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“Macau tem um potencial gigante na lusofonia se se desempoeirar”

Laura Vidal, presidente da associação juvenil Conexão Lusófona defende que Macau deve modernizar-se e apostar na juventude. 

A conexão juvenil é uma rede de jovens dos vários quadrantes da lusofonia criada há dez anos. Laura Vidal, presidente, fala da participação crescente da associação na vida institucional da CPLP e na vontade de trabalhar também a ligação a Macau.  Os primeiros contactos foram feitos no início deste ano, e a organização espera encontrar parcerias para o projeto que mantém online – o site Conexão Lusófona – e na área da ação cultural. Para Laura Vidal, o lugar de Macau no espaço lusófono pode crescer, o que implica modernização e uma aposta nos jovens. 

– O que é a Conexão Lusófona?

L.V. – É uma rede de pessoas da minha geração que cresceram num contexto em que todos os seus países já eram independentes e que se quer conectar mais para desenvolver projetos no espaço lusófono. Traduz a vontade duma geração em construir uma comunidade global de cultura portuguesa.

– O que tem mudado nestes anos que cresceram?

L.V. – O objetivo principal de construir uma comunidade e, sobretudo, despertar as novas gerações para a construção dessa comunidade continua lá. É um caminho longo e só está a começar. Ao longo destes anos, temos tido uma evolução ao nível da escala, tamanho e complexidade dos nossos projetos, e no alcance da nossa rede. Agora temos uma estrutura diferente que tem muito mais responsabilidade e que é ouvida na tomada de decisões. Quando a Conexão começou, pensar-se na mobilidade ou na livre circulação no espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa [CPLP] era impensável e hoje já se começa a falar.

– A Conexão teve influência?

L.V. – Sem dúvida.

– Quais são as prioridades hoje, depois de quase dez anos de existência?

L.V. – A grande missão mantém-se: desenvolver esse sentimento de pertença e a cidadania ativa. Nos primeiros cinco anos centrámo-nos em projetos relacionados com cultura, na capacitação de novas lideranças e no desenvolvimento de trabalho no campo da advocacia política. Nos últimos anos, essas áreas estruturam-se mais e iniciámos a da comunicação, relacionada com os novos media e empreendedorismo digital, que ganhou muito espaço com o nosso portal. As prioridades mantêm-se porque precisam de madurar e nós, apesar de tudo, somos uma organização muito recente. Não faz sentido centrarmo-nos noutras prioridades quando aquelas em que investimos ainda não estão consolidadas.

– Há outras associações com o mesmo enfoque: juventude e lusofonia. De que forma se diferencia a Conexão?

L.V. – Organizadas em rede, não conheço. Existe uma plataforma – que é o Fórum da Juventude da CPLP – da qual fazemos parte. Em Portugal, a Conexão está registada como associação juvenil e por isso é membro de pleno direito do Conselho Nacional de Juventude. Esse fórum é a reunião dos vários conselhos nacionais de juventude dos países da CPLP. Mas é diferente porque é um fórum institucional. Não tem projetos nem uma ação regular.

– Muitas vezes há a sensação de que as associações são inofensivas, ou seja, não têm influência nas decisões políticas nem repercussões na vida das pessoas. Sente-se isso com a Conexão?

L.V. – Sentimos um impacto real do que fazemos e temos prova disso diariamente, quando nos enviam emails a elogiar o nosso trabalho ou temos um jovem que participa nas nossas academias de formação e vê que há um antes e um depois. Também sentimos esse impacto quando vemos que os governos começam a falar a sério na livre circulação de estudantes, artistas e empresários no espaço da CPLP. E isso tem muito que ver com o barulho que fazemos. Muitas vezes não é um barulho mediático, mas há um grande trabalho. Obviamente que queremos sempre mais. Há tanta coisa por fazer. Por exemplo, porque é que se estuda tanto a União Europeia em Portugal e não se estuda a CPLP? É uma das lutas que temos. Queremos que haja um conhecimento mútuo das realidades do mundo da lusofonia. 

– Há mais situações em que sintas que a Conexão tem impacto?

L.V. – Cada vez que fazemos um festival de música são mais pessoas que cativamos que nunca tiveram interesse nesse mundo lusófono. Temos a preocupação que a cultura dos diferentes países lusófonos chegue a pessoas que a desconhecem. Damos oportunidade a jovens artistas emergentes, muitos deles ainda em processo de gravação do primeiro álbum, de partilharem o palco com outros mais famosos e consagrados, o que depois se traduz em projetos conjuntos. Também temos esse papel de associação que promove o intercâmbio cultural. Há pessoas a trabalharem em parceria e a conhecerem a realidade umas das outras. 

– Têm vindo a reunir-se com vários líderes políticos. Conquistaram o vosso lugar?

L.V. – No início, sinto que olhavam para nós como uns miúdos rebeldes. Puseram-nos vários rótulos, sobretudo em alguns destes países onde a voz juvenil é encarada com desconfiança. Houve um certo estado de alerta em relação aos nossos verdadeiros interesses e agenda. Mas depois, e sem nos dobrarmos e mantendo o nosso propósito, fomos conquistando o nosso lugar. Mostrámos que não éramos um projecto passageiro. Essa persistência acabou por trazer respeito e hoje trabalhamos em cooperação com muitos agentes institucionais da CPLP. 

– Em que países estão consolidados e têm mais influência?

L.V. – Não existe uma Conexão Lusófona Brasil, Portugal ou Angola com agendas próprias. Funcionamos mesmo em rede. Só há uma agenda e um plano de atividades. O que acontece é que as atividades tendem mais para um ou outro país, consoante as nossas capacidades. Fazemos muito mais em Portugal, infelizmente, porque temos mais acesso a financiamento. É algo que queremos alterar e é por isso que viajo tanto, para ver se conseguimos organizar mais projetos fora de Portugal. 

– Estiveste em Macau no início do ano. Como correu a visita?

L.V. – Fui na comitiva da associação de jovens empresários Portugal-China. Tive um primeiro contacto com diferentes organismos para perceber como podemos desenvolver nem que seja um pequeno projeto. Mas foram conversas muito iniciais que agora têm de continuar e amadurecer. Não é com uma viagem que acontece alguma coisa. As instituições não estão muito familiarizadas com o conceito “global”. É tudo destinado, e falo também dos instrumentos de apoio financeiro, a associações de Macau. Trabalham muito no ‘empowerment’ do que é local, com pessoas da terra, e não nos enquadramos nessa lógica. É difícil explicar isto. Temos tido esse obstáculo.

– Com que entidades estiveste reunida?

L.V. – Consulado-Geral de Portugal, Fórum Macau, o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento, também fui ao Instituto Politécnico. Mas a minha agenda foi enquadrada numa agenda coletiva. Agora, queremos apostar numa visita com uma agenda estruturada com o que a Conexão pretende fazer em Macau.

– E que objetivos são esses?

L.V. – Percebi claramente que há muitas coisas a serem feitas na área da lusofonia e não queremos ser mais uma associação que vai cumprir algo que já existe. Do que vi, acho que a Conexão poderia acrescentar a Macau com o projeto do portal, em parceria com os jornais ou universidades locais. Podia aproveitar esta rede de jovens que escrevem conteúdos sobre a lusofonia. Estamos a fazer redações digitais em várias universidades da CPLP. Criar isto em Macau, e faço este desafio, seria uma excelente oportunidade. Não faltarão formas de promover a marca Macau e de trabalhar isso com entidades que tenham interesse. No âmbito cultural – tanto o Festival como as Noites da Conexão – acabam por poder ser complementares a uma agenda cultural que já exista e destinada à lusofonia, sobretudo no que diz respeito aos novos artistas que é onde está a nossa ‘expertise’.

– Para ti, qual é o papel de Macau no espaço da lusofonia?

L.V. – A sensação que tive é que Macau acaba por se agarrar a essa ligação com a lusofonia para se diferenciar e ter a sua unicidade face à China continental, mas acho que há muito por fazer. Fiquei com a sensação de que ainda é muito burocrática, máquina lenta. Sinto que tem um potencial gigante na lusofonia se se desempoeirar e tiver uma acção mais rápida na concretização. E não estou a dizer que não haja trabalho feito. Basta olharmos para a agenda cultural e vermos a série de eventos ligados à lusofonia. Mas há outro tipo de coisas que se podem fazer.

– Dá-me exemplos.

L.V. – Macau podia ser um ‘hub’ de empreendedorismo lusófono espectacular. Podia ser um espaço de acolhimento para empreendedores do mundo lusófono e chinês se encontrarem e poderem desenvolver ideias em conjunto, até porque está perto de Hong Kong, de onde saem todas as tendências e que é uma espécie de Nova Iorque do Oriente. Quando ouvimos falar do Fórum Macau não se ouve falar de incentivos para jovens empresários, startups. Macau podia ser um LED de ideias que juntasse o mundo de língua portuguesa e a China. Há muita coisa a acontecer na China para lá das ideias que geralmente temos, como ser a fábrica do mundo onde se produz em larga escala e de má qualidade. Muitos dos avanços relacionados, por exemplo, com a economia verde estão a ser feitos na China. 

– Como é que interpretas o interesse de Macau no português e na aproximação aos países de língua portuguesa. Sentes que é uma aposta efectiva ou não passa de um slogan?

L.V. – Acho que há muito trabalho por fazer. O caminho é esse mas a sensação que tenho é que as coisas não andam mais rápido porque há uma estrutura demasiado pesada ou porque Macau, apesar de ter autonomia, depende muito da aprovação da China. Não sei onde está o calcanhar de Aquiles. Sinto que há essa vontade e publicidade, mas esperava ver mais concretização. Arriscaria a dizer, sem grande conhecimento, que é preciso modernizar algumas estruturas administrativas, tornar as coisas mais horizontais, deixar que malta nova entre nos organismos para que tudo comece a fluir mais.

– Estiveste na ONU em representação da Conexão. 

L.V. – Fui convidada pelo Conselho Nacional de Juventude para integrar a delegação portuguesa e participar na Assembleia-Geral de Juventude, que a ONU organiza todos os anos e que este ano esteve focada no desenvolvimento sustentável. O objectivo é contar um pouco com as ideias e reflexões de jovens líderes e pô-los em contacto. Foi muito enriquecedor por estarmos em contacto com esta diversidade incrível. Ter ido foi um sinal positivo.

– Como é que vês a Conexão a longo prazo?

L.V. – Quero que continue a trabalhar na sua missão com as suas áreas de intervenção cada vez mais consolidadas. Que haja um aumento de escala sem perder a qualidade nos diferentes projectos. Mais do que fazer muita coisa, queremos ampliar e consolidar o que já estamos fazer. 

Catarina Brites Soares

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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