Interesse privado chinês ganha visibilidade

por Arsenio Reis

Parceiro diplomático há mais de quatro décadas e um dos principais beneficiários em África da cooperação chinesa, Cabo Verde surge, nos últimos anos, cada vez mais como um espaço de interesse para os empresários chineses. 

Por agora, o empreendimento turístico do ilhéu de Santa Maria, na cidade da Praia, do empresário David Chow, é a face mais visível desse interesse, mas as missões de empresários chineses a Cabo Verde sucedem-se e é expectativa das autoridades locais que comecem a dar mais frutos.

Cabo Verde acolhe de 16 a 18 de junho, o Encontro de Empresários para a Cooperação Económica e Comercial entre China e os Países de Língua Portuguesa. São esperados, na cidade da Praia, mais de 400 participantes, entre empresários, agências de investimento, câmaras de comércio e outras organizações públicas e privadas da China e dos países lusófonos.

Entre estes contam-se 150 empresários chineses à procura de novas parcerias e oportunidades de negócios, naquela que é uma das maiores delegações de empresários chineses a Cabo Verde.

O evento é organizado pela agência de promoção do investimento externo do arquipélago africano, a Cabo Verde TradeInvest (CVTI), entre várias instituições, como o Conselho para Promoção do Comércio Internacional da China (CCPIT) e o Instituto de Promoção do Comércio e de Investimento de Macau – (IPIM).

O encontro insere-se na estratégia do Governo cabo-verdiano de atração de investimento estrangeiro com vista a promoção do emprego e, conforme explicou Ana Barber, da Cabo Verde Trade Invest, o encontro pretende proporcionar “oportunidades às empresas, ao setor privado, de novas parcerias, novos mercados e de novas experiências”.

O encontro contará ainda com representantes de outros países, como Estados Unidos, Espanha, Marrocos, Senegal e Gana. Pelo encontro passará também o primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva e vários membros do Governo cabo-verdiano para sinalizarem o interesse na captação de investimentos para o arquipélago.

“A ideia é aumentar trocas comerciais, facilitar encontros sobretudo de pequenas e médias empresas, de modo a identificarem novos mercados e explorarem as sinergias, aproveitando a plataforma Cabo Verde, um país estável, democrático, muito bem situado e um ponto focal para o mundo”, sublinhou Ana Barber.

David Chow, 

o rosto do investimento 

O encontro acontece escassas duas semanas após ser conhecida a intenção do empresário chinês David Chow, presidente da Legend Globe Investment Company, de criar um banco em Cabo Verde, o Banco Sino-Atlântico.

O empresário de Macau assinou um acordo com o Governo de Cabo Verde para a abertura de um banco, alargando os investimentos no país africano, onde tem em construção o maior empreendimento turístico do arquipélago. O novo banco tem como objetivo “contribuir para o desenvolvimento do sistema financeiro da República de Cabo Verde, dar apoio às pequenas e médias empresas do país, facilitar os pagamentos locais e internacionais e, de modo geral, apoiar a política monetária definida pelo Governo” de Cabo Verde, segundo o acordo estabelecido. A proposta de David Chow insere-se nas “iniciativas privadas que vão na linha das perspetivas do Governo”, segundo reação do ministro das Finanças, Olavo Correia.

David Chow está a construir em Cabo Verde, na ilha de Santiago, o maior empreendimento turístico do país que inclui um hotel, marina, centros de convenções e casino, num investimento do grupo Macau Legend, estimado em 250 milhões de euros – cerca de 15 por cento do Produto Interno Bruto de Cabo Verde. A primeira pedra do projeto no Ilhéu de Santa Maria/Gamboa, na cidade da Praia, foi lançada em fevereiro do ano passado, estando a abertura prevista para 2019.

O nome do empresário, que por agora é o rosto mais visível da iniciativa privada chinesa em Cabo Verde, surgiu também já associado, na comunicação social, ao interesse em entrar na privatização da companhia pública de aviação Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV), interesse não confirmado por qualquer das partes.

À margem dos investimentos de David Chow, e embora não haja dados oficiais compilados sobre as relações económicas entre os dois países, a presença de privados chineses em Cabo Verde é por agora mais visível sobretudo ao nível dos pequenos negócios.

Cooperação ainda domina relações 

Apesar do crescente número de missões de empresários chineses a Cabo Verde, por agora, a relação entre os dois países é ainda muito marcada pela cooperação e pela ajuda ao desenvolvimento, traduzida em larga medida na construção de algumas das principais obras estruturantes em Cabo Verde.

Uma realidade assinalada pelo presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, há cerca de um ano, quando se assinalaram 40 anos das relações diplomáticas entre os dois países. Na ocasião, o chefe de Estado manifestou o desejo de que de que as relações de cooperação entre o arquipélago e a China privilegiem, no futuro, as vertentes económica, financeira e empresarial.

Em 40 anos de cooperação, a China foi responsável pela construção, reabilitação e conservação dos principais edifícios públicos cabo-verdianos, bem como de algumas das barragens e estradas com país. A Assembleia Nacional, que havia sido construída pela China, está a sofrer uma remodelação completa, novamente financiada pela cooperação chinesa, que pagou também a ampliação e remodelação do Palácio da Presidência, uma obra orçada em mais de 11 milhões de dólares (ao câmbio atual), inaugurada em 2016.

A China financiou igualmente a construção do Palácio do Governo, a biblioteca, auditório e estádio nacionais, a barragem do Poilão, entre várias outras obras.

Além das principais infraestruturas do país, a cooperação com a China traduz-se também nas equipas de médicos chineses nos hospitais cabo-verdianos, nas bolsas de estudo dadas aos estudantes cabo-verdianos, no intercâmbio comercial e cultural, na ajuda alimentar e no apoio às Forças Armadas. Em 2016, assinalaram-se os 20 anos da chegada dos primeiros estudantes cabo-verdianos à China, onde atualmente estudam 300 jovens de Cabo Verde.

Visita de ministro sinaliza reforço das relações

O encontro de empresários ocorre também escassas semanas após a primeira visita do ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi, a Cabo Verde, que veio sinalizar a vontade da China de reforçar ainda mais as relações entre os dois países, num movimento que está a ser encarado por alguns analistas como uma forma de a China reforçar a sua influência na região da África Ocidental.

Numa visita breve, o ministro confirmou às autoridades cabo-verdianas o apoio à criação de uma Zona Económica Especial centrada na economia marítima em São Vicente.

O projeto tinha sido apresentado pelo primeiro-ministro cabo-verdiano ao seu homólogo chinês durante o Fórum Macau, em outubro, e o apoio foi confirmado por Wang Yi, na cidade da Praia, durante uma reunião com o chefe da diplomacia cabo-verdiana, Luís Filipe Tavares, na mesma altura em que anunciou também o financiamento da construção de uma nova maternidade em São Vicente. Os dois ministros passaram em revista a cooperação económica e política entre os dois países, atualmente traduzida em 12 projetos, num valor estimado em mais de 33,5 milhões de dólares.

Em contrapartida, Wang Yi levou a garantia de apoio de Cabo Verde à iniciativa chinesa Faixa e Rota do Governo chinês, que pretende recriar a Rota da Seda, que uniu a China aos mercados ocidentais durante séculos, através de um conjunto de percursos ferroviários e rodoviários, oleodutos e portos. Mais de meia centena de países aderiram à ideia, que é encarada por outros como uma iniciativa de cariz imperialista da China.

O maior investidor estrangeiro no continente africano em número de projetos continuava no ano passado a ser, segundo um relatório da consultora EY, os Estados Unidos, com 91 novos investimentos, seguidos da França, com 81, e da China, com 66 projetos – o que representou um aumento de 106 por cento face ao ano anterior. Segundo esta consultora, em termos do montante do investimento, a China é, de longe, a que investe mais, tendo canalizado no ano passado 36,1 mil milhões de dólares, o que vale mais de um terço do total investido no continente.

Cristina Fernandes Ferreira-Exclusivo Lusa/Plataforma

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