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Política ameaça preservação da floresta amazónica

O Brasil já foi um exemplo de combate ao desmatamento da Amazónia, mas a crise política está a transformar a maior floresta tropical do mundo numa moeda de troca usada pelo Governo para conseguir apoio político, segundo vários ambientalistas.

Os ativistas afirmam que para aprovar reformas de austeridade, num primeiro momento, e depois para bloquear o avanço do processo judicial que o indicia num esquema de corrupção revelado por executivos da multinacional JBS, o Presidente do Brasil, Michel Temer, negociou projetos de redução da proteção ambiental em troca do apoio dos ruralistas, um poderoso grupo de parlamentares ligados ao agronegócio que quer ocupar áreas da Amazónia.

“Desde o início do Governo Temer houve uma aliança com a bancada ruralista (…). Esta aliança foi construída antes mesmo dele chegar ao poder [em agosto do ano passado após a destituição da ex-presidente Dilma Rousseff] e o meio ambiente foi colocado como uma moeda de troca para conseguir fazer as reformas que ele gostaria”, afirma Cristianne Mazzetti, coordenadora da Campanha pelo Desmatamento Zero do Greenpeace no Brasil. Agora, “o meio ambiente foi também usado para Michel Temer escapar da denúncia de corrupção, arquivada a pouco mais de um mês no Congresso”, acusa.

“A contrapartida [do Governo em troca deste apoio] foi promover a abertura das áreas protegidas através da redução das unidades de conservação ou a legitimação da grilagem [ocupação ilegal de terras públicas] na Amazónia”, por parte de promotores rurais. Toda esta pressão “gerou um quadro de diminuição da proteção e aumento da violência”, acrescenta a especialista.

Hoje a chamada bancada ruralista conta com 331 representantes na Câmara dos Deputados do Brasil (câmara baixa parlamentar), que é composta por 513 deputados, e 25 no Senado (câmara alta), casa legislativa que tem 81 membros.

Moeda de troca em zona que lidera índice de desmatamento

Heron Martins, investigador do Imazon, uma organização não governamental que trabalha em prol da proteção da floresta amazónica, lembra que uma das questões que foi colocada na mesa de negociação pelo Governo com os representantes políticos do agronegócio é um projeto de lei, ainda em análise, que pode baixar a classificação de proteção 350 mil hectares ou o equivalente a 27 por cento da área da Floresta Nacional do Jamanxim, no estado do Pará. “A Floresta do Jamaxim fica no Pará, estado brasileiro que lidera o desmatamento. Agora ela está sendo usada como moeda de troca já que a proposta de rebaixar sua classificação de proteção enviada pelo Governo permitirá a atividade humana na área, tornando o lugar um alvo para a destruição provocada por posseiros [empresários que invadem e tomam posse de áreas públicas] que cortam madeira, criadores de gado, latifundiários e a indústria da mineração”, diz o investigador.

Entre agosto de 2015 e junho de 2016 foram desmatados apenas no estado do Pará cerca 3,025 quilómetros quadrados de floresta, segundo o último levantamento divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que é o órgão governamental brasileiro responsável pela monitorização da floresta amazónica.

O mesmo Inpe destacou que o desmatamento total na área da floresta amazónica que fica no Brasil cresceu 29 por cento em 2016, por comparação com 2015, somando 7,989 quilómetros quadrados. No que respeita ao caso da Floresta do Jamanxim, a coordenadora do Greenpeace também critica as mudanças enviadas ao Congresso.

“O processo todo, se observarmos, foi bem esquizofrénico. Temer lançou esta medida provisória para diminuir a proteção do Jamanxim e de outras florestas na região do Pará no final do ano passado, mas depois vetou os projetos porque estava para fazer uma visita oficial à Noruega, o país que mais financia atividades de conservação na Amazónia”, disse. “Ele vetou a proposta e semanas depois apresentou outro projeto de lei com quase o mesmo teor. Isto mostra uma desmoralização da política pública de combate ao desmatamento”, completa.

Desde que foi criado em 2008, o Fundo Amazónia já recebeu 2,8 mil milhões de reais (cerca de 885 milhões de dólares), 97,5 por cento desse valor proveniente do Governo da Noruega. A suposta manobra antes de visita à Noruega não surtiu o efeito desejado. Enquanto o chefe de Estado brasileiro estava no país europeu, o Governo norueguês anunciou um corte de 50 por cento das doações que faz ao Fundo da Amazónia.

Amnistia polémica da ocupação ilegal 

Outro caso citado pelos ambientalistas que mostra uso político de projetos relacionados a diminuição da proteção da floresta amazónica foi a recente publicação de uma lei que amnistiou ocupações de até 2,500 hectares realizadas ilegalmente até o ano de 2011. Esta lei ganhou o apelido de “MP da grilagem” no Brasil. Segundo um estudo realizado por Brenda Brito, uma outra investigadora do Imazon, além de legalizar ações de desmatamento, a regularização das ocupações também terá altos custos económicos já que provocará uma perda ao património público de 19 mil milhões de reais a 21 mil milhões de reais (entre seis mil milhões dólares e 6,6 mil milhões de dólares).

Esse montante estimado corresponde à diferença entre o valor médio de mercado dos imóveis em processo de regularização e o valor a ser cobrado pelo Governo aos invasores que ocupam as áreas. O estudo sobre o impacto económico da nova legislação destacou que o dinheiro que deixou de ser cobrado para legalizar a posse das terras amnistiadas equivale a sete vezes as doações internacionais já feitas ao Fundo Amazónia, que apoia projetos de conservação da floresta.

Cristianne Mazzetti, do Greenpeace, considera que a nova lei foi outro mau sinal dado em relação à política pública governamental de proteção da Amazónia. Na sua opinião, a nova lei favoreceu não apenas os agricultores familiares que moravam há décadas nas áreas amnistiadas, mas também os grandes proprietários de terra que reiteradamente cometem crimes ao apropriarem-se de zonas de proteção em florestas. 

“Pessoas que invadiram terras públicas vão conseguir a regularização. A área que pode ser regularizada também aumentou para 2,500 hectares. Isto mostra que a amnistia é para grandes e médias propriedades, não para os pequenos produtores que sempre viveram no local e não tinham o título de propriedade como justificou o Governo”, salienta. 

Já Heron Martins, do Imazon, alerta que a discussão sobre a redução da proteção na Floresta do Jamanxim e a amnistia não são casos isolados, mas exemplos do que será a regra no que se refere a política pública ambiental até pelo menos 2018, quando acontecem novas eleições no país. “Cerca de 44 por cento do Congresso é dominado pela bancada ruralista. Estive em Brasília para falar numa comissão parlamentar e ouvi de muitos políticos que qualquer projeto de lei que vise a proteção ambiental será barrado, enquanto projetos para diminuir as áreas de proteção devem passar”, conclui o investigador. 

Carolina de Ré-Exclusivo Lusa/Plataforma Macau

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