem sido referida como um obstáculo para que Macau cumpra de forma mais eficaz as missões que lhe são confiadas nas relações com os PLP e no contexto da Grande Baía. O que fazer para tornear esta questão?

D.S. – Sobre formação de talentos, infelizmente temos dificuldades em certas áreas. Por exemplo, precisamos de criar um mecanismo de financiamento para as empresas, mas quem vai fazê-lo? Será necessário importar talentos. O mesmo se passa com os quadros especializados em língua portuguesa. Há insuficiência de quadros aqui em Macau, mas na China há talentos em boa quantidade. 

Portanto, temos de mudar a nossa mentalidade para resolver os problemas. Em Macau há várias limitações. Sei que isto vai demorar tempo. 

Temos de assegurar o apoio do Governo Central e também das cidades da Grande Baía. Cabe-me, como delegado na APN, reforçar esta ponte.

Temos de aproveitar também bem os amplos recursos financeiros que temos para centrarmos os nossos esforços num desenvolvimento mais qualitativo e não somente quantitativo. 

José Carlos Matias  02.03.2018

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