Viagem à volta da fotografia

por Arsenio Reis

O Museu do Oriente, em Lisboa, oferece até 7 de janeiro um percurso pelos primeiros passos do processo fotográfico em Macau. 

Em 1844, passa por Macau um francês que se faz acompanhar de um conjunto curioso de volumes: várias caixas de madeira, contendo chapas de ferro, amoníaco e uma máquina inventada poucos anos antes por Louis Daguerre. Com ela, prende para a posteridade aquela que é a primeira fotografia da cidade que se conhece nos dias de hoje: no primeiro plano, um pequeno grupo de pessoas junto à água, mais à frente um pequeno fortim com mastro, algumas sampanas, e uma fileira de palacetes que se estende ao redor da água e sob a Penha, então coberta de algum casario e ainda sem a igreja que hoje se avista. 

Uma “Vista Parcial da Praia Grande”, de Jules Itier, foi captada em outubro de 1844, quando o fotógrafo, responsável das alfândegas francesas e geólogo, acompanha a embaixada de Theódore Lagrené até Cantão para a assinatura do Tratado de Whampoa – um dos chamados Tratados Iníquos que a dinastia Qing assinaria na sequência das Guerras do Ópio. Esta imagem, à guarda do Museu Francês da Fotografia, é ampliada e replicada sobre um grande painel abrindo a exposição “Macau, 100 anos de fotografia”, que pode ser visitada em Lisboa, no Museu do Oriente, até 7 de janeiro.

Rogério Beltrão Coelho, jornalista, editor e um especialista da fotografia de Macau, é o comissário desta exposição que acompanha o mês de dezembro e, assim, as comemorações da transferência de administração de Macau, no próximo dia 20. A mostra, montada pelo designer português Henrique Cayatte e organizada por Beltrão Coelho, tira dos baús dezenas de imagens das mais de quatro mil detidas pelo Museu do Oriente e, com elas, conta por um lado parte da história da fotografia em Macau, e ainda outra história que narra costumes e momentos marcantes dos séculos XIX e XX na cidade.

“Esta exposição não é uma exposição de arte fotográfica. É uma exposição documental que ajuda a fazer uma série de leituras sobre a importância que teve Macau, apesar de ser uma terra tão longínqua e tão pequena, e sobre, inclusive, a vivência, a forma como as comunidades, estando separadas, conseguiram conviver um pouco, mas coexistir sobretudo”, explica o comissário. “E coexistir de uma forma muito específica, que não podemos dizer com 100 por cento de rigor que foi uma colónia”, acrescenta.

Às imagens do Museu do Oriente, juntam-se algumas fotografias de coleções particulares que, por exemplo, documentam a participação de governadores e encarregados da Administração portuguesa em celebrações e eventos organizados pelas principais instituições chinesas de Macau: Associação Comercial, Hospital Kiang Wu, Associação de Beneficência Tung Sin Tong – o tripé que sempre equilibrava, de facto, o poder na cidade sob administração estrangeira. “Isto dá uma leitura de que, de facto, é um pouco diferente das outras colónias”, diz Beltrão Coelho.

Noutros pontos da película deste período, fixam-se momentos como as celebrações do 4º centenário da viagem de Vasco da Gama à Índia, as desventuras da grande expedição aérea portuguesa de Sarmento Beires e Brito Pais até Macau a bordo do “Pátria” – “Chegam a sobrevoar Macau, mas têm um acidente e o avião fica todo escaqueirado” – as visitas de Lisboa para elevar o moral militar no início conturbado da República portuguesa, ou para, mais tarde, preparar a participação de Macau na Exposição Mundo Português do Estado Novo. Ou, ainda, a tradição a que nenhum dos governadores escapava: “fazer a fotografia na gruta de Camões”.

Mas, além de mostrar o verso e o reverso da experiência colonial portuguesa a Oriente, a exposição é marcada por um conjunto de primeiros lugares na relação entre Ocidente e Oriente através da fotografia: das primeiras imagens de Macau e da China, captadas por Itier (as primeiras que nos chegam, depois de outro diplomata, americano, George West, não ter deixado história em imagens da sua passagem meses antes do francês), ao primeiro registo fotojornalístico profissional de Macau e da China (1867-1868) pelo escocês John Thomson, que viria a publicar vários álbuns destas imagens, passando ainda pelo primeiro álbum de arte erótica na China, por Heinz von Perckhammer, cujos retratos esfumados e discretos foram fixados na Rua da Felicidade, em Macau. 

A exposição dá ainda a conhecer os mais prolíficos dos fotógrafos de Macau – o português José Neves Catela – e os amadores mais jovens da fotografia da cidade – o macaense Carlos Cabral, que aos 19 anos produzia todas as imagens de um número singular comemorativo da viagem de Gama, o jornal Único, ilustrado das então chamadas albuminas (finas imagens fixadas com recurso à proteína do mesmo nome presente na clara do ovo). O trabalho dos primeiros estúdios de fotografia – entre estes A-Fong – está também em exibição, além de muitos amadores que registam a já então volúvel fisionomia de Macau na qual edifícios a preto e branco surgiam e submergiam à passagem de pouco tempo. 

Onde cada imagem, mais que substituir, suscita mil palavras, há muitas ainda que não estão nesta exposição, mas estão a ser procuradas. Beltrão Coelho revela que a “a ideia é a de identificar toda a coleção e, eventualmente, fazer até fotografias de outros períodos – e até temáticas, se for o caso”, procurando-se também alargar o conjunto existente, preservando-o para memória.

“Pode fazer-se muita coisa. O mais importante, de facto, era conseguir reunir aqui espólios particulares – dando nome às coisas, sabendo que é o fundo de fulano e prestigiando a figura e a memória dessas pessoas. Mas, isso está bem encaminhado”, diz o comissário. 

Maria Caetano

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