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Dentes cerrados com sorriso

O XIX Congresso do Partido Comunista, com início no próximo dia 18, entronizará ainda mais Xi Jinping, que controla diretamente a substituição de cinco dos sete membros do Comité Permanente do Politburo, bem como as 25 nomeações para o Comité Central. Muito se especula sobre o incómodo sentido por outras estrelas do regime, tais como o primeiro-ministro, Li Keqiang, ou o presidente do banco central,  Zhou Xiaochuan. Mas não há disso prova visível, nem qualquer oposição tem nesta altura a mínima viabilidade. Pelo contrário: o que discute em surdina é a eternização de Xi Jinping, muito para além do segundo mandato, tese que estará a acicatar a dita resistência invisível. 

Os analistas ocidentais tendem a definir esta liderança como mais próxima do populismo autoritário de Mao Tse-Tung do que da geometria variável de Deng Xiaoping. Tese, essa, sustentada por sinais como o gosto por paradas militares nunca vistas, como as que assistimos primeiro em Pequim, depois em Hong Kong; o músculo reforçado da censura, que volta agora a bloquear ao WhatsApp, canal que usa comunicações encriptadas; logo, o mais utilizado pelos internautas críticos do regime. 

A verdade é que nada, nem mesmo a aliança inicial com Jiang Zemin e os generais do antigo regime – entretanto quebrada – teve o efeito de escudo político e psicológico garantido pelo combate à corrupção. A comissão de disciplina está debaixo de fogo desde que Guo Wengui denunciou os negócios do seu líder, que de pobre não tem nada e estará por detrás de investimentos milionários, nomeadamente na geografia lusófona. Contudo, a razia feita a cerca de um milhão e meio de dirigentes, acusados de violação grave da disciplina partidária – eufemismo para corrupção – desfez a sensação de impunidade da classe política, antes intocável, promovendo em simultâneo a reorganização dos cargos partidários – à imagem e semelhança do líder – bem como o respeito do povo por esta razia inédita. 

Na moral política confuciana, só se contesta o poder quando este perde legitimidade, nomeadamente pela sua falta de virtude. Xi Jinping percebeu-o bem, tendo reforçado a sua legitimidade, na pele de paladino da governação limpa e virtuosa. A aparente esquizofrenia de um líder que cerra os punhos e os dentes para consumo interno, sorrindo ao mundo para se afirmar como ator respeitado nos palcos da governação global, será endeusada para a semana em Pequim. Esta é a China com a qual viveremos no curto, médio… quiçá no longo prazo.  

Paulo Rego

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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