“É inútil ter medo”

por Arsenio Reis

Se perder o lugar de deputado depois de ir a tribunal, Sulu Sou promete não desistir da política. A Associação Novo Macau ainda não sabe o que vai fazer caso o ativista seja obrigado a abandonar a assembleia. O julgamento está marcado para dia 9 de janeiro.

Foi eleito deputado dia 17 de setembro. Quase três meses depois deixa, por enquanto temporariamente, o lugar que ocupou na Assembleia Legislativa. Sulu Sou é acusado de desobediência qualificada num processo relacionado com uma manifestação da Associação Novo Macau realizada no ano passado contra um subsídio da Fundação Macau à Universidade de Jinan. 

O hemiciclo foi chamado a votar para decidir se o mandato do jovem era ou não suspenso. Entre 32 votos, 28 foram a favor da suspensão. Sulu Sou vai a tribunal, sem medo. Diz ter feito tudo bem e não estar agarrado ao lugar de deputado. “Há outras formas de mudar a sociedade”, afirma.

– A suspensão do seu mandato como deputado por decisão da assembleia marca uma viragem em Macau?

Sulu Sou – É um momento decisivo na história de Macau porque é a primeira vez que um deputado é suspenso pelos colegas, desde a transferência de soberania. Acho que vai ter um grande impacto na sociedade, sobretudo, nos jovens. A partir de agora, vão preocupar-se e fazer mais para vigiar a assembleia e o Governo.

– Quando foi eleito sabia que ia ser difícil por ser jovem e democrata. Alguma vez pensou que uma prova como esta pudesse surgir tão cedo?

S.S. – Preparámo-nos para todas as situações, incluindo para este caso. Sabia que ia ser difícil para mim, não só porque pertenço à minoria democrata na assembleia, mas porque, dentro dessa minoria, ainda sou a minoria (por ser jovem). A nossa equipa sabia que este caso surgiria depois das eleições. Recebi a notificação do tribunal em junho. Notificaram-me a mim e ao Scott Chiang, (presidente da Novo Macau na altura) para irmos a tribunal no dia 28 de novembro.

– Como se preparou?

S.S. – Investigámos os casos similares pós-transferência e o caso de 1997, quando houve suspensão de mandato de outro deputado. Escrevi um documento com sete páginas que entreguei à assembleia. A parte mais relevante centrava-se na importância de defender a independência da assembleia e nas consequências de suspender o mandato a um deputado. Este era o ponto importante da discussão, mas poucos deputados falaram sobre isso. A outra parte do documento que escrevi explica o que aconteceu na manifestação do ano passado, quando quisemos entregar uma petição a Chui Sai On. Quero enfatizar que é um direito cívico expressar-se e entregar petições ao Chefe do Executivo. É um direito e não tem que ser previamente autorizado pelas autoridades. Fizemos questão de explicar a alguns deputados o que aconteceu nesse dia. Acho que alguns deles não sabiam o que se tinha passado. Só tinham lido os comunicados da polícia e do Ministério Público, que não dizem a verdade. 

– O que aconteceu durante a manifestação?

S.S. – Começámos a manifestação no Jardim Vasco da Gama. Comunicámos com a polícia desde o início e explicámos que queríamos entregar uma petição na casa do Chefe do Executivo. Quando estávamos na zona do Centro Comercial New Yahoon, perto do Silo de Nam Van (Pak Wu), e quisemos atravessar a rua, a polícia impediu-nos, disse que não podíamos caminhar na estrada e tínhamos de ficar no passeio. Mas, de acordo com a lei, a polícia pode obrigar-nos a andar no passeio, mas tem de garantir que há espaço para os manifestantes. Éramos milhares e o passeio era pequeno. Estivemos cerca de 20 minutos a falar com a polícia para caminhar na estrada e acabámos por aceitar ficar só no passeio. Ou seja, obedecemos às exigências das autoridades. Esta foi a primeira parte. Aqui a polícia também nos queria mover uma acusação, mas o Ministério Público rejeitou e encerrou o processo. Quando chegámos à zona do toldo branco dos Lago de Nam Van dissemos aos participantes que queríamos entregar uma carta na casa do Chefe do Executivo, mas deixámos claro que o protesto tinha terminado. Não fazia parte da manifestação e não era nada organizado. Cerca de oito a dez cidadãos decidiram ir comigo e com o Scott. Depois de uns minutos, a polícia apareceu com um aviso e acusava-nos de protesto ilegal. Disseram-nos que se não abandonássemos o local seríamos acusados do crime de desobediência qualificada. Passado cerca de meia hora na Penha, atirámos a petição para a casa do Chefe do Executivo. Abandonei o local segundos depois do último aviso da polícia, assim como o Scott Chiang. Também referi isto aos deputados: ainda que não concordássemos com a posição da polícia e considerássemos que estavam errados, obedecemos e abandonámos o local. Foi tudo pacífico. A polícia não fez detenções. Passados dois meses, recebemos o telefonema para comparecer na polícia e disseram-me que era acusado.

– Receia o que poderá acontecer a seguir?

S.S. – Não estamos preocupados. Sabemos que fizemos tudo de acordo com a lei. É inútil ter medo. Não podemos controlar nada. Não pudemos controlar a decisão da assembleia. O que vamos fazer é preparar-nos melhor.

– Acha que houve influência de Pequim?

S.S. – Não é impossível. 

– Quando tentou abordar os deputados para lhes explicar a sua versão, que reação tiveram?

S.S. – No início, queria falar com todos os deputados eleitos pela via direta, mas depois percebi que era complicado e por isso esforcei-me por falar com alguns. Ouviam-me e diziam-me: “Cuida-te”.

– O que mudou na forma como olha para a assembleia e para o Governo?

S.S. – A minha opinião não mudou. Já sabia como funciona o sistema político. Como disse, sinto-me triste não porque fui suspenso, mas porque muitos residentes, incluindo os jovens, se sentem defraudados. 

– O que acha que vai acontecer em tribunal?

S.S. – Muitos não acreditam na independência da Justiça. Se duvidar da independência do poder judicial, escuso de me esforçar. Só tenho uma opção: acreditar. O resto, não posso controlar.

– Se o tribunal o considerar culpado e o condenar a mais de 30 dias de prisão, perde o mandato como deputado. O que vai fazer? 

S.S. – Voltarei à sociedade civil e farei o que fiz até ser eleito: estar na rua. Acho que será um momento difícil para a Novo Macau. Os recursos financeiros são bastante escassos quando não temos deputados na assembleia. Mas temos outras coisas que podemos fazer para vigiar os poderes políticos e defender a sociedade. Antes de setembro, os jovens da Novo Macau não tinham representação na assembleia e sempre arranjámos forma de expressar a nossa opinião. Há muitas coisas que podemos fazer, que os deputados não podem, e que podemos impedir, que os deputados não conseguem na assembleia. Somos um movimento social que veio das ruas e voltamos para onde viemos. A assembleia não é o único sítio onde se pode mudar a sociedade.

– Qual passaria a ser o seu papel na Novo Macau?

S.S. – Não sei.

– Se por outro lado, o tribunal decidir pela sua inocência ou a pena não implicar os 30 dias de prisão, e voltar à assembleia, vai mudar a postura como deputado?

S.S. – Serei mais duro na forma como vou encarar momentos difíceis na minha carreira política. 

– Se perder o lugar como deputado, haverá eleições intercalares. Qual será a estratégia da Novo Macau? 

S.S. – Ainda não pensámos nisso. Só posso garantir que a Novo Macau tem como princípio não desistir quando temos oportunidade de mudar as coisas. 

– Alguns analistas consideram que a decisão de suspender o seu mandato é um recado que o Governo quer enviar aos jovens, sobretudo aos democratas. Concorda?

S.S. – O Governo acredita que silenciando os jovens democratas, todas as opiniões contrárias vão desaparecer. É ingénuo. A suspensão do meu mandato aumentou o sentimento de oposição na sociedade, sobretudo o dos jovens. É um aviso aos jovens, mas não tem qualquer sentido. A relação com os deputados que se opõem à Novo Macau melhorou. A suspensão vai afetar este progresso na relação entre os dois campos: pró e anti-sistema.

– Considerando o que se está a passar em Macau e em Hong Kong, acha que há uma estratégia de Pequim de cansar ativistas e políticos anti-sistema, acabando por fazê-los desistir e demover outros de enveredarem pela vida e ativismo políticos?

S.S. – Todos os governos querem que as pessoas lhes obedeçam, mas optam pela via errada para o conseguir. O caminho certo é o Governo trabalhar cada vez mais para conseguir mais apoio da população. Acho, no entanto, que o contexto é diferente face a Hong Kong. A suspensão dos mandatos dos deputados em Hong Kong esteve relacionada com assuntos mais graves. Aqui não há uma questão sensível. Trata-se apenas da entrega de uma petição. É um assunto local, que diz respeito a Macau. Não tem nada que ver com as autoridades centrais.

– Mas se não é grave e ainda assim implicou uma acusação de crime de desobediência qualificada, e a suspensão do seu mandato, o que é que isso diz sobre Macau? 

S.S. – Mostra que o Governo local tem medo e que não tem capacidade para lidar com as vozes que se opõem.

– Já lamentou alguma vez ter-se candidatado como deputado?

S.S. – A decisão que tomamos em cada momento é a certa. Não há arrependimentos!

– Foi criticado por outros deputados por ter divulgado o que se debatia nas comissões. De acordo com a lei, pode fazê-lo, mas os seus colegas censuraram-no. Vai continuar a fazê-lo?

S.S. – Vou continuar a divulgar o que se passa nas comissões porque é o que está certo: garantir que haja mais transparência. Enquanto deputado, a lei não me impede de divulgar o que se passa dentro das comissões. Tenho de frisar que não divulgámos conversas privadas tidas em família. Ouvimos e tomámos notas sobre questões que preocupam a sociedade. Os media e os residentes devem saber o que se passa dentro da assembleia. Os deputados receiam que seja divulgado quem disse o quê. Não querem que os nomes deles apareçam. Nunca referi nomes. Tomo nota dos tópicos principais da discussão. Mas criticaram-me. Sentem-se desconfortáveis e opõem-se a qualquer coisa que implique mudança e com a qual não estão familiarizados. O que estamos a fazer é normal no resto do mundo. Temo-nos limitado a fazer o que é básico na responsabilidade de um deputado. Mas eles entendem que está errado e que é ridículo.

– Porque acha que havia polícias na assembleia no dia em que foi suspenso e enquanto falava aos jornalistas?

S.S. – Também querem vigiar os cidadãos, como o Big Brother. Querem controlar qualquer cidadão que tenha uma opinião diferente. Isso faz com que se fique com medo de expressar opiniões. Querem criar um clima de medo e é por isso que usam câmaras. 

– O que vai fazer até que haja uma decisão do tribunal?

S.S. – Vou continuar a assumir as responsabilidades de deputado na defesa dos interesses dos cidadãos. Ligam-me e procuro ajudar. Também quero descansar depois deste momento difícil da suspensão e preparar a minha defesa em tribunal.

– Antecipam-se momentos decisivos na História de Macau, como a eleição do Chefe do Executivo e os 20 anos da RAEM. Qual é a estratégia da Novo Macau para consolidar o eleitorado e não permitir que casos como o seu sejam esquecidos?

S.S. – Fazemos publicações diariamente para impedir que as pessoas se esqueçam que há problemas. Se o Governo quer que haja estabilidade na sociedade, devia pensar mais no que faz em lugar de tentar combater as pessoas que denunciam esses problemas. 

Sou Hei Lam

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