Cegueira ambiental

por Arsenio Reis

A última reunião do Grupo Especializado para a Cooperação Ambiental entre Guangdong e Macau decorreu como habitualmente: informação nula e uma agenda vaga sobre “temas ecológicos que preocupam os residentes”, nomeadamente a monitorização da qualidade do ar, a transferência transfronteiriça de veículos abatidos e o controlo dos meios hídricos. O caricato comunicado emitido pela Direção dos Serviços de Proteção Ambiental conclui que vale a pena “aumentar a cooperação no futuro”.

Como em tantos outros temas sobre os quais vale de facto a pena pensar – e agir – Macau vive cantando e rindo à margem da realidade. O antigo diretor dos Serviços de Meteorologia – demitido na sequência do Hato – deu-se ao luxo de afirmar que a qualidade do ar nunca “esteve tão boa”, até porque, esclareceu, por cá nem se mediam as partículas pm 2.5 – apenas as mais finas e letais, resultantes da fusão entre a poluição industrial e a automóvel. Basta assoar o nariz e ver a fuligem acumulada nas narinas, ou reparar nos purificadores de ar que disparam os sensores quando se abre a janela para a pasta negra que respiramos.

A China vive um período tão vital quanto esquizofrénico. O ar de Pequim cheira a fim do mundo e já não há censura que esconda o céu preto das mães que evitam levar os filhos à rua. Os jornais criticam abertamente o “modelo de desenvolvimento” chinês e a Juventude Comunista aponta o dedo ao próprio partido e ao modelo de desenvolvimento económico com base na produção industrial massiva e na mão de obra barata. A poluição desafia o próprio regime, que soube estancar os efeitos da corrupção, mas enfrenta agora a poluição. 

A resiliência chinesa dita nova opção política: se é preciso limpar isto, melhor é transformar o problema numa oportunidade. Na próxima década, os biliões investidos na economia verde servem também para harmonizar a ecologia política e até para liderar a agenda internacional do clima. Macau, por ignorância e incapacidade, atira ao lixo uma oportunidade de ouro para se afirmar como exemplo na “Mãe Pátria”. Cheirar o futuro, que já nem a censura chinesa disfarça, é assumir a cidade limpa como prioridade absoluta. Mas para isso é preciso um mindset político menos poluído. 

Paulo Rego

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