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Reforma no topo da cadeia de poder comunista

O 19º Congresso do Partido Comunista Chinês, a 18 de outubro, poderá trazer mudanças profundas, incluindo o fim do Comité Permanente do Politburo e o regresso da figura do presidente. “Ninguém vai dizer não a Xi Jinping”, diz Bo Zhiyue, autor de várias obras sobre as elites políticas chinesas.

A aproximação do 19º Congresso do Partido Comunista Chinês, marcado para 18 de outubro, tem feito crescer rumores e especulação sobre o novo elenco da principal estrutura de poder do país, o Comité Permanente do Politburo, mas também diferentes  conjecturas sobre a possibilidade de mudanças mais radicais na cúpula comunista que, no último congresso, em 2012, se viu reduzida já de nove para sete membros naquele que foi encarado com um primeiro passo de concentração de poder de Xi Jinping – desde o ano passado aclamado com o estatuto de “líder central” na história do PCC, ao lado de Mao Zedong, Deng Xiaoping e Jiang Zemin.

Desde que assumiu o poder, Xi Jinping conseguiu chamar a si não só a liderança dos três pilares da República Popular – partido, Conselho de Estado e forças militares – mas também a liderança central nos grupos de decisão sobre matérias que vão dos assuntos externos à economia e finanças (tradicionalmente assegurada pelo primeiro-ministro). Tem também feito ascender aos principais postos de liderança na Administração os seus aliados próximos, ao mesmo tempo que outros se veem afastados na sequência da ação da Comissão Central de Inspeção de Disciplina do partido, liderada por Wang Qishan.

Enquanto alguns analistas encaram a possibilidade de Xi Jinping alterar as regras que regem a constituição da cúpula do Politburo, de forma a permitir que os seus aliados mais próximos – sem experiência de chefia de cargos principais ou em limite de idade de reforma, como Wang Qishan – ocupem o naipe de sete do Comité Permanente, há também os que equacionam a possibilidade de reformas mais radicais no comando do PCC, e, por inerência, do país. 

“Uma das possibilidades é que [Xi Jinping] se veja livre do Comité Permanente do Politburo, para que os que lhe estão próximos passem a integrar o Politburo, que se tornaria um órgão de decisões muito poderoso. Xi Jinping poderia assim rodear-se dos seus, que apenas se qualificam para ser membros do Politburo”, admite Bo Zhiyue, especialista na política chinesa atualmente radicado na Nova Zelândia e autor de vários estudos sobre as lideranças provinciais e as elites políticas do país.

Bo Zhiyue faz notar que desde 1997 o Comité Permanente tem vindo a ser constituído por uma maioria de membros que, além de possuírem experiência relevante na liderança de províncias ou das principais cidades do país, detinham também altas qualificações académicas. Não é, diz, o caso de grande parte dos nomes hoje apontados como aliados próximos do Presidente chinês, onde abundam quadros que com este trabalharam nas províncias de Fujian e Zhejiang ou que estão associados a Xi por um percurso na província-natal deste, Shanxi, ou na universidade que este frequentou, a Tsinghua. 

“É um pequeno grupo de pessoas, estreitamente associadas a Xi Jinping. Estão em ascensão. Neste momento, nenhum deles está no Comité Permanente do Politburo.  De Chen Min’er, muito próximo de Xi Jinping, muitos dizem que irá provavelmente para o Comité Permanente. Não é de Fujian, mas de Zhejiang. Há ainda Cai Qi, que também trabalhou estreitamente em Fujian e sob Xi Jinping em Zhejiang”, descreve o analista sobre dois dos nomes mais próximos de Xi. 

Chen Min’er é o secretário do partido em Chongqing desde julho. Cai Qi ocupa o posto equivalente na capital do país, Pequim, desde maio. A este nomes se juntam os de Chen Xi, atual número dois do Departamento de Organização do PCC, natural de Fujian e ex-colega de Xi Jinping durante os tempos de universidade, e de He Lifeng, a presidir à Comissão Nacional de Reforma e Desenvolvimento desde fevereiro, e também um antigo quadro do partido em Fujian, entre  outros.

“Estas pessoas nada têm em comum. O seu contexto familiar é diferente, são de diferentes províncias, com diferentes contextos de educação também. Em grande parte, a característica comum é terem trabalhado com Xi Jinping”, descreve Bo Zhiyue, que faz notar o facto de alguns aliados mais próximos do Presidente e secretário-geral do partido possuírem um perfil ainda pouco compatível com o exercício de um cargo no Comité Permanente.

“Se virmos com alguma atenção, poucos têm uma formação académica normal, um diploma normal de universidade. Frequentaram programas de educação especiais. Têm diplomas de mestrado provavelmente obtidos da Escola Central do Partido, ou de uma escola local do partido. Não têm um grande nível de educação”, nota o analista. 

“Estas pessoas não têm qualificações para integrar o Comité Permanente do Politburo. Para que Xi Jinping consiga consolidar o seu poder precisa de rodear-se das suas pessoas”, nota Bo. A solução, diz assim, poderá passar por integrá-las no atual grupo de 25 do Politburo, pondo fim à estrutura do Comité Permanente. Bo Zhiyue entende que o Presidente chinês terá atualmente força para o fazer.

“Neste momento, parece que Xi Jinping não recebe qualquer resistência. Há quem fale em política de fações, mas não me parece real. Ninguém está a oferecer qualquer resistência às reformas de Xi Jinping. Olhando para os últimos cinco anos, tudo o que Xi Jinping quis, teve. Não tanto porque fosse o mais qualificado, o mais poderoso, ou o líder mais eficaz, mas simplesmente por causa da campanha anticorrupção”, defende o analista. “Ninguém quer arriscar o pescoço. Ninguém vai dizer não a Xi Jinping”, afirma.

Bo Zhiyue vai mais longe ao admitir que, no próximo Congresso, Xi Jinping possa criar um novo título para si próprio, o de presidente de partido e já não apenas secretário-geral, abrindo caminho para uma liderança sem precedentes desde 1982, ano em que o cargo popularmente associado a Mao Zedong foi extinto.

“Xi Jinping quer ir além dos dez anos. Se tiver esse novo título, de presidente do partido, terá uma razão para liderar por mais dez anos a partir de agora, para além de 2022”, equaciona. 

A centralização do poder no Presidente chinês terá também implicações para as regiões administrativas especiais de Macau e Hong Kong, defende o analista, avançando a hipótese de esta favorecer um controlo mais apertado sobre as regiões. 

“A preocupação mais recente da liderança central é na verdade que Macau siga o exemplo de Hong Kong. A implicação desta centralização do poder nas mãos de uma pessoa  é a de que liderança central vai exercer um controlo mais apertado sobre as duas regiões após o 19º Congresso. Não querem que Macau seja influenciado por Hong Kong e passe a estar orientado para uma forma mais independente de se relacionar. É essa a preocupação”, afirma Bo Zhiyue.

O novo Congresso deverá também trazer mudanças no Grupo de Coordenação Central dos Assuntos de Macau e Hong Kong, atualmente liderado por Zhang Dejiang, presidente do Comité Permanente do Politburo  e da Assembleia Popular Nacional, que se prevê que se reforme.

“Há muitos rumores. Uma possibilidade é o primeiro-ministro Li Keqiang passar a presidente do Comité Permanente na Assembleia Popular Nacional. É o segundo líder na hierarquia do partido. Outra possibilidade é Li Keqiang manter-se como primeiro-ministro e outra pessoa assumir o Politburo e ser o presidente da Assembleia Popular Nacional. Uma das possibilidades é Wang Yang, vice-primeiro-ministro do Conselho de Estado, o que é bastante provável”, diz Bo Zhiyue. 

Maria Caetano

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