Luta contra a sida: tabu esconde principal exterminadora de adultos em idade ativa

por Arsenio Reis

Se Moçambique não conseguir controlar a epidemia de sida nos próximos quatro anos, corre o risco de o combate à doença se tornar financeiramente insuportável porque a população continua a crescer a um ritmo elevado, alerta especialista no país.

A sida é a principal causa de morte entre os adultos em idade economicamente ativa em Moçambique, segundo dados oficiais. O Presidente da República, Filipe Nyusi, destacou-o em dezembro. O caso é grave e poderia supor-se que merece amplo debate. Mas o que acontece é o contrário. O primeiro passo para fazer prevenção sobre sida é não tocar no assunto. “Quando chegamos a uma comunidade ou a casa de um paciente, nós não podemos dizer quem somos”, descreve Angelina, 60 anos, ativista na Namaacha, sul do país. Os ativistas são pagos em todo o país por programas de combate à sida para sensibilizarem os residentes dos seus bairros. Levá-los a fazer o teste diagnóstico e seguir os que fazem tratamento – para que nunca deixem de tomar a medicação. Mas a desinformação, o tabu e o preconceito obrigam a fazer manobras. “Quando chegamos, primeiro, fazemos uma sensibilização sobre a Malária e sobre como combater o mosquito. Só noutro dia perguntamos: já ouviu falar sobre o HIV/sida? E vamos ver quem já fez o teste diagnóstico na família”. É esta a estratégia: entrar devagarinho, aos poucos, caso contrário, a população pode afastar-se, porque em muitas comunidades a sida – tal como outras doenças – é obra de espíritos, bruxarias ou invejas.

Esta abordagem em que a ciência é ignorada também existe noutras países, mas em Moçambique atinge níveis mais alarmantes, refere Alfredo Vergara, diretor residente do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC, sigla inglesa) dos EUA em Moçambique. “O grau de educação é bastante baixo e há uma grande proporção da população que é analfabeta”. Escrever e ler uma frase simples do dia-a-dia é algo só ao alcance de 60% dos 28,8 milhões de habitantes, segundo dados do Índice de Desenvolvimento Humanos da ONU. Este contexto “influencia muito o sistema teórico com que se abordam os problemas”, nomeadamente as doenças, realça Alfredo Vergara. E é neste cenário que muita gente nem sequer pensa em ir ao médico e, mais facilmente, se dirige a um curandeiro ou feiticeiro para procurar soluções. O problema é que sem diagnóstico e sem tratamento, as pessoas infetadas continuam a propagar a doença.

Risco de crescimento “agressivo”

Há cerca de 1,9 milhões de pessoas a viver com HIV no país, ou seja, um em cada oito adultos. “Temos uma janela de tempo limitada”, alerta Alfredo Vergara. “Com o crescimento da população, que é tão acelerado em Moçambique, se não conseguirmos conter a epidemia até 2022 ela pode aumentar de forma tão agressiva que será impossível de financiar para o país e para o Governo dos EUA”, o maior parceiro unilateral no combate à epidemia. A taxa de fertilidade em Moçambique está acima de seis crianças por mulher, é das mais altas de África, e a incidência da sida ainda não está a descer, apesar de o número de novas infeções ter caído de 120 mil em 2010 para as atuais 83 mil.

Tal como as coisas estão hoje, dificilmente o país conseguirá alcançar as metas internacionais da estratégia ‘90-90-90’ definida pelas Nações Unidas: até 2020 ter 90% da população com HIV diagnosticada, 90% desta em tratamento e 90% deste grupo a alcançar a supressão viral – ou seja, virtualmente incapazes de propagar a doença. Francisco Mbofana, secretário-executivo do Conselho Nacional de Combate ao HIV/sida (CNCS), refere que “há progressos”, mas também reconhece que Moçambique ainda está longe de alcançar qualquer um dos ‘90’. Aquele responsável estima que 50% a 56% da população com HIV conheça hoje o seu diagnóstico, que o tratamento antirretroviral chegue a 60% das pessoas infetadas e, embora haja poucos dados, que menos de 40% destes tenha alcançado a supressão viral. 

O CNCS tem “intervenções em curso nas unidades sanitárias, mas também ao nível das comunidades e famílias, com quem os indivíduos passam a maior parte do tempo”, com vista à sensibilização para a doença, explicando que não pode levar à discriminação. As iniciativas envolvem organizações não-governamentais (ONG), autoridades tradicionais, estruturas de bairro e líderes religiosos. Só ao nível das ONG, Francisco Mbofana estima que haja cerca de mil entidades envolvidas no combate à sida, uma tarefa em que todas as ajudas são bem-vindas.

Na vertente do tratamento, Moçambique pretende em 2018 estender a todo o país o princípio “testar-iniciar”, ou seja, levar automaticamente para tratamento antirretroviral todos os casos em que os testes sejam positivos, independentemente da carga viral. Para já, esta estratégia está a ser testada nas principais cidades e na província da Zambézia – a região central do país que regista maior taxa de prevalência de sida.

Novos laboratórios têm sido financiados pelos parceiros internacionais, havendo um número crescente de unidades sanitárias capazes de fazer o teste simples de HIV/sida, bem como 11 laboratórios de biologia molecular, mais avançados, com tecnologia para detetar a carga viral de cada amostra de sangue.  

Um problema no masculino

Um dos principais desafios na luta contra a sida em Moçambique é diagnosticar e tratar os homens, mais do que as mulheres, para evitar o HIV se continue a propagar. “Eles têm mais receio de ser alvo de estigma e discriminação que as mulheres”, refere Francisco Mbofana. A mulher é observada mais vezes pelos serviços de saúde, seja por causa da gravidez ou no pós-parto, enquanto o homem tende mais a fugir ao diagnóstico e tratamento.

Luís Fonseca-Exclusivo Lusa/Plataforma Macau  19.01.2018

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