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Manobras de campanha

Desde a meia-noite de sábado, os candidatos às eleições legislativas palmilham as ruas de Macau em atividades de campanha para a votação de dia 17. São 186 candidatos para 14 lugares em sufrágio direto e cada voto conta – dizem que já não há óbvios eleitorados-alvo.

O pontapé de saída foi dado, como tem sido tradição, na Praça do Tap Seac. Ainda faltavam alguns minutos para a meia-noite de sábado e já alguns cabeças de lista estavam de cartazes em punho numa ânsia de afixá-los primeiro que os concorrentes, durante a cerimónia simbólica que marcou o início dos 14 dias de campanha permitidos pela Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa. Os mais entusiastas foram os candidatos e apoiantes das listas que concorrem pela via direta às eleições para a 6a Assembleia Legislativa (AL). São, ao todo, 24 listas, depois da desistência da número 5. 

Durante cerca de uma hora, centenas de pessoas entoaram palavras de ordem e abanaram bandeiras, faixas, balões e até placas de néon, para seguirem depois com a festa por outras ruas da cidade. Uma das listas que conseguiu um maior impacto visual foi a número 12 – Poder dos Cidadãos, formada por alguns conterrâneos de Fujian. O cabeça de lista, Sze Lee Ah, vestido com roupas a fazer referência ao exército, ‘comandou as tropas’ num pequeno desfile ao longo da praça. Os apoiantes exibiam t-shirts vermelhas com o retrato ilustrado de Sze nas costas, de boina e cabelo escuro caído até aos ombros, a fazer lembrar a famosa imagem do comandante da revolução cubana Ernesto “Che” Guevara. 

O escrutínio do dia 17 irá determinar quem, entre 186 candidatos, vai ocupar os 14 lugares destinados aos deputados eleitos por sufrágio direto; há ainda 12 assentos para os deputados eleitos pela via indireta, num total de 15 candidaturas. Mais tarde, o chefe do Executivo, Chui Sai On, irá anunciar os sete nomeados da nova legislatura.

 

Esperança e mudança pós-Hato 

Na tarde de domingo, os candidatos Pereira Coutinho e Leong Veng Chai estiveram a distribuir panfletos na Rua da Praia do Manduco. “Vivi naquela rua desde que era criança”, diz Coutinho, apontado para a Travessa de Inácio Baptista. A zona não recuperou ainda totalmente das inundações que a fustigaram, no dia 23 de Agosto, com a passagem do tufão Hato. 

Lojas e supermercados continuam em trabalhos de recuperação e o Mercado de São Lourenço está parcialmente fechado. Uma das vendedoras de peixe e marisco, que ali trabalha há 20 anos, queixou-se a Coutinho das consequências do Hato. “Esta senhora diz que a maior dificuldade é agora esperar que as pessoas recuperem o poder de compra”, traduziu o candidato, observando que vários residentes viram-se obrigados a gastarem o seu dinheiro e poupanças nos trabalhos de recuperação de casas, veículos ou negócios. “O nosso programa estará agora mais focado no pós-tufão. As pessoas procuram recompor as suas vidas, tanto as lojas como as habitações. Houve também silos submersos e agora algumas pessoas não têm capacidade financeira para a compra de um novo carro”, acrescentou o presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau. 

Já na rua, depois de uma ronda pelo mercado, Coutinho foi abordado por um senhor idoso que lhe garantiu ter saído do autocarro onde seguia propositadamente para o cumprimentar. O líder da lista 6, e deputado há 12 anos, lembra que longe vão os tempos em que a sua candidatura à AL tinha quase exclusivamente como prioridade a defesa dos interesses dos funcionários públicos. “Hoje em dia é muito difícil circunscrever zonas de Macau que possam dar mais votos a uma determinada lista”, afirmou, demonstrando otimismo em relação aos votos de eleitores ligados a sectores mais tradicionais. 

Na terça-feira de manhã, foi a lista número 18 – Aliança P´ra Mudança, liderada por Melinda Chan, que se dirigiu à Rua da Praia do Manduco. Jorge Valente, o número 3 da lista, explicou que no Mercado de São Lourenço, assim como no Mercado Vermelho, as principais queixas dos residentes relacionam-se com “a recuperação da vida no imediato”, após as cheias. Já noutras zonas da cidade as preocupações prendem-se mais com a compra de casas. “Nas políticas para a habitação há bastante falhas, nunca mais se constroem casas sociais e económicas suficientes, o processo para a atribuição dessas casas continua a ser uma lástima, pode ser bastante demorado. Os funcionários públicos também têm dificuldades (…), não conseguem planear a sua vida, não sabem se vão ter esperar pela (eventual) política do Governo para os funcionários públicos poderem adquirir habitação”. 

Antes de uma visita pelo mercado, Melinda Chan também destacou as inquietações dos mais novos. “Os jovens universitários quando acabam os seus cursos querem ter mais oportunidades de emprego”, afirmou. Numa tentativa de dar mais voz às novas gerações, a Aliança P’ra Mudança decidiu nesta candidatura integrar na lista “jovens, portugueses e macaenses”.

À procura de um lugar ao sol

O cabeça de lista pela Associação do Novo Progresso de Macau, Sulu Sou, procura um primeiro mandato na AL. Nem a chuva, forte na segunda-feira de manhã, demoveu o candidato da lista 7 e restantes membros de saírem à rua para o apelo ao voto. Às primeiras horas, estiveram na zona de Mong Há e Sulu Sou seguiu depois para o NAPE para aproveitar a azáfama que ali se vive à hora de almoço. 

Aos 26 anos, Sulu Sou não é novo nestas andanças. Já fez campanha em 2013 quando era segundo na lista do deputado Au Kam San. O candidato realça que apesar de a lista 7 “ser a mais nova desta eleição, com a média de idades nos 31 anos”, o seu número dois é Paul Chan Wai Chi, um dos fundadores da Associação Novo Macau (ANM) e deputado da 4a legislatura. “Não procuramos que o nosso eleitorado seja composto apenas por jovens. As campanhas na rua servem mais para contactarmos com as pessoas que não utilizam a Internet. A nossa lista é uma mistura entre juventude e experiência”, enfatizou. 

De forma a convencer mais eleitores, a lista 7 decidiu igualmente apresentar-se nesta candidatura com uma imagem renovada, com os seus membros a usarem fatos em todas as iniciativas que promovem. “Muitos cidadãos associam-nos a manifestações e protestos. Sentimos que também devíamos desenvolver a outra imagem, mais profissional. Temos muitas facetas e temos de mostrar que também somos fortes noutras vertentes, como na elaboração de programas políticos”, explicou o vice-presidente da ANM. Embora seja cabeça de lista, Sulu Sou mostra algum desapego pelo estatuto que um cargo de deputado poderia vir a oferecer-lhe. “Queremos trazer reformas e revitalizar a AL, mas apenas como um meio para tornar a sociedade civil mais forte”, garante. 

Tal como Sulu Sou, também Agnes Lam tenta sentar-se pela primeira vez no hemiciclo. A lista número 4 – Observatório Cívico, passou grande parte de domingo em campanha de rua na zona da Avenida Horta e Costa. Quase contígua ao Mercado Vermelho fica a sexagenária Casa de Chá Long Wa, o local eleito pelo Observatório Cívico para a apresentação do programa político. 

À hora de almoço, entre o barulho dos ‘fai chi’, de loiça a tilintar e de conversas paralelas, destacava-se a voz de Agnes Lam ao microfone, que anunciava como prioridades do Observatório Cívico a necessidade de um diploma que permita preservar as zonas verdes de Coloane, assim como a eliminação das lacunas do regime jurídico do erro médico, que entrou em vigor este ano. “Deveria haver um fundo para acidentes médicos, como já há um fundo para lidar com acidentes de viação em Macau, que ajuda com as despesas mais urgentes enquanto decorre a investigação”, afirmou a professora universitária, que tem dois médicos na lista assim como um advogado com experiência em defesa dos direitos dos pacientes. 

Depois de duas tentativas falhadas nas legislativas anteriores, Agnes está agora mais “confiante”, por ter “melhores táticas” e uma “equipa composta por pessoas com mais conhecimentos e provenientes de contextos mais diversificados.” A candidata tem ouvido queixas dos residentes focadas no dia a dia. “Há muitas pessoas que eu ajudo por causa de problema de infiltrações (‮$‬ه). Na verdade, esta situação deixa-me com um sentimento estranho. Os residentes ficaram mais ricos, mas as suas preocupações continuam a ser muito básicas”. Esta constatação faz o Observatório Cívico defender uma “legislação mais bem feita, para a qualidade de vida das pessoas não continuar a diminuir”. 

Olga Pereira

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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