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Futuro dos BRICS joga-se em Xiamen

Disputas territoriais entre Pequim e Nova Deli são fator de tensão na reunião do bloco emergente, que decorre a partir de domingo na província de Fujian.

O bloco de grandes economias emergentes BRICS reúne-se na próxima semana, na costa leste chinesa, numa altura “bastante delicada”, em que poderá estar em causa o futuro do grupo, afirma o investigador brasileiro Evandro Carvalho.

“Esta cimeira é importante, porque pode anunciar tanto a continuidade ou dar indícios de que há um processo de enfraquecimento do BRICS”, explicou Evandro Carvalho à agência Lusa.

Professor visitante no Centro de Estudos dos BRICS da Universidade Fudan, considerada uma das melhores universidades chinesas e com sede em Xangai, a “capital” económica da China, Evandro Carvalho é também professor de Direito Internacional na Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro.

Originalmente constituído por Brasil, Rússia, Índia e China – a África do Sul juntou-se em 2010 –, o bloco BRICS ganhou expressão pela primeira vez em 2001, quando o economista Jim O’Neill, da Goldman Sachs, publicou um estudo intitulado “Building Better Global Economic BRICs” sobre as grandes economias emergentes.

O grupo reuniu-se pela primeira vez em 2009 e logo estabeleceu uma agenda focada na reforma da ordem internacional, que permitisse aos países emergentes ter mais voz em organizações como as Nações Unidas, o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional.

No conjunto, os BRICS representam cerca de 40 por cento da população mundial e 23 por cento do produto global bruto. Os líderes dos cinco países reúnem-se todos os anos. Os ministros dos Negócios Estrangeiros, Economia e Defesa encontram-se também regularmente.

Vista de Pequim, a ascensão dos BRICS ilustra a emergência de “um mundo multipolar”, expressão que concentra a persistente oposição chinesa ao “hegemonismo” ocidental e, em particular, dos Estados Unidos.

Evandro Carvalho considera que a agenda reformista é a “essência do BRICS e, se perder força” surgirá “uma situação de debilidade” do bloco, que “pode levar inclusive à sua diluição total”.

“Se a agenda reformista desaparece, o BRICS vai-se tornar apenas um grupo de plataforma política, como qualquer outro”, diz.

A nona cimeira, que se realiza em Xiamen, na província de Fujian, a partir do próximo domingo e até terça-feira, decorre num contexto “bem diferente” do de 2009, lembra o académico.

“Os países viviam uma situação económica muito melhor, bastante favorável, para desenvolverem uma série de iniciativas”, afirma Evandro Carvalho.

“O contexto atual é o de uma crise económica, que se iniciou em 2008, mas que se repercute fortemente agora, nestes últimos anos, com uma situação agravante em alguns países”, aponta.

Brasil, Rússia e África do Sul apresentam um fraco desempenho económico, que no caso brasileiro é agravado por uma “crise política”.

Apenas China e Índia mantêm um nível médio alto de crescimento económico, mas a renovada tensão entre estes dois países, em torno de questões fronteiriças, representa também um dos maiores riscos para o futuro e coesão do bloco.

Os dois gigantes da Ásia, ambos potências nucleares, partilham uma fronteira com 3,500 quilómetros de extensão, a maioria contestada.

Desde junho passado e até esta semana, soldados dos dois países estiveram frente a frente numa zona disputada entre a China e o Butão – aliado da Índia -, no planalto de Doklam (ou Donglang, em chinês), nos Himalaias.

Tudo começou quando soldados indianos entraram em território que Pequim reclama seu e travaram a construção de uma estrada. Para Nova Deli, esta via teria “sérias implicações para a segurança da Índia”.

Aquela área é conhecida na Índia como “corredor siliguri” (ou “pescoço da galinha”), um corredor estreito, que liga os estados do nordeste da Índia ao resto do país. Caso a China conseguisse bloquear aquele corredor, o nordeste da Índia passaria a estar isolado do resto do país.

A troca de ameaças entre os dois lados fez temer um conflito, como o ocorrido em 1962, também motivado por diferendos territoriais e que causou milhares de mortos.

Sinal do “desconforto” de Nova Deli em relação a Pequim é também a ausência da Índia no fórum dedicado à Nova Rota da Seda, um projeto internacional de infraestruturas proposto pela China, que reuniu, em maio passado, 28 chefes de Estado na capital chinesa.

Para o académico brasileiro, a disputa fronteiriça entre os dois países é mesmo o “facto mais complexo” da cimeira de Xiamen, que vai envolver um “esforço brutal” de diplomacia entre Pequim e Nova Deli, no qual os outros membros do bloco podem ser “importantes intermediários”.

“Essa cimeira vai revelar como os países todos agem para resolver esse problema bilateral e que é central para o futuro do BRICS”, diz.

O académico defende ainda que o Brasil dê maior atenção à crise entre a China e Índia, “visando buscar um entendimento, como um país que está fora do contexto geográfico asiático e que tem uma tradição muito importante de soluções pacíficas de conflitos”.

No entanto, Evandro Carvalho diz não saber se o atual Governo brasileiro, “com a sua política externa, terá um envolvimento ativo em relação ao BRICS”, ou meramente “pontual, apenas naquilo que lhe interessa”.

Para alguns analistas, o problema de fundo do BRICS reside antes no desequilíbrio entre a China e os restantes membros do bloco.

Em 2001, a China constituía metade da soma do Produto Interno Bruto (PIB) dos países que compõem o bloco. Hoje, vale dois terços.

O país é ainda sede de algumas das maiores empresas do mundo e várias estimativas apontam que supere os EUA como a maior economia mundial, ao longo da próxima década.

Para a revista The Economist, “a maior ameaça à ideia dos BRICS talvez não sejam as dificuldades económicas” de alguns dos países que fazem parte do bloco, mas antes “o êxito sem precedentes do seu maior membro”. 

João Pimenta-Exclusivo Lusa/Plataforma Macau

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