Promoveram uma das maiores manifestações políticas do país, barraram o primeiro-ministro para reclamar o cumprimento de promessa eleitorais, estiveram na linha da frente no apoio à retirada dos manuais escolares com erros e denunciaram a destruição do edifício histórico do antigo consulado inglês no Mindelo. Chama-se Sokol s20017 e querem, a partir de São Vicente, levantar a voz dos cidadãos de todas as ilhas contra o centralismo da capital cabo-verdiana.
A cinco de julho, quando o “establishment” celebrava na cidade da Praia, na ilha de Santiago, o 42º aniversário da independência de Cabo Verde, milhares de cabo-verdianos saiam às ruas na cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, manifestando-se contra o centralismo da capital.
Num país sem grande tradição de mobilização popular e cívica, a manifestação surpreendeu pela dimensão e pelo nível de contestação a um Governo com pouco mais de ano e meio de funções.
Dois meses depois, a comitiva do primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva foi momentaneamente barrada por manifestantes à saída do aeroporto Cesária Évora, no Mindelo, aquando de uma visita à ilha.
Por trás dos protestos, está o mesmo movimento: o Sokols2017, um grupo de cidadãos que contesta o que considera o “centralismo exacerbado” da capital cabo-verdiana e a concentração de investimentos na ilha de Santiago. Um coletivo que quer ver o país regionalizado e descentralizado.
O Sokols2017 inspira-se nos Sokols de Cabo Verde ou Falcões de Cabo Verde, uma organização juvenil criada em 1932, em São Vicente, por um funcionário da Western Telegraph Company, à semelhança do movimento checo surgido em 1862.
Salvador Mascarenhas, um veterinário formado em Portugal, é o rosto mais mediático do movimento, mas rejeita o papel de líder num grupo de “simples cidadãos”, que tem “vários facilitadores”.
Em plena contestação à construção de um hotel no espaço daquele que foi o antigo consulado britânico do Mindelo, um edifício histórico entretanto demolido, e já a preparar nova manifestação para 13 de janeiro, Nelson Faria, outro dos “facilitadores” explica a génese e as motivações do movimento.
“A ideia surgiu a partir de um grupo de reflexão sobre a vivência, situação atual de São Vicente e de Cabo Verde resultante da atuação política” e da “necessidade de fazer valer a voz da sociedade civil” numa “democracia, até ao momento, ‘propriedade’ dos partidos”, resume.
Os elementos do movimento definem-se como “simples cidadãos” que se juntam num movimento “apartidário, orientado para o posicionamento político da sociedade civil” e que rapidamente foi rotulado de “bairrista” por defender mais para São Vicente.
“A conotação bairrista tem sido a menos própria”, lamenta Nelson Faria, destacando a intensão de fazer alastrar o movimento pelas ilhas: “[que] em cada uma [haja] um Sokols capaz de reivindicar as necessidades locais e fazer valer a posição do cidadão sobre a governação local e central”.
“Surgiu em São Vicente e atua sobretudo em São Vicente por esta [ilha] ser o epicentro do descontentamento generalizado, onde a população já se encontra num nível de consciência que possibilita atuação capaz de melhorar o bem comum”, sustentou.
Ao Sokols original, que em 1939 foi extinto e substituído pela Mocidade Portuguesa, foram buscar os “valores intemporais” do civismo, da atuação cidadã e da cultura do desenvolvimento pessoal e intelectual.
“Valores do bem comum são e serão sempre intemporais, por isso, serviram ontem, servirão hoje e ainda amanhã”, entende Nelson Faria.
Uma mobilização “quase” surpreendente
A polícia não divulgou os números da manifestação de 5 de julho e a organização apontou para mais de dez mil manifestantes, mas o certo é que as ruas do Mindelo se encheram de gente e sobretudo de indignação pelo que consideram as promessas não cumpridas de descentralização de investimentos.
Nelson Faria diz que, por um lado, a adesão foi surpreendente, mas, por outro, era de certa forma esperada. “Não é prática tanta adesão das pessoas às manifestações. Aliás, foi a primeira manifestação cívica, de caráter político, em São Vicente, com tamanho número de pessoas. Por outro lado, não surpreende dado o descontentamento generalizado da população e a necessidade de mudança do paradigma em que vivemos”, disse.
Coincidência ou não, nos últimos meses o Governo tem vindo a anunciar uma série de investimentos para a ilha. Contudo na proposta de Orçamento de Estado para 2018, São Vicente, apesar de ser a segunda ilha mais populosa do país, é apenas a quinta região em matéria de investimentos previstos.
“Como é possível que a população não se manifeste quando os ocupantes de cargos políticos se autodescredibilizam, são incoerentes e continuam a brincar com a expectativa das pessoas?”, questiona.
O movimento quer “um Cabo Verde equilibrado, justo, descentralizado e harmonioso, com oportunidades de emprego, educação e saúde para todos”. Por isso, prepara para o início do ano nova “resposta da sociedade civil” à forma como o país está a ser conduzido, e garante que “está fora de questão” tornar-se um partido político.
“O Sokols 2017 é e continuará a ser um movimento cívico, apartidário, com orientação para dar voz a sociedade civil na nossa democracia. Isto não quer dizer que o Sokols não venha apoiar a cidadania presente na governação, nomeadamente eleição de deputados sem trela partidária através de listas uninominais, ou movimentos independentes na governação das autarquias locais”, sustenta Nelson Faria.
Ativo em várias frentes, o movimento consideraria uma vitória, relativamente ao poder central, a conquista de mais descentralização e autonomia para as ilhas. Uma revisão constitucional que permita que as ilhas sejam tratadas como igual parte do arquipélago – com a possibilidade de desenvolvimento autónomo pelas suas capacidades e oportunidades -, meritocracia como via de ocupação de cargos públicos, e participação dos cidadãos como deputados na Assembleia Nacional através de listas uninominais, são causas pelas quais o Sokols 2017 promete bater-se sem tréguas.
A data da nova batalha já está marcada: 13 de janeiro, novamente em São Vicente e, esperam os ativistas, também nas outras ilhas.
Cristina Fernandes Ferreira -Exclusivo Lusa/Plataforma Macau