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Poder Neandertal

Na idade da pedra, “contactos sexuais indesejados” pela mulher faziam parte de uma sociedade rude e violenta, na qual o macho cumpria a reprodução e aliviava o peso da virilidade onde e quando a fêmea se pusesse a jeito – ou não. Hoje, numa sociedade culturalmente complexa e evoluída, tirando a morte, o crime de violação é o que mais agride a integridade física e os direitos humanos, entendidos no contexto da proteção do indivíduo. Surpreende por isso a catadupa de casos mediáticos um pouco por todo o lado, entre os quais surge Steve Wynn.

O primeiro avanço civilizacional que testemunhei em idade adulta deu-se quando veio à luz a podridão à solta nas catacumbas dos templos católicos, onde padres, bispos e cardeais tratavam da insanidade, violando crianças indefesas. Nesta altura, a cascata de casos mediáticos que expõem estrelas de Hollywood e magnatas da economia global terá talvez o mesmo valor civilizacional, passando a mensagem de que a impunidade corre sempre o risco de ser mera ilusão. Contudo, a sociedade global e mediática já deu várias provas de tender para limpezas perversas e irresponsáveis que destroem impérios, carreiras e fortunas em prol de interesses perversos que usam e abusam de um moralismo bacoco e tardio. 

Há cerca de 20 anos, quando cheguei a Boston para uma pós-graduação em jornalismo multimédia, recebi este aviso no primeiro dia do curso: “Cuidado quando forem seduzidos por aí nos bares… o desporto nacional é processar vítimas na teia do sexo fácil”. Não me esqueço do recado. Não porque me impedisse de olhar para quem olhou para mim, mas porque revela a sociedade que agora denuncia tantas vítimas que calaram durante décadas, tendo entretanto usufruído dos benefícios profissionais e financeiros – também eles ilegítimos – do tal “sexo indesejado”. 

Não há desculpas para o crime de violação; mas a evolução civilizacional inclui a presunção de inocência. A destruição de um indivíduo, seja ele ministro, artista de cinema ou magnata da economia, antes de se provar seja o que for, também é próprio da idade da pedra. Há um poder descontrolado, que trucida quem estiver pela frente, seja vilão ou vítima.

Que sirva de exemplo o caso do cidadão português detido e destruído em Macau por alegado abuso sexual dos filhos, quando o próprio Ministério Público já não acredita nisso. Como repor a estrutura moral e emocional desse indivíduo? Há males que não têm remédio.  

Paulo Rego  15.02.2018

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