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Zhuhai ainda compensa

O valor das rendas é o principal motivo que leva muitas pessoas que trabalham em Macau a viver em Zhuhai. O economista Albano Martins avisa que os preços aliciantes da cidade podem ter os dias contados.

Wendi Song, David Fan e Manuel Silva trabalham em Macau e vivem em Zhuhai. Fizeram as contas e decidiram mudar-se, principalmente, porque a renda da casa era metade da que pagariam no território. A vida do lado de lá das Portas do Cerco só lhes tem dado motivos para continuarem na província de Guangdong, ainda que tenham de atravessar a fronteira todos os dias.

Manuel Silva, designer, mudou-se há cerca de quatro anos, depois de perceber que a relação qualidade/preço das casas era muito melhor face a Macau. “Não queríamos investir o nosso dinheiro, ou grande parte, em rendas”, diz.

O motivo também levou Wendi Song, colaboradora de publicações como a High Life Magazine, a mudar de morada depois de sete anos a viver em Macau. Como Manuel Silva, paga quatro mil yuans (cerca de quatro mil e oitocentas patacas de renda) por uma casa com três quartos, no condomínio Huafa New Century. Está a dez minutos da fronteira e demora vinte para a atravessar todos os dias e vir trabalhar. Diz que o truque é evitar a hora de ponta – entre as oito e as dez da manhã, e entre as cinco e as oito da noite. “Aqui tudo é mais barato e tenho mais qualidade de vida.”

A mesma que Jorge Vale sentiu que ganhou, enquanto viveu em Zhuhai. Quando se mudou, foi para um T3 novo. Também vivia no condomínio Huafa, com piscinas, espaços verdes, e vista para uma montanha e um reservatório de água. Pagava quatro mil yuans por mês e não teve de pagar três rendas mais a comissão da agência como normalmente acontece no território quando se assina o primeiro contrato de arrendamento. Em Macau, pagava cerca de oito mil dólares de Hong Kong (cerca de oito mil e duzentas patacas) num apartamento T3, no condomínio La Baie du Noble, na zona norte da cidade. “Numa questão de um ano ou dois passou para o dobro, e a senhoria já me estava a pedir 16 mil”, recorda.

As contas de Macau voltaram a pender para as de Zhuhai no caso de David Fan, que nunca abdicou de viver na cidade mesmo depois de começar a trabalhar em Macau. Percebeu que valia a pena manter a residência em Zhuhai quando se deu conta de que os preços de Macau estavam muito acima dos 2,300 yuans mensais (cerca de duas mil e setecentas patacas) que paga por um T1, a vinte minutos a pé da fronteira.

Os últimos dados recolhidos pelos Serviços de Estatística e Censos referem-se a novembro do ano passado, e mostram que havia cerca de 13 mil residentes a viver em Zhuhai e noutras regiões vizinhas, e a trabalhar ou a estudar em Macau. Mais 10,3 por cento face ao mesmo período do ano anterior. Já os não residentes na mesma situação eram perto de 77 mil, cerca de 43 por cento do total. 

A casa não é tudo

Todos dizem que o custo de vida, além do preço das rendas, é mais baixo, e referem que a maioria dos serviços – como transportes públicos, restaurantes, supermercados, Internet e telefone – são mais baratos. “Viver em Zhuhai é muito mais barato e vantajoso”, assegura David.

O técnico de som, de 28 anos, a trabalhar há cinco no território, valoriza poder pagar tudo com o telemóvel, comprar diretamente do website Taobao (similar aos eBay e Amazon) e poder desfrutar do serviço de bicicletas públicas que a cidade oferece.

Já Manuel Silva acrescenta a oportunidade de explorar cidades vizinhas, como Shenzhen ou Zhongshan. “Não estamos só em Zhuhai, o que torna a vida deste lado muito mais entusiasmante”, realça.

A “liberdade de movimentos” também foi uma das mais-valias para Jorge Vale. Poder apanhar um autocarro e um barco e estar numa ilha “fantástica” ou ir até Cantão com o comboio de alta velocidade foram detalhes que fizeram da estadia em Zhuhai um ano marcante. “Mas o que me surpreendeu mais foi a abertura das pessoas. Foi muito fácil fazer amizades. Zhuhai é uma cidade espetacular. Tem muita atividade cultural e muita oferta. Gostei muito de lá estar.”

E, provavelmente, ainda lá viveria se as autoridades da China continental não lhe tivessem rejeitado a renovação do visto. “Com o tempo, percebi que houve uma mudança de política e um maior controlo de quem vai para o outro lado. Sendo eu um membro dos media, apesar de não ser jornalista, foi-me recusado”, explica o produtor e animador de rádio.

Não há bela sem senão

Atravessar a fronteira parece ser o grande inconveniente, mas é um obstáculo que todos consideram menor face ao que ganharam com a mudança. “Obriga a uma gestão do tempo a que não estávamos habituados em Macau. Mas agora já custa pouco”, refere Manuel Silva, que consegue contornar o horário mais congestionado porque trabalha por conta própria.

Quando se fala em desvantagens, o criativo aponta a falta de qualidade de alguns produtos como a carne, que deixou de comer, a obtenção do visto, e as filas na fronteira. “Seria ótimo que tivéssemos um género de via verde como temos do lado de Macau”, refere.

Já David Fan acha Zhuhai mais suja e insegura, e considera as pessoas em Macau “mais bem-educadas”. Ainda assim, não quer mudar. “Comparando as vantagens e desvantagens, continuo a preferir viver em Zhuhai”, afirma.

Cuidado com Zhuhai

O economista Albano Martins avisa que a bonança pode acabar. “Como era uma zona menos desenvolvida, com menor crescimento e maior extensão de terra, os preços eram baixos. Mas o aumento da pressão no mercado vai fazer com que os preços também subam em Zhuhai”, prevê.

Martins explica que há dois tipos de residentes que optam por habitar na cidade: os que privilegiam o fator qualidade de vida e os que “não têm grande margem de manobra”, já que o salário que ganham não lhes deixa outra opção apesar de todas as “chatices” que viver em Zhuhai e trabalhar em Macau acarreta, como atravessar a fronteira e viver numa jurisdição diferente.

Para os que estão em Zhuhai para poupar e gostavam de viver em Macau, o cenário não é animador. “Ao contrário do que as estatísticas mostram, as rendas vão subir em Macau porque estão fortemente relacionadas com o valor dos imóveis, que tende a disparar”, prevê. A culpa, diz, é do jogo. “É o que comanda o setor imobiliário.”

Foi, aliás, a recuperação no setor que fez com que os preços das casas e das rendas voltassem a subir depois de um período de quebra, que começou em 2015. “Quando o jogo recupera, o setor imobiliário recupera. A recuperação do jogo cria mais riqueza. Há mais apostadores, e mais gente interessada em comprar casas para arrendar e para vender”, explica.

Para travar a especulação, o Governo aplicou algumas medidas como um imposto de selo especial que obriga os proprietários a pagarem uma taxa de dez a vinte por cento do valor da transação caso o imóvel seja revendido no prazo de dois anos. Albano Martins considera que a política só terá resultados com prazos mais alargados. “Tem de se fazer como se faz na China Continental. Quem compra só pode vender ao fim de cinco anos. Ninguém vai querer ter a sua liquidez, ou seja, o seu dinheiro, em betão armado por cinco anos para especular”, afirma. 

Se o objetivo é travar a especulação, o economista diz não perceber porque é que o Executivo não toma medidas mais eficazes em relação aos proprietários que fecham as casas à espera da melhor fase do mercado para as vender ou arrendar. “O Governo não os pode impedir porque a casa é deles, mas pode penalizar”, considera.

No entender de Albano Martins, a penalização passaria por aumentar a contribuição predial nos casos em que as frações estão fechadas e não há “justificação plausível reconhecida pelas autoridades” para não estarem no mercado.

Martins defende ainda que o Governo devia dar mais apoio aos residentes que não podem comprar casa e não reúnem os critérios para aceder à habitação pública. Alargar o regime de crédito à habitação bonificado, em que parte dos juros é suportada pelo Executivo, a residentes  não permanentes é uma das sugestões que deixa. Atualmente, os juros bonificados destinam-se somente a residentes permanentes, que tenham no minímo 21 anos, e não tenham adquirido uma fração nos três anos imediatamente anteriores.

Em resposta ao PLATAFORMA, o gabinete do secretário para a Economia e Finanças reitera que o Governo não vai avançar com novas medidas de tentativa de controlo dos preços no setor imobiliário enquanto não se perceber qual o efeito da redução dos limites do rácio de empréstimos para a compra de habitação. Esta foi a última medida tomada pelo Executivo para reprimir a especulação imobiliária. Em termos gerais, aplica um corte de dez a vinte pontos percentuais  nos  limites máximos dos rácios de empréstimos concedidos a residentes e não residentes, com exceção para os que querem comprar casa pela primeira vez. 

“Em Macau, as decisões são sempre mais políticas do que económicas porque mexem com muitos interesses instalados”, diz Albano Martins, que considera que o Governo não pode esperar e vai ter de tomar medidas “a sério” caso os preços voltem a disparar.

O problema do mercado local, acrescenta, é que um imóvel é comprado e vendido com facilidade. “Se se conseguir reduzir a rotação de venda, significa que se reduz o número de operações de especulação. A única maneira de o fazer é aumentar o prazo de venda. Arrefece o mercado. Não há vendas. A pressão é bem menor”, insiste.

O economista recua até 2003 e frisa que o preço médio do metro quadrado de uma casa é hoje 15,74 vezes maior. “Uma casa que custava um milhão no segundo trimestre em 2003 é vendida agora por mais de 15 milhões”, realça. “É um absurdo, mas não é só pelo preço das casas. Distorce os preços do mercado. O metro quadrado do cimento armado fica a valer muito mais do que um bem muito mais importante, cujo preço não subiu. E isto é o mais grave”, alerta. 

Sou Hei Lam

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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