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“A China foi quem mais ajudou Angola”

Belarmino Barbosa, delegado de Angola junto do Secretariado Permanente do Fórum de Macau, fala dos pontos que podem ser melhorados para reforçar as relações entre o Continente e Angola.

É o segundo maior parceiro lusófono da China e está em destaque na edição deste ano da Feira Internacional de Macau (MIF, na sigla inglesa). De 19 a 21, mais de setenta empresas e empresários angolanos vão estar no Venetian à procura de investimento e parcerias. Numa altura em que as relações económicas com a China voltam a crescer, o delegado de Angola no Fórum Macau refere o que pode ser melhorado para aumentar o investimento de Pequim no país. Os problemas na atribuição de vistos e na segurança são obstáculos que Belarmino Barbosa garante que o novo Governo está decidido a resolver.

– Como é que vê o destaque atribuído a Angola na edição deste ano da MIF?

Belarmino Barbosa – Todos os anos, o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) dá relevância a um país de língua portuguesa. O ano passado foi Portugal e este ano escolheram Angola. O objetivo é mostrar o que o país tem ao nível da produção interna. É importante porque dá a conhecer aos nossos parceiros, tanto de Macau como da China e de outros países de língua portuguesa, o novo caminho que o país está a seguir que procura a diversificação da economia.

– Acha que a MIF é eficaz na aproximação dos empresários dos diferentes países e na ajuda à concretização de negócios?

B.B. – Este ano vêm cerca de 70 empresas e empresários angolanos. A presença angolana tem vindo a aumentar, e este ano é maior pelo destaque que é dado ao país. Desde que estou aqui, há três anos, tenho sentido um interesse muito grande do IPIM em aproximar os vários interessados dos países lusófonos e da China. 

– Que setores e produtos Angola quer promover?

B.B. – São sobretudo os da indústria alimentar, incluindo bebidas – produtos como café. Chegámos a ser o terceiro maior produtor de café em 1973, e agora estamos a voltar a dinamizar a produção. 

– Qual é o feedback que tem dos empresários angolanos sobre o evento enquanto canal que facilita os negócios com a China continental?

B.B. – Manifestam interesse e dizem que também há interesse de investidores chineses. O problema, e uma das principais questões que se coloca, tem que ver com a entrada dos produtos no Continente. A China é um pouco exigente no que diz respeito à qualidade. É um assunto em que o país já está a trabalhar no sentido de facilitar o ingresso de produtos angolanos e dos países de língua portuguesa.

– É delegado de Angola junto do Secretariado Permanente do Fórum de Macau desde 2014. A seu ver qual é a importância do fórum?

B.B. – A China, tendo em conta os laços históricos de Macau com os países de língua portuguesa, soube aproveitar essa vantagem criando uma plataforma que ajudasse na relação comercial, económica e cultural, entre ela e os países de língua portuguesa. Quando se fala em relação não quer dizer, como alguns pensam e dizem, que a China quer tirar proveito dos nossos países. O objetivo é criar sinergias de modo a que, tendo em consideração as potencialidades e realidades de cada país, se possam congregar esforços visando a obtenção de benefícios mútuos no relacionamento com a China. É esta a importância do Fórum Macau.

– Acha que o Fórum Macau tem cumprido o papel de plataforma que lhe é atribuído?

B.B. – O Fórum Macau tem trabalhado muito no sentido de aproximar a China, sobretudo empresas e empresários, aos nossos países. As pessoas não acompanham o trabalho do fórum ‘in loco’ mas nós vamos permanentemente à China – se não for de dois em dois, é de três em três meses – a encontros e palestras com empresas chinesas para dar a conhecer o que os nossos países têm, as nossas potencialidades, a legislação sobretudo ao nível da economia e do comércio. Considero que o trabalho do fórum tem sido muito bem feito. Temos noção de que há um crescimento nas relações económicas entre a China e os países de língua portuguesa. Nós, que acompanhamos, vemos que há uma grande evolução.

– Há mais empresas angolanas na China continental desde a criação do Fórum Macau, em 2003?

B.B. – Já foi melhor. Estamos numa situação de crise provocada pela descida do valor do petróleo, que ainda é a principal fonte de riqueza do país. A queda do preço no mercado internacional teve influência no ingresso de divisas, que também diminuiu. Isso dificulta o acesso à divisa por parte dos empresários. Tendo diminuído a entrada, diminuiu a saída, e há mais controlo da saída de divisa porque há outras prioridades para o país neste momento. Isso limitou um pouco a possibilidade de muitos empresários investirem na China.

– Qual é o volume de negócios entre Angola e a China atualmente? 

B.B. – Em 2016, as trocas comerciais entre Angola e a China rondaram os 15 mil milhões de dólares, sendo o petróleo o principal bem comercializado entre os dois países. A China importou de Angola bens avaliados em mais de 13 mil milhões de dólares. De janeiro a julho deste ano, as trocas comerciais entre os dois países já superaram os 13 mil milhões de dólares (o que representa um aumento de 48,61 por cento face ao mesmo período do ano anterior) e a China já importou de Angola bens avaliados em 12 mil milhões (uma subida de 50,50 por cento comparando com o mesmo semestre do ano passado). Portanto, tem evoluído bastante. Se reparar, as trocas comerciais de Angola com a China rondaram os 15 mil milhões no ano passado, e, agora, só no primeiro semestre de 2017,  já vão em 13 mil milhões de dólares.

– Além do petróleo, que outros produtos e setores estão na base das relações comerciais entre os dois países?

B.B. – Mineração, agricultura, infraestruturas. Muito em breve, vamos ter um dos maiores – senão mesmo o maior – aeroportos de África, que foi projetado e construído com a China. No âmbito da diversificação da economia angolana, a China está a apostar na agricultura – em produtos como o arroz -, na mineração e pesca. O investimento é feito em zonas propícias ao desenvolvimento de cada área, mas está a haver uma grande descentralização face a Luanda.

– Sente que o investimento chinês tem ajudado Angola a desenvolver-se?

B.B. – Bastante. Depois de 2003, quando a China e Angola restabeleceram relações, a China financiou Angola em muitos projetos e realizou vários investimentos. É preciso ter em conta que Angola esteve em guerra quase 40 anos e nunca teve uma conferência de doadores. Normalmente, quando termina uma guerra, o país pede apoio internacional e há uma conferência de doadores. Angola nunca teve isso. A comunidade internacional entendeu que Angola era um país com petróleo e que iria superar as dificuldades sozinho. Foi perante a incapacidade de conseguir investimento que Angola se virou para a China. E a China disponibilizou-se a ajudar Angola prontamente. A China foi quem mais ajudou Angola durante este tempo todo. Foi o único país que num momento crítico, como o do pós-guerra, nos deu a mão e ajudou a reconstruir grande parte do país. É um parceiro que merece o nosso respeito e com o qual esperamos poder continuar a contar, dentro do que é considerado economicamente viável.

– Quais são as principais limitações com que se deparam os empresários angolanos que querem investir na China Continental?

B.B. – Não tem havido muitas limitações. Aqui, em Cantão, temos conhecimento de muitos angolanos instalados e não houve grande dificuldade. O problema é a manutenção dessas actividades devido à dificuldade actual em aceder a divisas para concretizar negócios. Talvez essa ideia do renmimbi passar a ser a moeda de troca possa ajudar. 

– No contacto que tem com o tecido empresarial na China, quais são as principais preocupações que os empresários têm relativamente ao investimento em Angola?

B.B. – Os vistos. A dificuldade de obtenção de vistos. É a primeira queixa que recebemos. A outra questão que assinalam é a segurança. Neste momento, diria que a questão da segurança é relativa. Não há nenhum país que tenha segurança absoluta. Angola é tão insegura como França, Bélgica ou Inglaterra. 

– Como é que Angola está a tentar resolver esses problemas?

B.B. – Angola tem das polícias mais bem preparadas do mundo. A segurança é uma questão a que o país está a dar muita importância. Quanto à questão dos vistos, é uma das prioridades do novo Presidente [João Lourenço]. O novo Governo quer arranjar maneira de facilitar a concessão de vistos o mais brevemente possível. Se estamos a precisar de investimento, não podemos travar os vistos. O novo Presidente já anunciou que a política de concessão de vistos será uma das primeiras medidas a tomar.

– Sente que a instabilidade que Angola atravessa pode desincentivar o investimento no país?

B.B. – Não desincentivou. Há um compasso de espera. As pessoas estão à espera das orientações do novo Governo sobre as novas políticas de investimento, e isso reduziu um pouco o interesse mas não quebrou. Haverá contactos com outras entidades que poderão ajudar no reingresso de divisas e que poderão apostar na diversificação da economia. Acreditamos que o novo Governo vai resolver muita coisa de maneira a recolocar o país nos carris.

– A seu ver quais são as grandes forças de Angola hoje em dia?

B.B. – Angola é um país potencialmente rico, ainda que não goste do termo “potencialmente” porque significa que temos as coisas mas não as temos. Mas Angola tem tudo: ouro, petróleo, café, terreno, diamantes. Se houver investimento, Angola vai tornar-se o Dubai de África como muitos dizem. É preciso é haver investimento que aposte na diversificação da economia, que o Governo está determinado em fazer.

– Relativamente a Macau. Como tem sido a relação entre os dois territórios?

B.B. – As relações com Macau centram-se sobretudo no âmbito institucional e na formação da nossa juventude. Muitos jovens têm vindo para aqui e para a China, através das bolsas de estudo que são concedidas aos nossos estudantes. É sobretudo nesta área da formação que Macau tem contribuído de forma muito significativa. Acho que Macau pode dar muito aos nossos países na parte da formação. Além disso, tem um papel importante no intercâmbio bancário, uma área onde tem feito muito, e no apoio às pequenas e médias empresas. 

C.B.S.

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