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“Não é muito fácil estudantes do secundário de Macau virem para as universidades portuguesas”

A agilização do reconhecimento de exames pode expandir a cooperação de Macau com o ensino superior português, diz o vice-reitor da Universidade de Coimbra.

A dificuldade no reconhecimento de exames para acesso ao ensino superior e a falta de informação sobre a qualidade da oferta académica portuguesa são dois obstáculos a uma maior cooperação na formação de quadros qualificados de Macau em Portugal, numa altura em que a região avança apoios financeiros para a frequência de mestrados nas áreas de gestão, educação, direito, medicina e indústria criativas em instituições do país.

“Gostaríamos e poderíamos fazer mais”, afirma Joaquim de Carvalho, vice-reitor da Universidade de Coimbra (UC), uma das entidades escolhidas pelo Governo da RAEM para atribuição de uma série de cinco bolsas destinadas à “formação de elites”, cujos valores cobrem entre um quinto até a quase totalidade dos custos dos cursos, dependendo das instituições escolhidas.

O programa de apoio financeiro, lançado este ano, está a ser implementado pela Comissão Desenvolvimento de Talentos e atribui uma bolsa para o curso de mestrado em Gestão de Empresas Executivo da Universidade de Ciências e Tecnologia de Hong Kong (200 mil patacas de um valor total de 938 mil dólares de Hong Kong), uma bolsa para o programa Lisbon MBA desenvolvido conjuntamente pela Universidade Nova e Universidade Católica de Lisboa (198,300 patacas de um valor de 36 mil euros – ou cerca de 346 mil patacas), e três bolsas para mestrados da Universidade de Coimbra, nas áreas do Direito, Educação, Medicina e Criatividade Cultural (58 mil patacas para programas cujos custos ascendem até sete mil euros – mais de 67 mil patacas ao câmbio atual).

Para o responsável da Universidade de Coimbra, que tem vindo a acolher um grande número de alunos de Macau em diferentes níveis e áreas de estudo – 76 no último ano letivo -, o investimento que a região está a fazer na mobilidade e formação em pós-graduações portuguesas pode ser potenciado. No entanto, alerta para as limitações que alguns alunos formados no ensino secundário de Macau enfrentam ainda quando pretendem ingressar em licenciaturas ou bacharelatos do país.

“Não é muito fácil para estudantes que façam o secundário em Macau virem para as universidades públicas portuguesas”, explica Joaquim de Carvalho, defendendo que Portugal deve resolver questões como o reconhecimento dos exames de acesso ao ensino superior feitos no território. Um processo sobretudo mais complicado quando envolve alunos de nacionalidade portuguesa que não frequentaram o ensino português.

“Há muitos jovens chineses que estavam em Macau na altura da transição e receberam a nacionalidade portuguesa e isso, paradoxalmente, dificulta o ingresso nas universidades portuguesas porque se espera que os portugueses tenham feito o secundário e as provas gerais de acesso portuguesas”, explica.  

Joaquim de Carvalho defende que é preciso corrigir as lacunas e insiste: “Não temos aproveitado suficientemente todas as hipóteses e isso exige um esforço continuado de difusão mas também de agilização dos processos”.

A falta de conhecimento da qualidade do ensino em Portugal, continua, é outro problema. “Há um grande investimento a fazer na difusão para quebrar o medo do desconhecido e para que se passe a olhar para Portugal como um destino de ensino superior de qualidade”, diz.

Interesse recíproco

O Governo de Macau, porém, diz reconhecer o valor do ensino superior português. “Foi formado um grande número de talentos excelentes em Portugal”, indica. Em resposta ao PLATAFORMA MACAU, a Comissão de Desenvolvimento de Talentos explica porque continua a investir no país, em 36º lugar no índice de qualidade do sistema de ensino do relatório do Fórum Económico Mundial 2016/2017, que inclui 138 territórios.

Macau diz ter escolhido a UC por ser “uma das universidades públicas mais antigas de Portugal e do mundo”, mas também por ter “uma das maiores comunidades de estudantes internacionais”. Já com a aposta pioneira no Lisbon MBA, que inclui formação na MIT Sloan School of Management, o Governo pretende “formar quadros qualificados em gestão de empresas com horizontes internacionais”.

Anabela Possidónio, coordenadora do Lisbon MBA, diz haver um interesse recíproco que se traduz na possibilidade de parcerias com empresas locais mais do que com entidades de ensino. “Sendo a bolsa o primeiro passo, o segundo pode passar pela possibilidade de os alunos fazerem um estágio ou um projeto para uma empresa de Macau. Essa possibilidade existe e seria muito interessante conseguir explorá-la porque o nosso objetivo é expor os nossos alunos ao maior número de experiências possível”, diz.

No programa de apoios financeiros, a ligação histórica a Portugal continua a pesar, mas hoje há mais argumentos que levam a RAEM a escolher associar-se a instituições do país. “Portugal é uma espécie de espaço simétrico a Macau porque pode ser um interface para outros países”, diz Joaquim de Carvalho.  

Por outro lado, distingue “uma estratégia muito clara de formação de quadros bilingues nas áreas consideradas essenciais para o território”. “Parece-me que o território, e bem, reconhece a necessidade de ter quadros que não só são capazes de traduzir em português e chinês, mas que são competentes profissionalmente em áreas específicas nas duas línguas”, diz.

Macau, por sua vez, também permite fazer uma “série de pontes com a China que são muito preciosas”. Joaquim de Carvalho dá o exemplo do reconhecimento de um curso do ensino de português como língua estrangeira da UC no Continente pelo Ministério da Educação da China. “Nunca teríamos conseguido chegar ao fim do processo sem a cooperação, neste caso, do Instituto Politécnico de Macau. Nem saberíamos como começar”, assume. 

Investimento com retorno

O Governo apoia os alunos durante os cursos de mestrado mas obriga a que voltem a Macau para trabalhar durante pelo menos dois anos. Um critério visto como “justo”. Anabela Possidónio salienta que “quem está a financiar também quer ver retorno”. Joaquim de Carvalho subscreve e acrescenta que o Governo quer impedir aquilo a que se chama a “fuga de cérebros”. 

O vice-reitor da UC afirma também que as bolsas devem ser um “incentivo” e, por isso, acha normal que não paguem a totalidade das propinas. A coordenadora do Lisbon MBA defende que a bolsa do governo é “muito boa” e que “é importante que haja um envolvimento sério da parte do aluno” que também passa pelo dinheiro. “É um investimento como outro qualquer em que deve haver esse compromisso. Faz parte.” O Governo de Macau justifica os valores: “De um modo geral, essas bolsas de estudo não cobrem todos os custos dos cursos.”

Joaquim de Carvalho espera, no entanto, que as bolsas levem a Portugal os melhores e não os que têm mais capacidades económicas. No ano letivo passado, a UC recebeu 76 alunos locais (35 com cidadania portuguesa e 41 com nacionalidade chinesa), um número que o vice-reitor quer que cresça. “Gostaríamos de ter mais pessoas de Macau.”

O Governo garante que vai “continuar a promover” os apoios no próximo ano e refere que foram atribuídas duas das bolsas destinadas aos mestrados da UC para 2017/2018. Quanto ao Lisbon MBA, considera aumentar o número de bolsas no futuro. Para este ano, o prazo de candidatura foi estendido até 6 de outubro porque houve “muitas consultas” e porque o curso só começa em janeiro. 

Catarina Brites Soares

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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