Capitais chineses limitados por Pequim e Washington

por Arsenio Reis

O investimento direto de empresas chinesas nos EUA caiu 35 por cento em 2017. O controlo de capitais em casa e a crescente rivalidade assumida no país-destino fazem prever que a queda se mantenha este ano. 

Depois de um 2016 recorde em que os investidores chineses tiveram nos Estados Unidos o principal mercado mundial de ativos de empresas, com 45,2 mil milhões de dólares aplicados, o investimento externo chinês no país registou no último ano uma quebra abrupta, de 35 por cento, atirando os volumes aplicados para um nível de apenas 29,4 mil milhões de dólares. 

De acordo com a consultora Rhodium, que monitoriza regularmente os fluxos de capitais chineses dirigidos às economias norte-americana e europeia, o número de negócios de compra de participações de empresas nos Estados Unidos caiu em 2017 de 177 para 141, ao mesmo tempo que diminuíram ainda mais acentuadamente os anúncios de futuras aquisições ainda não realizadas – menos 90 por cento, face a 2016, com as intenções de compras limitadas a um valor total de 8,7 mil milhões de dólares, o mais baixo dos últimos seis anos.

Os dados dos negócios fechados e dos negócios a realizar traduzem em primeiro lugar, segundo a Rhodium, o amuralhar contra a saída de capitais da China que tem vindo a ser levado a cabo pelas autoridades de supervisão financeira em Pequim desde finais de 2016. E, num segundo momento, a inversão das perspetivas de diálogo económico entre Washington e Pequim durante o primeiro ano da Administração de Donald Trump, com o reforço dos mecanismos de bloqueio ao investimento externo – a par com novas medidas de proteção comercial de que são exemplo as recentes tarifas especiais impostas à importação de painéis solares e máquinas de lavar roupa nos Estados Unidos.

“Grande parte desta queda é atribuível à repressão regulatória de Pequim sobre as saídas de capitais, mas os crescentes obstáculos regulatórios nos Estados Unidos – sobretudo, maiores dificuldades em obter autorizações do Comité sobre Investimento Externo dos Estados Unidos (CFIUS) – foram um segundo golpe para os investidores chineses”, reflete o relatório da consultora, publicado na última semana.

Se a origem e natureza dos investimentos não se alterou – 90 por cento continuam a ser iniciados por empresas privadas, e a quase totalidade (98 por cento) diz respeito a compra de participações sociais em ativos existentes –, a quebra de volumes é assinalável e reflete-se nas áreas de atividade mais sujeitas a restrições quer por Pequim, quer por Washington. 

A aquisição de empresas na área do entretenimento representou em 2017 um volume de investimento de apenas 524 milhões de dólares, ascendendo a 4,78 mil milhões de dólares no ano anterior. O investimento em imobiliário e hotelaria também caiu de 16,52 mil milhões de dólares para 10,4 mil milhões de dólares.

Tratam-se de dois setores classificados como estando sujeitos a restrições no novo regime de adotado por Pequim para combater investimento externo considerado “irrazoável”, e aos quais foram impostos controlos adicionais com orientações aos bancos chineses para que vigiassem o eventual impacto negativo do crédito a determinadas empresas chinesas nos respetivos balanços. A capacidade de endividamento das maiores compradoras chinesas de ativos internacionais foi também limitada por restrições impostas às subsidiárias no exterior.

Entre os negócios anunciados que acabariam por não vingar fruto das medidas de controlo de saída de capitais estiveram a compra de duas produtoras norte-americanas – Dick Clark e Voltage Pictures – pelo grupo Wanda e por um grupo ligado à produção de cobre, o Anhui Xinke, respetivamente.

Mas muitos outros negócios gorados foram noticiados ao longo do ano, desta vez devido a atuação da agência governamental americana que monitoriza a segurança do investimento estrangeiro no país, o CFIUS. O mais recente caso de bloqueio ao dinheiro chinês foi conhecido no início deste ano, quando a Ant Financial, do universo do grupo Alibaba, viu impedida a compra da empresa de remessas MoneyGram devido a preocupações com a segurança dos dados dos cidadãos americanos. 

Em 2017, o Comité sobre o Investimento Estrangeiro dos Estados Unidos passou a considerar novos riscos na avaliação aos investimentos planeados, passando a incluir também aqueles que digam respeito à transferência de tecnologia e à proteção de dados. 

É de prever que já durante este ano se intensifique o escrutínio e as barreiras regulatórias: o Congresso norte-americano deverá votar o “Foreign Investment Risk Review Modernization Act”, proposto em agosto último, e a Administração Trump apresentou uma nova Estratégia de Segurança Nacional que redefine a China como rival estratégica dos Estados Unidos.

Por outro lado, também na China, apesar de a preocupação com a saída de capitais ser momentaneamente menor, é de esperar o reforço dos controlos perante a continuada subida do preço do dólar.

“O apetite comercial chinês pela expansão do investimento nos Estados Unidos está mais forte do que nunca, mas os obstáculos regulatórios não vão diminuir em Pequim e é quase certo que aumentarão nos Estados Unidos”, conclui a Rhodium.  

Maria Caetano  26.01.2018

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