Portugal “tem de contactar diretamente” com turistas chineses

por Arsenio Reis

Portugal quer estagiários de Macau em hotéis portugueses para responder a um aumento de 40 por cento nos turistas da China. As autoridades dizem que este ritmo é para manter, mas o líder de uma plataforma de comércio avisa que para isso é preciso chegar diretamente aos chineses.

Cerca de 190 mil chineses visitaram Portugal durante os primeiros nove meses de 2017, mais do que em todo o ano de 2016, anunciou a secretária de Estado do Turismo portuguesa, Ana Mendes Godinho, na abertura do 43º Congresso da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), que decorreu em Macau.

Um aumento de 40 por cento em comparação com igual período do ano passado não passa despercebido, em qualquer parte do país.

“Notamos muitos chineses a entrar” no Estádio da Luz, diz Marta Cândido, da Direção de Eventos do Sport Lisboa e Benfica. “Temos excursões de 100 pessoas de 15 em 15 minutos,” acrescenta a promotora, que veio a Macau para o congresso.

“Este ano temos tido muitos chineses a visitar a Universidade” de Coimbra, confirma o vice-reitor Luís Menezes, responsável pela área do turismo. Aliás, recorda um encontro com uma comitiva de agentes de viagens chineses que voaram na primeira ligação direta entre Lisboa e Pequim, no passado dia 25 de julho.

A Beijing Capital Airlines, que faz parte do grupo HNA (acionista da portuguesa TAP), voa entre as duas capitais três vezes por semana e tem tido uma ocupação média de 80 por cento nos voos com destino a Lisboa.

E, segundo Ana Mendes Godinho, é precisamente esta ligação aérea que explica a enchente de visitantes chineses, que tem ajudado a alargar o turismo para todo o país, com destaque para o Alentejo, e durante a época baixa.

Macau, porta de entrada

Para a secretária de Estado “não há dúvida de que o mercado chinês é um mercado de futuro”, também com a ajuda de Macau, “cada vez mais uma plataforma natural de ligação entre os dois países”.

O presidente da APAVT, Pedro Costa Ferreira, concorda e descreve a cidade como “uma referência para Portugal, enquanto porta de entrada no mercado emissor mais importante do turismo mundial,” a China.

Em 2016, 135 milhões de chineses viajaram para o estrangeiro, o maior contingente turístico do mundo e também aquele que mais gasta: 261 mil milhões de dólares norte-americanos, segundo a Organização Mundial do Turismo.

Durante a abertura do congresso, o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura de Macau, Alexis Tam, prometeu ajudar Portugal a ir “ainda mais longe” no mercado da China continental.

O governo de Macau ajudou a organizar um encontro, logo no primeiro dia do congresso, entre empresas portuguesas e 46 agências de viagens chinesas, vindas de cidades como Pequim, Cantão, Xiamen ou Haikou.

Para adoçar a apresentação, a Associação de Promoção da Madeira lançou um guia do arquipélago em mandarim, com sugestões feitas por um convidado muito especial, o futebolista Cristiano Ronaldo, que tem quase 1,4 milhões de chineses a segui-lo na plataforma Sina Weibo.

Chegar diretamente aos chineses

Com o Facebook e o Twitter bloqueados na China continental, são as redes sociais chinesas o próximo desafio para o turismo de Portugal, diz Ming Foong, o diretor executivo para a Grande China da Travelport, a plataforma de comércio mais utilizada pelas agências de viagens.

“Atualmente – com os chineses cada vez mais ligados à Internet – não podemos depender apenas dos canais habituais de promoção para chegar aos potenciais clientes,” sublinha o responsável da Travelport para o negócio online.

Isso porque, em vez de irem a uma agência de viagens, os chineses preferem apostar em recomendações feitas por amigos ou líderes de opinião nas redes sociais como o WeChat ou micro-blogues.

“No fundo trata-se de ir ao terreno e comunicar diretamente com os consumidores para partilhar com eles tudo o que Portugal tem de bom e fantástico,” diz o executivo da Travelport, cujo negócio no país está crescer 6,6 por cento este ano, em relação ao ano anterior.

Mas nem tudo são rosas, admite Ming Foong, pois “há muitas pessoas nesta região que ainda receiam viajar para um sítio onde não saibam falar a língua local” e que por isso se limitam a países com comunidades chinesas, como por exemplo a Tailândia ou a Malásia.

Uma solução para ultrapassar esta limitação, diz, passa por “disponibilizar atendimento em mandarim, o que ajudaria muito,” não apenas a lidar com grupos de chineses, mas também a atrair ainda mais visitantes da China continental.

Uma solução já adotada por muitas lojas de luxo em Paris – um dos destinos mais populares na Europa para a crescente e endinheirada classe média chinesa – que contrataram pessoal que sabe falar mandarim.

Estágios para estudantes locais

Mas é precisamente a falta de mão-de-obra qualificada o principal problema do setor do turismo português, discutido há duas semanas no congresso da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), em Coimbra.

Segundo o Expresso, na altura a secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho, lembrou que o setor tinha criado 70 mil novos postos de trabalho em apenas 12 meses e já dava emprego a 350 mil pessoas em Portugal.

“As escolas de turismo nacionais, que formam anualmente três mil alunos, não têm capacidade de alimentar a procura de turismo que neste momento existe no país”, admitiu.

A governante veio ao congresso da APAVT em Macau com a missão de encontrar uma solução de curto prazo, que passa por levar estudantes de turismo das instituições locais para estagiar em hotéis em Portugal.

À margem do congresso, Ana Mendes Godinho encontrou-se com a presidente do Instituto de Formação Turística, Fanny Vong, para expandir um programa de intercâmbio que já existe e que este ano colocou 11 estudantes de Macau em escolas de turismo portuguesas.

“O objetivo é que em 2018 os estudantes chineses possam ir diretamente para os hotéis”, disse a secretária de Estado, que avançou haver já 14 empresas turísticas portuguesas interessadas em receber estes estagiários.

Mas as universidades portuguesas querem que o intercâmbio também se faça na direção da China, por exemplo na formação de guias turísticos, diz Luís Menezes. A Universidade de Coimbra tem cursos online para estes profissionais, mas o vice-reitor sublinha que “se nota já alguma dificuldade em encontrar guias de qualidade e o mercado chinês é particularmente difícil”.

Os jovens portugueses “ainda não estão sensibilizados” para as vantagens de falar mandarim, lamenta Mafalda Patuleia. A diretora do Departamento de Turismo da Universidade Lusófona acredita que “vai levar muito tempo” também a conseguir parcerias para estudar e estagiar na China.

Mas, numa nota mais otimista, acredita que a situação vai mudar, porque “até para os estudantes o principal fator para escolher uma universidade começa a ser a taxa de empregabilidade”. E mesmo em Portugal, a língua chinesa já dá emprego. 

Vítor Quintã

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