Sinais de fogo

por Arsenio Reis

O mundo pouco ou nada sabe sobre Sulu Sou. Se ele gosta disto ou daquilo, se foi formado aqui ou ali, se pensa pela própria cabeça ou se está ao serviço de uma escola de pensamento, se o povo olha para ele com pena, indiferença ou preocupação… O que se sabe, por pouco que seja, é que é um jovem deputado, crítico do regime, teoricamente pró-democrata, presumivelmente perseguido e acusado de desacatos como estratégia para lhe retirarem o mandato e calarem o protesto.

A dificuldade que houve em encontrar um advogado de defesa diz bem da pobreza de espírito com que a Região vive este caso. Jorge Menezes, que em circunstâncias anteriores tem provado a sua particular apetência para dar o peito às balas, aparece novamente como uma espécie de paladino de causas difíceis, para dizer o mínimo. Desengane-se quem acha que o processo não é político ou quem pense que o regime local, neste caso, não tem o apoio silencioso do Continente.

Vejo este processo com enorme consternação. Suspender o mandato de um deputado para julgá-lo por desobediência qualificada num  qualquer protesto de rua ultrapassa, em muito, o tema da imagem internacional de Macau. O que está aqui em causa é a reinvenção do Segundo Sistema, a pretexto de formalidades legais.

A verdadeira questão é perceber o que Região Administrativa Especial quer para si própria e a forma como vive este pequeno drama político, de consequências imprevisíveis. Primeiro, porque a capacidade de resiliência do ser coletivo revela-se, mais uma vez, pobre ou inexistente, transmitindo a ideia de que os poderes, sejam eles formais ou informais, fazem o que muito bem quiserem e entenderem; depois, quer se queira quer não, está a criar-se um herói da resistência que ainda há meses levantou do mundo dos mortos o movimento dos jovens democratas, que havia praticamente implodido com o discurso radical tentado por Jason Chao nas eleições anteriores; finalmente, ninguém parece querer perceber que o regime mais ganharia em integrar o discurso crítico, nomeadamente na Assembleia, do que marginalizá-lo com processos ridículos e manipulados que um dia ainda poderá acordar o monstro do protesto adormecido.

No julgamento de Sulu So não se decide o destino de um político. Decide-se, verdadeiramente, o regime em que vamos viver. E este sinal não podia ser pior: não é de fumo, é de fogo. 

Paulo Rego

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