Angola a girar

por Arsenio Reis

O preconceito; o medo do outro; o vício de pensarmos que, sendo diferentes, somos exemplo… erguem barreiras e minam a percepção entre os povos. A opinião publicada em Portugal deixou-se obcecar pela corrupção em Angola; não vê o que quer que seja sem ver com superioridade moral. O angolano sabe que correu mal – devia ter corrido melhor. Quer mudar, mas não quer o dedo do antigo colono. A catarse está feita, mas deixa marca vincada.

A corrupção existe – vai continuar a existir. Mas há uma viragem óbvia na condução política do país; um discurso aberto, reformista e consistente. Nunca em Angola se falou tanto sobre corrupção e abuso do poder. Ouve-se o debate, a alto e bom som, pela voz dos próprios angolanos. Os órgãos de comunicação social do Estado, que tão condicionados estiveram durante tantos anos, lideram agora o debate. O resto do mundo está desatento, parece agora menos interessado em ouvi-los. Como se o vento que traz boas notícias aleija o senhor da crítica.  

O mundo faz mal em não ver; a mudança em Angola importa e é do interesse de todos. O investimento externo é preciso. Sabendo disso, Angola fará o que tiver de ser feito para recuperar a credibilidade e atrair moeda estrangeira. Está a ser negociado um bailout. Ninguém o diz, mas é óbvio. O câmbio disparou no mercado negro e o governo, com medo da ruptura social, estanca a chamada cesta básica: farinha de milho, frango, pão, óleo… Os ministérios apertam o cinto e a vida não vai ser fácil nos próximos dois anos. A corrupção não desaparece de um dia para o outro; o poder, em África, nunca será o de Londres ou de Paris. Mas o angolano sabe. Sabe a tia Jeca, que troca dólares na rua; sabe o mestre André, que conduz o carro com o orgulho de ser seu; sabe o ministro, a tia e o amigo… O angolano diz hoje de si próprio o que não quer ouvir da boca do outro. Porque diz com mágoa, diz de si próprio; o outro diz com superioridade moral e desdém. 

Há uma grande similitude entre o sonho angolano de credibilização e a luta contra a corrupção na China. João Lourenço não tem condições de ser tão duro como foi Xi Jinping; mas o Estado precisa da fortuna que a elite levou; o povo quer uma resposta cabal e definitiva; e o mundo tem de olhar para aquele país com outros olhos. Sente-se na rua, no palácio, nos jornais… Vai acontecer. Porque é feito por eles, em nome do seu próprio interesse. Não é para português ver. 

Paulo Rego  26.01.2018

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