“Pode realmente ser uma guerra que nunca vamos vencer”

por Arsenio Reis

O artista de Hong Kong Sampson Wong considera praticamente perdida a batalha de quem em Hong Kong contesta a influência de Pequim e a mão pesada dos últimos governos da região face aos movimentos contestatários. Ao aperto que diz sentir, o ativista responde com trabalho. Está na calha um museu da censura.

Artista, curador, académico e urbanista. Sampson Wong é um dos artistas mais proeminentes no panorama cultural atual de Hong Kong. É conhecido internacionalmente pelo que faz e pelas posições contestatárias que toma usando a arte, como aconteceu nos protestos pró-democracia do Movimento dos Guarda-Chuvas. Acusa Hong Kong de reservar cada vez menos espaço à liberdade de expressão e culpa Pequim. Diz que o futuro, ainda que incerto, aponta para que a região se torne uma cidade “semi-autoritária”. Sampson Wong considera o rumo difícil de inverter, mas não desiste de questionar o ‘status quo’, apesar de sentir que a censura é cada vez maior.  

– É verdade que está a construir um género de museu da censura, em Hong Kong?

Sampson Wong – É um projeto que tenho em mente há algum tempo. Desde que o meu trabalho e de Lam Chi Fai – “Our 60-second friendship begins now” – foi censurado em 2016, que penso em formas artísticas de responder ao aumento do número de casos de censura em Hong Kong. Este museu da censura será uma resposta brincalhona a todos os casos de censura. Pretendo escrever cartas com pedidos de desculpa aos censores.

– Há mais algum projeto para breve?

S.W. – Estou a planear um projeto com Lam Chi Fai, para este ano, que será a continuação do trabalho ‘pavilion series’. Desde que terminámos a obra ‘pavilion for our harbour’, que temos ponderado em possibilidades de criar outros espaços imersivos que abordem diferentes assuntos sociais. Na primavera, vamos estar a trabalhar no ‘pavilion for our living’, que se vai debruçar sobre a crise de habitação que afeta Hong Kong. Além deste, também estou a trabalhar num projeto – ‘ways of urbanist seeing’, que reflete sobre as muitas formas de caminhar e descobrir a cidade.

– Que papel devem ter a arte e os artistas da região, tendo em conta o momento que Hong Kong atravessa?

S.W. – É urgente que os artistas de Hong Kong façam arte pública e arte política que reflita sobre a influência da China no futuro de Hong Kong, sobre a situação de incerteza que a cidade atravessa e sobre a conjuntura política. Estou, no entanto, ainda mais interessado em projetos de compromisso social que tenham impacto direto nos assuntos da comunidade e que mudem o comportamento das pessoas. Também me tenho interessado mais por projetos contestatários que são criativos e artísticos do que por obras de arte para espaços artísticos que lidam com assuntos políticos.

– Como é que vê a relação entre Pequim e Hong Kong, sobretudo nestes últimos tempos? E de que forma essa relação tem afetado a arte e os artistas da cidade?

S.W. – É de esperar que a influência de Pequim sobre Hong Kong vá gradualmente transformar a região numa cidade semi-autoritária, como ficou claro nos incidentes políticos dos últimos três anos. No entanto, também é evidente que a comunidade artística de Hong Kong está mais ativa que nunca. De certa maneira, podemos afirmar que há uma comunidade artística alternativa bem sedimentada, que partiu da base, que está a crescer, e que tem o seu público a crescer também.

– Em entrevista ao The New York Times, o artista local Chow Chun Fai disse, e passo a citar: “Há três anos tínhamos de ser rápidos e barulhentos”, numa referência ao Movimento dos Guarda-Chuvas. E adiantou: O trabalho artístico recente é “mais sentimental, e temos a distância para contar a história e ouvir a história”. Acha que o Movimento dos Guarda-Chuvas foi também um ponto de viragem na arte em Hong Kong?

S.W. – Uma das mudanças claras é que há cada vez mais artistas a trabalhar ao nível da comunidade. Estão interessados nas questões que afetam os bairros e as pessoas, ao nível da pequena escala. Por um lado, os profissionais da área acreditam cada vez mais que a transformação só pode acontecer através do envolvimento da comunidade. Por outro lado, [esta mudança] também é de certa forma reveladora da impotência que sentimos quando lidamos com assuntos importantes, diretamente relacionados com política. 

– Em tempos, afirmou: “Estamos a travar uma guerra que não podemos ganhar. Para quê continuar?” É isso que sente?

S.W. – Acredito realmente que, a longo prazo, tendo em conta a clara ascensão da China, Hong Kong estará sobre a sombra do autoritarismo. Por isso, e em muitos aspetos, pode realmente ser uma guerra que nunca vamos vencer.

– Que alternativa resta aos artistas mais contestatários para conseguirem tornar público o trabalho que fazem?

S.W. – Em termos de canais para nos expressarmos, continua a haver muito espaço para as opiniões polémicas e críticas nos media de Hong Kong. Por exemplo, o suplemento de domingo do jornal Mingpao tem apoiado muitos projetos críticos e interessantes. Acho que os artistas, curadores e outros profissionais têm bem claro que, hoje em dia, temos de criar redes que permitam a distribuição na base da sociedade, caso uma obra de arte importante não consiga chegar aos canais de distribuição das plataformas ‘mainstream’. 

– Como é que interpreta a decisão do Governo de Hong Kong de tirar a sua peça – “Our 60-second friendship begins now” –, da mostra Fifth Large-Scale Public Media Art Exhibition: Human Vibrations? Se receiam as consequências das obras contestatárias, qual é o sentido de lhes atribuírem esse espaço desde logo?

S.W. – É muito mais complexo do que isso. Obviamente que acho triste que o nosso trabalho tenha sido retirado. A questão importante que está em causa é até que ponto os artistas têm o direito de falar sobre e interpretar os seus próprios trabalhos, depois de serem totalmente aprovados pelos curadores, eventos, etc. Acho que a relação potencialmente conflituosa entre todos os atores do mundo artístico face à liberdade artística e aos tão conhecidos, assuntos ‘sensíveis’, não é mais do que um sintoma do ambiente corrosivo que estamos a viver neste momento.

– Hong Kong está a tornar-se menos livre e aberta? Sente que Pequim está a tentar interferir cada vez mais?

S.W. – Acho que isso é cada vez mais evidente… E não há como contestar, já que a maioria dos relatórios sobre Hong Kong o tem confirmado diariamente.

– Sente que Hong Kong está a mudar em termos de identidade e liberdade de expressão? De que maneira isso se tem refletido na arte do território?

S.W. – Em termos de identidade, houve muita discussão à volta do assunto em 1997. Nas discussões de agora, assistimos a ambições diferentes sobre como Hong Kong, enquanto entidade política e comunidade, deve ser entendida, e isto é substancialmente diferente face às discussões anteriores sobre a identidade cultural de Hong Kong. Em termos mais gerais, o desejo político de ‘auto-determinação’ e a luta pela independência ainda estão por tratar nas artes visuais. Ainda assim, o cinema independente que reflete essas questões políticas urgentes está a crescer, apesar dos desafios que os realizadores encontram em termos de distribuição. No que diz respeito à liberdade de expressão, ainda está por perceber a linha limite para as organizações artísticas oficiais. Contudo, os artistas de Hong Kong ainda se esforçam por expressar nos media as limitações que encontram. 

A obra da discórdia

“Our 60-second friendship begins now” foi uma das obras de Sampson Wong que gerou mais controvérsia, depois de ser retirada do espaço público. A instalação, projetada na fachada do arranha-céus International Commerce Centre, fazia a contagem decrescente até 1 de julho de 2047, até quando ficou acordado a vigência do princípio “Um País, Dois Sistemas” entre a China e o Reino Unido, e que confere autonomia à região. A instalação coincidiu com a visita do líder chinês,  Zhang Dejiang, que ficou instalado num hotel ao lado do edifício. Na altura, o Conselho de Desenvolvimento Artístico justificou a decisão de retirar a instalação da 5ª edição da “Large-Scale Public Media Art Exhibition: Human Vibrations” com o argumento de Wong ter alterado o título e a intenção da obra sem consultar o curador e o departamento responsável pela exposição. O nome original – “Our 60-second friendship begins now” – foi alterado para “Countdown Machine”, depois da inauguração. O organismo do Governo encarou a atitude de Wong e do colega Lam como “desrespeitadora” e avisou que “punha em causa qualquer possibilidade futura de trabalhar o espaço público”. 

Sou Hei Lam  26.01.2018

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