Macau, para que te quero?

por Arsenio Reis

Comércio entre a China e os países de língua portuguesa passou a estar abrangido pelo regime offshore de Macau. Economistas apoiam a decisão, mas defendem que o território tem de fazer mais se quer ser relevante nas relações entre a lusofonia e o Continente.

As empresas ligadas ao comércio de mercadorias e de serviços entre a China e os países de língua portuguesa passaram a estar abrangidas pelo regime offshore de Macau. Os economistas Albano Martins e José Isaac Duarte defendem que, apesar do incentivo, o território tem de ser mais ambicioso para ser levado a sério como porta para a Europa e para o Continente.  Até agora, ainda não abriram novas empresas em regime offshore que operem na área de negócio.

Albano Martins afirma que a decisão do Governo de incluir a atividade no regime offshore – cuja venda e compra de serviços e mercadorias assenta no exterior, neste caso no espaço da lusofonia e do continente – foi para incentivar as empresas locais a fazerem comércio entre a China e os países lusófonos. “O que o Governo está a tentar dizer é:“vocês tem know-how porque conhecem a região, são chineses. Portanto, estão em posição privilegiada para fazer esse tipo de transação entre a China e os países lusófonos, e terem fontes de rendimento no meio disto tudo.”

José Isaac Duarte diz que a medida abre a porta a uma atividade para a qual existe uma clara orientação de política externa da China. “É antes de mais um sinal político”, afirma.

A atividade offshore tem como características ser dirigida para os mercados externos, ser exercida exclusivamente com não-residentes, e através de operações noutra moeda que não a pataca. 

Em resposta ao PLATAFORMA, o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau diz que não foram atribuídas novas licenças, desde que a vertente de negócio foi adicionada ao regime de offshore por despacho do Chefe do Executivo.

Até setembro, quando o Chefe do Executivo atualizou a lista, eram oito as áreas abrangidas pelo regime: consultoria em equipamento informático;consultoria e programação informática; processamento de dados; atividades de bancos de dados; atividades de apoio administrativo e arquivístico; atividades de investigação e desenvolvimento; atividades de ensaios e análises técnicas; e, serviços de gestão e administração de navios e aeronaves. 

“Agora alargou-se a novas áreas, cumprindo o desígnio que a República Popular da China (RPC) preconiza para Macau desde quase a sua constituição: Macau como plataforma para o comércio entre os países de língua portuguesa e a RPC”, afirma o advogado Pedro Cortés.

Albano Martins concorda que a decisão do Governo pode ajudar a fazer de Macau a almejada ponte e a diversificar a economia local, mas ressalva que é preciso ter a cabeça “fresquinha”. “Não vai gerar muita riqueza. Macau é uma plataforma muito limitada. O grande negócio não passa por aqui”, refere. 

Plataforma off

Apesar da palavra plataforma ser uma constante nos discursos oficiais dos governos local e central quando se fala sobre o papel que Macau deve ter nas relações ente a China e a lusofonia, Albano Martins entende que a cidade é dispensável já que a maioria das grandes empresas tem interlocutores diretos. À pergunta porque continua, nesse caso, Pequim a insistir que Macau pode ser um intermediário, o economista diz que só o Executivo saberá, mas atira: “Acima de tudo estão a ser simpáticos com Macau e a dizer a Macau para puxar pela cabeça. Ver o que pode fazer, usando esse instrumento que lhes estão a dar, embora esse instrumento não seja impeditivo das partes fazerem negócios bilaterais sem passar por Macau”.

Aqui, e para Albano Martins, são os empresários e as entidades locais que não estão a saber aproveitar a oportunidade. O economista afirma que os empresários de Macau sempre foram “limitados” e que, ao contrário dos chineses, gostam de negócios de curto prazo. Para o economista, contribui ainda a falta de apoio das instituições bancárias, ao contrário do que acontece no Continente. “Os bancos são de pequena dimensão e nenhum quer correr esse risco”, aponta.

Macau, vinca, acaba por ter aquilo que merece: “É uma pequena plataforma porque as pessoas querem ser pequeninas ou não têm capacidade para serem grandes”.

Isaac Duarte salienta que o objetivo de tornar Macau uma ponte, “cuja definição concreta ainda está por fazer”, precisa de mais do que facilidades de operação offshore. “Se a missão política está bem definida, aquilo em que ela se traduz em concreto precisa de amadurecimento, nomeadamente em termos dos serviços prestados e dos seus destinatários”, acrescenta.

Não se ficando pelas críticas, o economista defende que, antes de mais, Macau precisa de uma base “sólida” de competências e relações comerciais. “Medidas públicas podem potenciar ou ajudar a consolidar essa base, não se podem é substituir a ela”, realça.

Como exemplo de medidas que o Executivo devia tomar, Albano Martins defende a atribuição de linhas de crédito aos empresários que querem apostar no comércio de serviços e atividades entre os países de língua portuguesa e a China. “Não percebo porque é que o Governo de Macau não quer relutantemente aplicar linhas de crédito. Isso dá segurança e garantias ao empresário de Macau que tem medo de perder dinheiro porque o fornecedor pode ser um caloteiro”, explica. 

Paraíso, paraíso…

offshore à parte

A inclusão do comércio de mercadorias e de serviços entre a China e os países de língua portuguesa no regime de atividades offshore pode, no entanto, ser um novo empurrão, já que as empresas que operem na área passam a beneficiar de uma série de vantagens fiscais. 

Albano Martins e Pedro Cortés aproveitam para esclarecer que o conjunto de prerrogativas que gozam nada tem que ver com o facto de Macau ter sido considerado um paraíso fiscal pela União Europeia (UE). Em dezembro, a UE incluiu Macau na “lista negra” dos paraísos fiscais, constituída por 17 territórios, por, alegadamente não ter cumprido os padrões de transparência e permitir práticas abusivas. Entretanto, Bruxelas já decidiu retirar o território da lista e colocá-lo na lista cinzenta. 

Albano Martins explica que o que está em causa não é a atividade offshore, mas o controlo dos fluxos financeiros e o respeito pelas regras, neste caso da UE, na saída e entrada de depósitos. “Essa é que é a questão fulcral, porque é por aí que se faz a lavagem [de dinheiro] e se branqueiam os capitais. Há na Europa, zonas quase francas, como a Holanda, e ninguém põe em causa. O que está a ser posto em causa é o processo de controlo desses fluxos financeiros. E Macau tem de garantir que os controla.”

Sem esquecer o cumprimento de acordos internacionais, Pedro Cortés reforça que Macau, enquanto plataforma de comércio e serviços, tem de oferecer benefícios fiscais. “Não é por a carga fiscal ser mais baixa que, forçosamente, Macau entra na lista de paraísos fiscais. É, outrossim, se não tiver mecanismos de controlo de transações financeiras, que tem, e se não cumprir os requisitos de trocas de informações”, esclarece o advogado. 

O território saiu da “lista negra” depois de se ter comprometido com um prazo para assinar e implementar a Convenção multilateral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em matéria fiscal. 

“Não sei até que ponto é que a RAEM é mal vista pela OCDE, e não UE. Porquanto, quer parecer-me que do lado de Macau tudo foi feito para que isso não acontecesse. Não sei se falhou alguma decisão política, a verdade é que isso afeta e de que maneira a RAEM. Se, entretanto, o Executivo da RAEM ‘emendou a mão’ tal é muito bem-vindo”, afirma Cortés.

Depois da saída da litra negra, Macau foi incluído na chamada lista cinzenta, que integra os territórios que se comprometeram a fazer reformas na área fiscal e vão ser monitorizadas ao longo do próximo ano. 

O comissário europeu para os Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, deixou o aviso que Macau, e os restantes territórios na lista cinzenta, continuam “sob o radar da UE” e que regressam à lista das jurisdições não cooperantes, se não cumprirem os compromissos assumidos.

Já o Governo saúda a retirada de Macau pela União Europeia da lista negra de paraísos fiscais e reitera que a decisão só vem confirmar o que considera ter sido uma medida “parcial e unilateral da União Europeia”.

Em comunicado, o Executivo diz ter recebido o aval de Pequim para assinar o acordo multilateral de partilha de informações financeiras e fiscais com outras jurisdições, como os países da UE.

“Parece-me que as sociedades dos países da UE, e de outras regiões, têm muito a ganhar com a utilização de estruturas societárias na RAEM, permitindo-lhes entrar no mercado do Continente com vantagens que muitos desconhecem, como seja a utilização do CEPA”, insiste Cortés. 

O CEPA – Acordo de Estreitamento das Relações Económicas e Comerciais entre o Interior da China e Macau – assinado em 2003, tem como áreas modelo para a implementação Cantão, Shenzhen, Zhuhai, Foshan, Dongguan, Nanjing, Suzhou, Nanning, Jinan, Qingdao, Urumqi, nova zona de Pudong de Xangai e nova zona norte de Chongqing. 

Sou Hei Lam  26.01.2018

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